Era o caminho de todos os dias, mas em um ônibus que não era aquele que a manicure Renata*, 30 anos, costuma pegar para ir para o trabalho, no Shopping Paralela, um pouco antes das 9h. A linha? Jardim Nova Esperança-Lapa. Só que, naquele dia – segunda-feira, dia 10 deste mês – algo estava fora do lugar. O ônibus não estava cheio e tinha poucas mulheres. Renata estava sentada e, separado pelo corredor, mas na mesma fileira, estava um homem. “Nos assentos da frente dele, estavam duas amigas conversando, mas ele estava sozinho. Comecei a sentir ele incomodado, primeiro mexendo na bolsa. Não podia olhar diretamente, mas vi que tinha algo estranho. Fiquei com medo e quis ligar para a polícia”, contou.Quando colocou o celular no ouvido, não discou 190. Ao invés disso, abriu o aplicativo da câmera e começou a gravar o homem ao seu lado, como se estivesse falando com alguém ao telefone. Ela ficou sem reação quando percebeu o que estava acontecendo: ele se masturbava ali, tranquilamente. “Eu sou barraqueira de fechar barraco, mas não tive ação. Foi tão assim que me senti constrangida, me senti abusada”.Estupro O medo de sofrer um assalto no coletivo logo foi substituído por muitos outros sentimentos: vergonha, desconforto, tristeza, raiva – e, principalmente, outro tipo de medo. Aquele medo que só mulheres sabem como é; o medo do estupro; o medo de sofrer uma violência simplesmente por ser mulher. “Não importa se foi físico ou não. Mas eu não sou obrigada a participar desse ato sexual dele”, sentenciou.A reação – ainda que não fosse a que ela queria, inicialmente – veio pouco depois. De forma discreta, foi até o cobrador e falou o que o cara estava fazendo. Só que o rodoviário disse que não podia fazer nada. No máximo, se passasse uma viatura da polícia, eles poderiam chamar e pedir que os policiais intervissem. “Eu disse que estava com medo e que não queria ficar no ônibus”. E foi embora. Na saída, já do lado de fora, fez um gesto de telefone com as mãos, e gritou para ele que ligaria para a polícia. O dito cujo respondeu com um sorriso.Queixa Mas acabou decidindo não prestar queixa. “Para quê? Para não resolver? O que eu queria mesmo era não ter esse transtorno”, desabafa. No dia seguinte, acabou pegando a mesma linha. O motorista e o cobrador vieram comentar com ela sobre o assunto. “Mas eles são homens. Eles acham que é normal. Não é o caso de todos, mas a grande maioria faz dessa forma e a gente que fica violentada. E eu tenho medo de encontra-lo. Não sei qual vai ser minha reação”.O caso de Renata pode ser extremo, mas, na verdade, ilustra um desconforto pelo qual muitas mulheres passam diariamente no transporte público. Segundo a delegada Vânia Matos, titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Periperi, o homem filmado pela manicure estava cometendo um crime: atentado ao pudor. “O ideal seria ir na hora ou chamar a polícia. Se foi comunicado ao rodoviário que estava acontecendo o crime, ele deveria ter colaborado em conduzir o veículo para a delegacia, por exemplo, até para evitar que outros fatos aconteçam”.Só que nem sempre é assim, como um atentado ao pudor. Às vezes – em boa parte delas – há contato físico. São as chamadas “encoxadas”, quando homens esfregam a região genital no corpo de mulheres que estão no ônibus, geralmente se aproveitando do pouco espaço. “Esse ‘encoxar’ também é um ato libidinoso, mas, como está praticando com a pessoa, é estupro mesmo. É geralmente o machismo que ainda impera na sociedade”. Seja qual for o caso, a recomendação da delegada é que a vítima grite.Mas a coordenadora da Marcha das Vadias na América Latina e da rede de atenção à violência contra as mulheres em Salvador, Sandra Muñoz, reconhece que, para a vítima, pode ser difícil fazer algo para chamar atenção. “Quando você tem uma sociedade que é machista, a gente não consegue mudar. E, como ela, a maioria das mulheres não consegue reagir. Mas a gente não precisa de ônibus rosa, a gente precisa de educação”.O ideal, no entanto, é que a mulher grite – e que as outras, seja no ônibus ou em qualquer outro lugar, gritem junto. “Se está acontecendo com uma companheira do meu lado, precisa de sororidade e irmandade. Não dá para enfrentar sozinha”. Sororidade, para quem não sabe, é uma expressão do movimento feminista e que ganhou força nas redes sociais nos últimos tempos. Significa basicamente uma aliança baseada na empatia e no companheirismo entre mulheres. Além disso, Sandra defende formação para rodoviários saberem como lidar nesse tipo de situação. “Eles não podem não parar para uma mulher sozinha no ponto às 10h da noite”.Segundo o diretor de imprensa do Sindicato dos Rodoviários da Bahia (Sintroba), Daniel Mota, relatos como o de Renata realmente chegam até os rodoviários. Vez ou outra, as vítimas são, inclusive, rodoviárias. Mas ele reconhece que, normalmente, esses casos não chegam à polícia. “A gente é vítima de vários tipos de violência. As mulheres contam casos cheias de medo e vergonha, mas a gente orienta que (o rodoviário) reaja sim, mas de forma a parar o ônibus próximo a uma viatura”.Diretor da CSN, uma das empresas de ônibus que faz parte do Consórcio Integra, Horácio Brasil diz que, por ser um caso de polícia, os funcionários realmente não devem intervir. “A polícia existe para isso. Há uma série de delitos que acontecem dentro de ônibus e a tripulação fica impotente, primeiro porque a lei não dá direito a agir e, segundo, porque pode ser vítima de violência também”. Para ele, a única alternativa seria mesmo parar o carro e pedir intervenção da polícia, se houver uma viatura nas redondezas.Segundo o gerente do Serviço de Atendimento ao Usuário (SAU) do Integra, Cláudio Malamut, desde que o sistema foi implantado, há um ano, não chegou nenhum tipo de denúncia relacionada a assédio sexual em coletivos. “Mas não estou dizendo que não tem. Acredito que as pessoas se sentem inibidas, porque não chega até a gente”. O SAU recebe cerca de três mil queixas por mês. Para fazer uma denúncia, há um telefone (71-4020-1550), das 7h às 19h, de segunda a sexta-feira. Em outros horários, a pessoa pode ligar e gravar a reclamação ou escrever o que aconteceu na área Fale Conosco do site www.integra.com.br. No metrô, segundo a CCR Bahia, desde que o sistema entrou em funcionamento, em 11 de 2014, não houve nenhum registro de assédio. Segundo a assessoria da CCR, 300 agentes fazem a segurança nas estações e dentro dos trens e foram capacitados para atender qualquer tipo de demanda. Para comunicar alguma situação à ouvidoria, basta ligar para o 0800 071 8020 (segunda à sexta-feira, das 7h às 22h, e aos sábados das 7h às 14h). Há, ainda, a opção de falar por email no [email protected] ou no site www.ccrmetrobahia.com.br.
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Redação iBahia
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