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Sob o sol forte, cerca de 20 homens reviram a areia do Parque das Dunas, no Litoral Norte da Bahia, à espera dos caçambeiros que levam o mineral para longe dali. Nenhum deles tem identificação, fardamento ou equipamentos de segurança. Eles só têm suas pás e a vontade de cavar. A movimentação, flagrada pelo CORREIO nos dias 6 e 14 de dezembro, por si só já configura um crime ambiental, pois a extração de areia naquela região não tem a autorização obrigatória do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). O agravante é que as dunas ficam dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Joanes Ipitanga, espaço demarcado desde 1999 pelo governo estadual e que se divide entre sete cidades da Região Metropolitana de Salvador (RMS). A atividade começa antes que o sol apareça, quando os primeiros cavadores chegam à lavra clandestina, ao lado do Condomínio Busca Vida. Boa parte vive a poucos metros dali, na comunidade do Mutirão, que fica entre as dunas e a Estrada do Coco. Dentre os cavadores, alguns aparentam ser adolescentes. No meio deles, pelo menos duas crianças. Entre 5h e 6h, chegam as primeiras caçambas. Algumas estão carregadas de entulho, que é despejado no terreno e substituído pela areia supostamente protegida por lei. Depois de abastecidas, as caçambas saem por uma estreita pista de barro que dá na Estrada do Coco. Dali, partem direto para canteiros de obras e lojas de material de construção na capital ou na RMS. No final da tarde, voltam para um novo abastecimento.
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DenúnciasA administração do Condomínio Busca Vida denunciou o esquema ao escritório de gestão da APA no dia 25 de agosto deste ano. Em 15 de setembro, a Promotoria do Meio Ambiente do Ministério Público Estadual (MP) em Camaçari recebeu a mesma denúncia. Por ofício, o promotor Luciano Pitta informou ter repassado o caso ao Ministério Público Federal (MPF), por se tratar de extração ilegal de minerais (por lei, todo mineral é um bem da União). Os órgãos de controle, entretanto, têm conhecimento da ação ilícita há bem mais tempo. Geneci Braz, coordenador da APA Joanes Ipitanga, já não sabe quantas vezes esteve no Parque das Dunas para tentar barrar a extração de areia, o que não surtiu efeito. “Muitos fiscais já estiveram lá com a polícia e apreenderam caçambas, mas é difícil controlar. Eles são espertos, se comunicam até pela buzina. Por mais operações que façamos, eles voltam logo depois”, diz. Para o geólogo Rodrigo Lanfranchi, fiscal do DNPM, é mais difícil deter a extração ilegal feita “na mão grande”. “Apreender um trator ou uma caçamba é uma coisa, mas se a gente pega um homem com uma pá, como é que vai dar um flagrante?”, pondera.
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PrejuízoLanfranchi estima que pelo menos 50 mil m³ de areia já foram retirados da área, fazendo a ressalva de que o volume pode ser maior, pois é difícil precisar a altura original das dunas. Como o metro cúbico do mineral é vendido, em média, a R$ 10, significa que mais de R$ 500 mil em areia já foram levados. Enquanto a extração não é interrompida, o que sobra é o lamento de um empresário que vive há 10 anos em Busca Vida e acompanhou a devastação de perto. “Eram dunas enormes e virou uma cratera”, diz ele, pedindo anonimato. “Alguém tem que parar com isso. Não é possível que ninguém consiga parar com isso”, completa.
Fiscais relatam ameaças dentro da APAEvitando apontar suspeitos de comandar o esquema, todos os fiscais que já participaram de ações na lavra da APA Joanes Ipitanga fazem relatos semelhantes: sofreram ameaças e foram escorraçados da área por caçambeiros e cavadores. O coordenador de fiscalização da Secretaria de Desenvolvimento Urbano de Camaçari, Uzias Marcelino, lembra de quando quase foi agredido na área das dunas. “Quando chegamos, eles se esconderam no mato. Depois que perceberam que não havia policiais entre os fiscais, vieram pra cima, nos cercaram com paus e pedras na mão e tivemos que ir embora pra não apanhar. Alguns andam armados”, diz. Outro que já sofreu ameaças foi Rodrigo Lanfranchi, fiscal do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). “Não somos policiais. Não andamos armados e eles são perigosos”, afirmou. Segundo o secretário de Desenvolvimento Urbano de Camaçari, José Cupertino, a pasta recebeu um ofício da Polícia Federal (PF) enfatizando que a investigação de crimes de extração mineral clandestina é da alçada federal e que a prefeitura pode pedir apoio para as ações de fiscalização. “Esse pessoal é perigoso, é uma grande máfia, mas é difícil conseguir esse apoio pra fiscalizar”, opina Cupertino. Através da assessoria, a superintendência da PF foi procurada diversas vezes desde a quarta-feira passada para comentar o caso, mas não deu retorno. O Ministério Público Federal, por sua vez, informou que foi solicitada uma vistoria ao Instituto do Meio Ambiente (Inema) para, com o resultado, dar andamento ao processo que apura a lavra dentro da APA. A responsável pelas vistorias do Inema está de férias e não foi encontrada.
Roubo de areia dá prisãoA Lei nº 9.605 de 1998, sobre crimes ambientais, prevê detenção de seis meses a um ano para quem for flagrado extraindo minerais sem autorização. Além disso, a Justiça pode determinar que o infrator pague uma multa, calculada de acordo com o dano ao ecossistema. Na avaliação de Rodrigo Lanfranchi, fiscal do DNPM, lavras como a da APA Joanes Ipitanga só serão eliminadas se o acesso for fechado. “A prefeitura de Camaçari tem que bloquear as estradas. Se a caçamba não entrar, ninguém vai cavar”. Para ele, outra forma de combater a ilegalidade é a implantação de mais postos fiscais nas estradas, para checar quais carregamentos têm nota fiscal. Além disso, o geólogo faz outro alerta: “Usar esse material na construção civil é perigoso. É uma areia com muito salitre. Obras com essa areia não são confiáveis”.