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No mês da Consciência Negra, o iBahia entrevista: Luislinda Valois, primeira juíza negra do Brasil

Durante novembro, o iBahia conversará com diversas personalidades sobre temas relacionados à questão racial no Brasil

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02/11/2011 às 7:30 • Atualizada em 26/08/2022 às 18:42 - há XX semanas
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Quando escutou do professor da escola que deveria parar de estudar para cozinhar feijoada na "casa de branco", a baiana Luislinda Valois Santos, 69 anos, tomou uma decisão que marcaria para sempre sua vida: "Não vou fazer feijoada para branco. Vou é ser juíza". No ano de 1984, cumpriu o prometido e se tornou a primeira mulher negra do Brasil a se tornar juíza. Nove anos depois, entrou novamente para a história do país ao proferir a primeira sentença contra racismo.
"Cada chibatada que a gente leve deve ser como estímulo para que possamos enfrentar as desigualdades", diz Luislinda
O caminho até o juizadoLuislinda começou a trabalhar aos 14 anos como datilógrafa na Companhia Docas da Bahia. Logo depois assumiu um trabalho como escrevente no Departamento Nacional de Estradas e Rodagem, atual DNIT, chegando a ser chefe de orçamento. Estudou filosofia, teatro, mas só concluiu mesmo o curso de Direito na Universidade Católica. Depois de formada, passou no concurso de procurador do próprio DNER e se mudou para Curitiba. Anos depois soube do processo seletivo para o Tribunal de Justiça da Bahia. Se inscreveu e foi aprovada. Ao longo de sua carreira, a juíza, que atuou no interior baiano até ser promovida para Salvador, em 1993, foi a responsável por reativar dezenas de Juizados Especiais e por criar a Justiça Itinerante e o Juizado Itinerante Marítimo. Hoje, às vésperas de se aposentar compulsoriamente como desembargadora substituta no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), - ela ainda luta para ser nomeada como desembargadora titular- Valois conversou com o iBahia sobre algumas das principais questões da negritude hoje. Na pauta, tratou também sobre o Poder Judiciário, sobre Estatuto da Igualdade Racial e sobre o Dia da Consciência Negra. Luislinda participará do TEDx Salvador no próximo dia sete de novembro, na Livraria Cultura, às 18h, no Salvador Shopping. Orlando Silva saiu recentemente do Ministério do Esporte depois de denúncias de irregularidades. No governo anterior, Matilde Ribeiro, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, passou por um processo semelhante. Nos dois casos, o tempo entre o surgimento das denúncias e à renúncia do cargo foi muito mais rápida do que em outros Ministérios. No Brasil, para um Ministro negro/a as cobranças e exigências são maiores? Eu acredito que a condição de ser um homem negro ou uma mulher negra, no nosso país, nos coloca numa posição em que são exigidas mais cobranças, maiores desafios. Evidentemente, quando nós saímos para ocupar os espaços públicos, os espaços políticos, os chamados cargos importantes, o tipo de cobrança que nos é imposto é muito maior. O que acontece no país é que não existe o costume de ter o negro nessa posição. Foi construída e aceita a ideia de que a o negro deve servir, deve estar submisso, pronto para receber ordens. É que criou-se a ideia de que nascemos para segurar o cabo de vassoura e não para segurar uma caneta. Essa posição de chefia, de comando, é, para muitos, quase inaceitável. Não posso detalhar os casos dos ministros e as denúncias que receberam, mas existe uma situação diferente, que tem sim ligação com a raça. A senhora acredita que a sua geração poderá ver um país livre do racismo? Não tenho dúvidas de que a minha geração fez um trabalho intenso, hercúleo, um trabalho extremamente significativo para a história desse país. Mas quem vai colher esse legado são as próximas gerações de negros e negras. Esse trabalho de plantar a semente já foi feito, mas sigo com as minhas atividades. Acredito que a luta precisa ser continuada. Ela precisa ser gestada e feita todos os dias. Porque o racismo existe e também segue se transformando. Mas eu acredito que não terei tempo para ver o Brasil livre da discriminação racial. Por que num país em que os menores índices de desenvolvimento humano estão associados à população negra falar em ações ou em políticas afirmativas ainda gera resistência? Eu acredito que esse é um ponto que tem relação com a história brasileira, com a colonização, com a escravidão. A nossa elite foi formada enxergando o negro como o serviçal, como aquele que obedece. Quando se fala em provocar a subversão ou equiparação dessa realidade que vivemos é claro que causa estranheza. Justamente porque diverge da visão que eles tem da história. Mas nós aprendemos a reclamar e vamos continuar reclamando, exigindo. Isso é o que incomoda, o que provoca o desconforto. Só que é um processo inevitável e vamos continuar avançando. De que maneira é possível superar esse conflito? Eu acho que esse é um desafio a ser pensado todos os dias, toda hora. Eu ando por diverso lugares de Salvador