A segunda quinta-feira do mês de janeiro tem lugar marcado no coração dos baianos, pois é celebrada a Lavagem do Bonfim. O festejo inter-religioso reúne milhares de fiéis na Cidade Baixa, em Salvador, para participar de cultos ecumênicos e de uma caminhada de cerca de 8 km da Igreja da Conceição da Praia até a Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, onde acontece a lavagem da escadaria.
O cortejo, que atrai turistas e baianos adeptos do catolicismo e de religiões de matriz africana, é comandado por baianas com trajes típicos e seus vasos com água de cheiro. Este é o dia do Senhor do Bonfim (para os católicos) e de Oxalá (para religiões de matriz africana).
Em entrevista ao portal iBahia, o jornalista e pesquisador Nelson Cadena, explicou quais foram os acontecimentos históricos que construíram essa tradição religiosa e cultural.
De acordo com Nelson, a história da celebração está diretamente ligada a fé do português Theodósio Rodrigues de Faria, que era um capitão de mar e traficante de escravos. Para se proteger dos perigos da navegação entre a Europa e a América, ele prometeu que iria trazer uma imagem de Senhor do Bonfim para Salvador e que construiria uma igreja para cultuar esse santo, ao qual era devoto.
"Theodósio de Faria trouxe a imagem em 1745 e ela ficou guardada na Igreja Nossa Senhora da Penha até 1754, que foi quando a Igreja de Nosso Senhor do Bonfim ficou pronta e a festa realmente começou com a procissão para transferência da imagem de lugar", explicou o pesquisador, que também reforçou que todas as festas populares da Bahia nasceram direta ou indiretamente dos "homens do mar".
Lavagem
A tradição da lavagem das escadarias é um verdadeiro mistério, já que ninguém sabe ao certo quando aconteceu a primeira e o que motivou o ato. Para Nelson Cadena, que é autor do livro “Festas Populares da Bahia. Fé e Folia”, a lavagem não passava de uma faxina, como as que a gente costuma fazer para arrumar a casa antes de um dia de festa.
"A festa do Senhor do Bonfim começa com uma novena que dura nove dias e termina com a realização de missa festiva. Então, nesse dia a igreja precisava estar limpinha e na quinta era feita uma lavagem pelos escravos libertos, normalmente mulheres. Depois, esse ato ganhou ares litúrgicos".
O pesquisador conta que para participar da festa do Senhor do Bonfim muitas pessoas precisavam pernoitar no lugar por quatro a seis dias, então era necessário que se levasse água, lenha, madeira e comida para ajudar nas acomodações dos romeiros. As pessoas que faziam essas atividades foram o primeiro público do festejo. Depois, com a criação da estrada dos Dendezeiros e a implantação da estrutura de transportes, a ocasião foi ganhando mais adeptos e tomando as formas que conhecemos atualmente.
Um dos pontos marcantes da história da celebração foi quando o arcebispo Dom Antônio Luís Santos publicou uma portaria que proibia as lavagens das igrejas em dias de festa, em homenagem aos santos (em 1889), e contou até com o apoio da polícia para alcançar o objetivo, o que não funcionou.
A festa do Bonfim foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2013 e passou a ser considerada a maior manifestação religiosa popular da Bahia.
Sagrado e Profano
As barraquinhas de bebida e comida, a venda de adereços litúrgicos (os santinhos, as fitinhas do Bonfim, etc) e a música sempre fizeram parte do percurso. Nelson Cadena chamou atenção que o sagrado e o profano caminham lado a lado.
"Uma coisa não exclui a outra. A pessoa vai lá por ter devoção, para agradecer, mas também toma sua cerveja pelo caminho, vai curtindo e acompanhando o som de uma marchinha", ressaltou.
O pesquisador ainda afirmou que é justamente essa infraestrutura, de não fazer apenas uma procissão, que possibilita a festa popular crescer e sobreviver por tantos anos.
Fitinhas do Bonfim
Umlivro de Termo de Compromisso da Irmandade, de 1792, já possuía registros da existência da fita ou "medida" de Santo. O documento foi encontrado posteriormente, no século 21, por Luis Geraldo Freire Urpia de Carvalho, tesoureiro da Irmandade.
Inicialmente, o adereço era chamado de "medida" e tinha o comprimento do braço direito da imagem do Bonfim. As primeiras fitinhas eram feitas de cetim e seda e usadas bordadas em chapéus ou no pescoço.
Ao iBahia, Nelson Cadena explica que a fitinha como conhecemos hoje, colorida e fininha, provavelmente tenha influência europeia e foi estimulada pelos próprios órgãos de turismo. "Tem vários lugares do mundo em que existe a tradição dos três pedidos em locais turísticos, a gente adaptou isso as fitinhas do Senhor do Bonfim", acrescenta.
Hino do Senhor do Bonfim
"O hino vencedor foi o do poeta Péthion de Villar, musicado pelo maestro e compositor Remígio Domenech, que é mais formal. O Arthur de Salles conseguiu fazer uma ligação entre a religiosidade do baiano com o Senhor do Bonfim, por isso pegou e acabou se popularizando", analisa Nelson.
Vale lembrar que por causa da pandemia do novo coronavírus o cortejo com a presença dos devotos não será realizado e toda programação será transmitida online através das redes sociais.
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Redação iBahia
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