A história da idosa que comoveu internautas do país todo após relatar o racismo que sofreu enquanto vivia em situação análoga à escravidão, na Bahia, ganhou um novo capítulo nesta quarta-feira (4). Em nota divulgada no início da tarde, a Ordem dos Advogados do Brasil do estado (OAB-BA) informou que vai apurar a conduta da filha dos ex-patrões dela, que é advogada.
A mulher, identificada como Cristiane Seixas Leal, é acusada de ter aplicado um golpe na vítima ao contratar empréstimos no nome dela, de ter ficado com R$ 20 mil da aposentadoria da empregada doméstica, além de explorar a mão de obra da idosa.
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As práticas, segundo a OBA-BA, não são compatíveis com o exercício da advocacia. O caso foi encaminhado para o Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da entidade, que ficará responsável pela apuração da conduta.
A empregada doméstica Madalena Santiago da Silva tem 62 anos e viveu 54 deles na casa dessa família, na cidade de Lauro de Freitas, na região metropolitana de Salvador. Ao longo do tempo que vivia com os antigos patrões, ela não recebia salário, era maltratada, sofria racismo e ainda foi vítima do golpe. Ela foi resgatada em março do ano passado, mas a história ganhou repercussão em abril deste ano, depois que foi exibida na TV Bahia.
De acordo com a auditora fiscal Liane Durão, do Ministério Público do Trabalho (MPT), que cuida do caso, a mãe de Cristiane, identificada como Sônia Seixas Leal, já foi ouvida sobre as acusações e disse, em depoimento, que considerava a empregada doméstica uma irmã e que, por isso, não a remunerava pelo trabalho. A justificativa foi dada no final de março deste ano, logo após a ação que resgatou a vítima.
Segundo a auditora Liane Durão, para cada irregularidade relacionada ao trabalho da doméstica será aberto um auto de infração. Até então, o Ministério Público do Trabalho tem entre 10 e 12 autos neste caso.
Assédio moral
Para o Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia, afirmações como a de Sônia, que diz considerar a doméstica como “da família”, são tidas como crime de assédio moral.
“É uma forma que a pessoa [empregador] usa para poder não garantir os direitos da empregada doméstica. E essa trabalhadora não é da família, ela está vendendo a sua mão de obra para uma pessoa que precisa do serviço”, explica Creuza Oliveira, presidente do sindicato, em entrevista à TV Bahia.
“Se ela fosse da família, teria direito a herança, teria direito a usar o elevador social, piscina, fazer faculdade e estudar, como a família faz.”
Além disso, Creuza conta que muitas domésticas prestam serviços como Microempreendedor Individual (MEI), o que pode prejudicar.
“A trabalhadora doméstica que está vendendo o seu trabalho para alguém não é microempreendedora. Ela está fazendo uma prestação de serviço. Isso é prejudicial, pois [como MEI] ela não tem direito ao FGTS, horas extras, adicional noturno e 13º salário.”
O Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia distribui 250 cestas básicas por mês e presta assistência jurídica às trabalhadoras. Segundo o sindicato, após a repercussão do caso de Madalena, duas novas denúncias de trabalho análogo a escravidão foram feitas na Bahia em apenas um dia.
“Não basta denunciar, precisam ser feitas políticas públicas que garantam a proteção dessas pessoas”, afirma Creuza.
Carta
Na semana passada, Madalena divulgou para a TV Bahia uma carta dos ex-patrões, onde o casal acusa a filha de praticar golpes contra a própria mãe e contra a quem eles chamam de “mãe preta”, fazendo referência à antiga funcionária.
O crime é relatado logo o início da carta, que parece ter a intenção de sensibilizar a filha dos ex-patrões de Madalena. O documento foi assinado pelos pais da mulher e pela idosa em 2018 e traz mais detalhes da situação.
“Sem qualquer sentimento de sensibilidade, ao contrário com o objetivo de atingir a Todos você subtraiu todas as cadernetas de poupança de sua mãe e de Madalena. Esta, foi como os meus antepassados diziam, era e sempre foi a chamada ‘mãe preta’ que lhe embalou no colo assim como vem fazendo com a sua filha. Serviu até hoje como uma ‘escrava’ fazendo todas as suas vontades”, diz um trecho do documento.
Em seguida, a carta continua: “Queria bem como se fosse a sua própria mãe. Então qual o agradecimento e gratidão: retirou toda a sua pequena poupança, produto de uma aposentadoria de 35 anos de trabalho. Não satisfeita no seu instinto perverso, ainda teve a crueldade de consignar empréstimos na aposentadoria que variam de 48,60 e 70 meses. Doloroso!. O choro de dor e desespero da inocente Madalena ao tomar conhecimento do fato, por certo está entregue à misericórdia Divina. O preço dessa covardia será resgatado, ainda nesta vida”.
Segundo apuração da TV Bahia, o ex-patrão de Madalena morreu em 2020. Atualmente, os únicos vivos são a esposa dele e a filha do casal.
Para ressarcir a idosa, o MPT divulgou que a Justiça do Trabalho bloqueou bens da família no valor de R$ 1 milhão. O dinheiro deve ser usado no pagamento de verbas rescisórias e dos danos morais.
De acordo com o MPT, o pedido, acatado pela juíza Vivianne Tanure Mateus, titular da 2ª vara do Trabalho de Salvador foi feito pela procuradora Lys Sobral, coordenadora nacional de combate ao trabalho escravo do órgão.
A juíza também determinou o pagamento de um salário mínimo até o julgamento da ação principal e o bloqueio dos bens.
Repercussão
Atualmente, Madalena da Silva vive com familiares e recebe seguro desemprego e um salário mínimo de ação cautelar movida pelo MPT contra os antigos patrões. Mas, apesar da reparação financeira, a idosa convive com os traumas.
A história de Madalena sensibilizou internautas de todo o país, na quinta-feira (28), depois que uma reportagem feita pela TV Bahia viralizou na internet.
Durante a entrevista, a idosa chorou ao segurar a mão da repórter Adriana Oliveira, que é branca, e disse que tinha receio de tocá-la por causa do que a cor da jornalista a remetia. “Fico com receio de pegar na sua mão branca”, contou. Assista ao vídeo abaixo
“Mas por quê? Tem medo de quê?”.
Madalena, então, falou: “Porque ver a sua mão branca. Eu pego e boto a minha em cima da sua e acho feio isso”.
O trecho da reportagem foi compartilhado pela repórter e outros jornalistas e por páginas nas redes sociais. Emocionados e chocados com a situação, internautas comentaram a história.
“Quantos traumas esta mulher sofreu e sofre. Que tristeza”, escreveu um internauta. “E tem quem diga que racismo não existe, que já passou…”, comentou outra. “Que dor ver isso”, completou uma outra mulher.
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Redação iBahia
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