A tragédia marítima com a lancha Cavalo Marinho I, considerada a maior da Bahia das últimas décadas, completou cinco anos nesta quarta-feira (24). Após esse tempo, sobreviventes e familiares das vítimas seguem com os traumas do acidente e com a sensação de impunidade, por ainda não terem recebido indenizações dos responsáveis.
Nesta quarta, a TV Bahia exibiu o depoimento de uma dessas pessoas que buscam por justiça. Em contato com a reportagem, Jucimeire Santana, que estava a caminho da faculdade quando aconteceu o acidente no dia 24 de agosto de 2017, contou que abandonou o ensino superior e atualmente tenta lidar com os problemas provocados pela tragédia.
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"Eu tomo nove remédios controlados. Fiquei com depressão e síndrome do pânico. Estou com pânico de lanchas, eu não aguento ver o mar. Os nossos processos estão todos parados. O que a gente quer é justiça. Cinco anos e não se resolve nada. Por quê? As famílias estão passando dificuldade, estão doentes – como eu. Perdi minha faculdade, perdi minha liberdade", disse.
Em seu depoimento, Jucimeire também falou sobre a revolta com a demora para que os envolvidos sejam indenizados e com a proposta que ela e as famílias dos mortos receberam de um dos advogados da CL Transportes Marítimos - empresa responsável pela lancha, nos valores de R$ 5 mil e R$ 7 mil.
“Hoje, a minha maior revolta é a impunidade. Todo ano nós fazemos manifestação sem apoio de ninguém. No ano passado, nós tivemos audiência de conciliação com o juiz e os advogados da Cavalo Marinho. O advogado teve a coragem de dizer que eles pagariam R$ 5 mil e um celular para os sobreviventes, e R$ 7 mil para as famílias de quem morreu. E quem não aceitasse o acordo, não iria receber nada", contou.
Ao todo, 120 pessoas viajavam na Cavalo Marinho I no dia do acidente, sendo 116 passageiros e 4 tripulantes. Destas, 19 morreram na tragédia - todos passageiros da embarcação. No ano seguinte, uma mulher foi a óbito por depressão e estresse pós-traumático provocado pelo acidente, e a família luta para que ela seja reconhecida como a 20ª morte do acidente.
No ano da tragédia, a Defensoria Pública da Bahia ingressou na Justiça com 46 ações contra a CL Transportes Marítimos. Desse total, 41 casos ficaram na comarca de Itaparica e outros cinco passaram a ser acompanhadas em Salvador.
Ao decorrer dos anos, alguns sobreviventes e familiares passaram a ser assistidos por advogados particulares e apenas 35 processos seguiram com a Defensoria Pública. Esses processos contemplam 37 pessoas, porque três desses envolvidos são de uma mesma família e entraram com a ação juntos.
A maioria das ações foi conclusa em 2019, e os autos finalizados foram enviados à Justiça. Com isso, segundo o g1, falta apenas que o juiz determine a sentença de indenização. Em resposta à reportagem, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) informou que já apresentou as alegações finais e aguarda a decisão judicial.
O Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA) foi procurado para saber sobre o andamento do caso, mas não deu retorno até a última atualização desta reportagem.
Responsáveis condenados
Três anos após a tragédia, em 2020, duas pessoas foram condenadas por negligência, pelo Tribunal Marítimo, por serem os responsáveis diretos pela tragédia, segundo a decisão. São eles:
- Lívio Garcia Galvão Júnior: proprietário da empresa responsável pela operação da embarcação;
- Henrique José Caribé Ribeiro: engenheiro responsável técnico pela embarcação.
Lívio foi condenado à multa máxima no valor de R$ 10.860, a ser corrigido pelo setor de execução do Tribunal Marítimo. Já Henrique José foi penalizado com a interdição do exercício da função de responsável técnico em todas as Capitanias dos Portos do Brasil pelo período de cinco anos.
Na época do julgamento, o Tribunal Marítimo informou que a aplicação das penalidades não será retroativa e que as penas só podem ser executadas após o encerramento definitivo, na esfera administrativa. Desde o acidente, a reportagem tenta contato com Lívio, mas nunca conseguiu.
Na mesma condenação, a Marinha cancelou o registro de armador da empresa CL Transportes, que segue em operação nos terminais Náutico, em Salvador, e de Vera Cruz, em Mar Grande. O comandante da embarcação, Osvaldo Coelho Barreto, foi indiciado por imprudência, mas não foi considerado culpado, durante o julgamento.
Indenizações
Até 2019, quando os processos estavam nas fases das audiência de conciliação, a CL Transporte não participava das sessões. De acordo com o relato de Jucimeire, em 2021 os advogados da empresa participaram de uma conciliação e ofereceram um valor irrisório para as famílias das vítimas e sobreviventes.
Ainda em 2019, a empresa chegou a alegar, para a Defensoria Pública, que os valores indenizatórios eram altos. No mesmo período, a Defensoria entrou, por três vezes, com pedido de medida cautelar para indisponibilizar os bens da CL Transportes, além de solicitação para bloquear 20% das verbas da empresa para assegurar os pagamentos indenizatórios.
No entanto, a Justiça não autorizou a indisponibilidade dos bens e concedeu bloqueio de apenas 5% das verbas, mensalmente, para o pagamento das indenizações. A CL Transportes nunca depositou os valores determinados judicialmente.
Os processos de indenização são por danos morais e materiais, já que a maioria dos sobreviventes também perdeu pertences na tragédia. A maioria dos pedidos de indenizações é de, em média, R$ 100 mil.
O maior valor pedido é de cerca de R$ 1,5 milhão, da família em que as três pessoas entraram juntas com a ação, porque além dos danos morais e materiais, os Moreira da Silva também perderam uma pessoa no naufrágio, a Lindinalva Moreira da Silva, de 50 anos.
O acidente
A Cavalo Marinho I naufragou cerca de 15 minutos após sair do cais de Mar Grande, na cidade de Vera Cruz, no início da manhã de 24 de agosto de 2017. A embarcação tinha potencial para transportar 160 pessoas, e levava menos do que a capacidade.
A lancha estava regular, no entanto, a Marinha encontrou uma série de negligências, atribuída ao proprietário da empresa e ao engenheiro. A principal delas foi a colocação de 400 kg de lastros, que são pesos usados para ajudar na capacidade de manobras, no fundo da lancha Cavalo Marinho I.
Os objetos que são feitos de concreto foram deixados soltos abaixo da sala de comando e deslizaram dentro da lancha, contribuindo "negativamente para a capacidade de recuperação dinâmica da embarcação".
No mesmo inquérito, a Marinha identificou ainda que a embarcação passou por mudanças consideradas irregulares, que acabaram com a inserção desses lastros. Depois da colocação desse peso, um novo estudo de estabilização deveria ter sido feito.
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Redação iBahia
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