e por outros lugares do país e costumo ratificar que o mais importante, o que poderá resolver nossas situações é um investimento sério em educação. É preciso que o país trabalhe de forma continuada no que tange a esse ponto. Eu entendo que esse compromisso, de fazer a educação continuada, deverá ser uma das prioridades. Assumir essa luta, essa bandeira. Para dar oportunidade. O Estatuto da Igualdade Racial foi assinado há quase um ano. Que mudanças efetivas aconteceram? O texto permanece sendo simbólico?O Estatuto saiu da maneira como a gente queria. Houve muitas discussões, muitos reparos, muitos cortes, enfim. Apesar disso, a gente vai convivendo com ele, aperfeiçoando e melhorando sua aplicação. Antes não tínhamos nada que tratasse do tema e agora existe. Quer dizer, é um passo. Precisamos é trabalhar para que as melhoras sejam sentidas. E creio que a principal política de ações afirmativas foram, até agora, as cotas. A Bahia foi pioneira nesse processo. Mas não podemos querer só cotas nas Universidades. Temos que pensar também a reparação em outros setores. Cotas para concursos como existem para os casos de deficientes físicos. É assim que a gente transforma a sociedade. A população carcerária no Brasil é majoritariamente negra, mas a população negra não é a maioria absoluta. Existe uma desproporção que leva a um questionamento: a Justiça brasileira é um máquina de condenar negros? Não acredito que a Justiça, enquanto instituição pública, seja uma máquina de condenar negros. Ela precisa julgar, quando acionada, os casos respaldados pela legislação vigente no Brasil. O que acontece é que, a população negra por enfrentar situações de vulnerabilidade diversa, fica mais suscetível às penalidades da justiça sim. Além disso, enquanto a população não negra, em geral, os brancos podem pagar advogados particulares, os negros não tem muitas vezes condições de arcar com um processo judicial. A Defensoria Pública tem um trabalho gigantesco sendo feito, mas conta com poucos profissionais e, ainda que o esforço dos defensores seja inquestionável, a gente sabe que quem tem dez demandas para atender tem menos tempo do que quem só tem uma. Isso reflete num julgamento, numa sentença, claro. De que maneira a Justiça pode garantir a preservação da vida e a dignidade dos negros? É preciso ter clareza de que a Justiça não pode garantir nada se não for acionada. Além disso, garantir essas duas coisas extrapolam o âmbito exclusivo de nossa atuação. Isso é uma questão de políticas públicas. São as políticas públicas a serem implementadas em todos os segmentos sociais que tem esse papel de garantir a vida dos cidadãos e a sua dignidade. Agora, claro que precisamos que as pessoas busquem as instituições constituídas para que suas reivindicações possam ter os devidos encaminhamentos. Mas o Judiciário não seria, dos três pilares da democracia brasileira moderna, o poder mais fechado e inacessível para a população? Por exemplo, o caso do elevador do TJ-BA que poderia ter uso exclusivo do magistrado? É uma instituição que ainda assusta às pessoas. As roupas, a suntuosidade, a linguagem. Só que é preciso que as pessoas busquem de todas as formas para que funcione. Sobre o episódio do elevador, eu só sei do que li através dos jornais, então não teria como manifestar uma opinião sobre o caso. Apesar disso, eu sei que muitas vezes as pessoas se assustam com esse universo. É difícil de lidar. Mas cabe conhecer o órgão, conhecer as suas funções. A população não conhece. Não sabe como funciona a engrenagem. Então, para ter a instituição mais próxima é preciso conhecer, buscar. Fiz uma pergunta para uma plateia para saber se eles sabiam como era eleito o presidente do TJ e ninguém soube responder. Não caberia ao Poder Judiciário o papel de buscar essa aproximação com mais vontade? Especialmente diante da visão compartilhada de que a Justiça é lenta, burocrática e que o melhor é tentar resolver as coisas por fora dela? Mas nós já temos esses canais. Possuímos a Corregedoria, a Ouvidoria do Tribunal que são dispositivos que cumprem essa função. Nos casos de urgência, a Justiça também pode funcionar. Temos uma quantidade enorme de demanda e temos poucos profissionais atuando, o que evidentemente dificulta a celeridade. Mas é preciso que o cidadão saiba que existe um Código Civil que respalda qualquer pessoa. Que quando o caso é de urgência e estiver tramitando no tribunal ele necessariamente precisará ser cumprido dentro dos prazos porque há uma legislação regulando tudo isso. Agora, claro que o nosso efetivo precisa ser ampliado para podermos atender com maior satisfação às pessoas. Mas primeiramente é preciso procurar o serviço. No mês da Consciência Negra, que recado precisa ser dado ou reforçado ao povo baiano?Acredito que o principal é dizer que a luta precisa continuar. Cada chibatada que a gente leve deve ser como estímulo para que possamos enfrentar as desigualdades, para que a gente possa ocupar os espaços de poder. Eu acho que é esse o chamado que devo fazer à Bahia e ao Brasil também.

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