A personal trainer Marcelli Maia tinha 29 anos quando teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e perdeu totalmente o movimento do corpo. O problema chegou a avisar que estava acontecendo, com alguns sintomas, mas a baiana não esperava ser uma das pessoas jovens que raramente recebem o diagnostico. Agora, um ano depois, ela conseguiu recuperar cerca de 80% da mobilidade e busca a autonomia completa.
"Eu sou muito disciplinada. Meu tempo, minha energia toda voltada em me reabilitar. Eu tenho os meus objetivos e eu luto por eles. Eu acredito que eu posso. Não me limito", disse a baiana ao iBahia, que aborda o assunto neste sábado (29), Dia Mundial do AVC.
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Durante a entrevista, Marcelli contou que tudo começou em outubro 2021. Na época, ela passou cerca de uma semana sentindo dores fortes na cabeça, que surgiam e passavam consecutivamente, até que, no dia 23, acordou com mais dores ainda, além de tontura e boca travada. De casa, ela seguiu para emergência e já ficou desacordada. O diagnostico de AVC demorou para chegar, mas, no mesmo dia ela foi entubada.
"Eu fiquei desacordada alguns dias e quando eu acordei eu apenas não entendia o que tinha acontecido. Eu estava lúcida, minha cabeça estava boa. Eu não tinha nenhuma memória do evento, mas não conseguia me mexer", contou.
Nesse período, os médicos chegaram a cogitar que a baiana ficaria com a síndrome do encarceramento, que é quando a pessoa não consegue fazer expressões faciais, se mover ou falar, mexendo apenas os olhos. Contudo, a recuperação foi acontecendo gradativamente, tudo graças às técnicas de reabilitação que foram iniciadas quando ela ainda estava na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
"Quando eu acordei, eu só mexia os olhos. Eu fiz a trastectomia e isso me impedia de falar. Além disso, o AVC atingiu uma área da fala. Hoje, cada vez mais, eu estou melhorando, mas eu só mexia os olhos. Nem o dedo mindinho eu conseguia movimentar", relatou.
Marcelli conta que, apesar de preocupada com o que estava acontecendo, sua primeira reação foi pensar na recuperação e que precisava se dedicar. Diante disso, ela pediu para que não a contassem o que tinha acontecido. Preferiu continuar sem saber do diagnostico de AVC. O problema só foi apresentado a ela depois depois de mais de dois meses.
"Quando eu consegui me comunicar, eu pedi para não me falarem o que era. Porque eu quero evitar distrações. Eu mantive o foco desde o início em me recuperar".
O que ainda é um mistério é a causa do AVC. A personal conta que levava uma vida saudável e não se recorda de nada anormal no dia a dia que levava na época. "Eu tinha uma vida muito ativa. Tinha uma vida saudável, me alimentava bem, bebia muito pouco, bebia muita água. Era toda regular. Talvez tenha sido algum impacto. Eu não me lembro de nenhum impacto".
Depois da alta, Marcelli passou a manter as rotinas de reabilitação em casa. O dia a dia inclui fisioterapia neurológica, fisioterapia para o corpo e neuromodulação, que é o estímulo intracraniano das partes afetadas no cérebro. Para manter tudo funcionando e poder se dedicar melhor, a baiana montou um quarto equipado para o tratamento em casa. Da família, ela recebe o apoio.
"Eu abro o olho, eu fecho o olho, treinando. Eu tenho aqui pessoas que estão comigo desde o início, que, além de dar amor, me motiva a viver sempre mais. Eu tenho um marido incrível que me ajuda em todas as minhas tarefas do dia a dia e também tenho a ajuda de outras pessoas", disse.
Com os resultados alcançados com os avanços da reabilitação, a baiana comemora. "É uma sensação de dever comprido. Uma sensação de que todo dia eu dou o meu melhor. A gente ganha a vida de presente e cabe a nós fazer com que essa nova vida dar certo. Eu poderia me deprimir, me fechar e viver uma outra realidade, mas não foi a minha opção. A minha opção foi tornar essa nova vida melhor que a que eu tinha antes".
Atualmente, Marcelli usa cadeira de rodas, porém consegue andar sem a ajuda de moletas, desde que a caminhada seja supervisionada, para garantir a segurança dela. Por experiência própria, a personal recomenda o início da fisioterapia o quanto antes e defende a importância de se manter o foco na recuperação.
"Se desconecte de tudo. Foque em se reabilitar. Nós tentamos muitas coisas e às vezes não temos respostas no movimento, mas você fazendo muitas vezes esse comando, uma hora a coisa anda. E isso é desde o início".
O AVC
Para entender melhor o AVC, o iBahia conversou com o médico intensivista e paliativista João Gabriel Ramos, que é gerente médico da Clínica Florence. De acordo com o especialista, o problema é provocado por alterações dos vasos que levam sangue para o cérebro e tem dois principais tipos.
Um deles é o hemorrágico, que acontece quando ocorre uma ruptura do vaso cerebral e o sangue extravasa, causando lesão no cérebro. O outro é o isquêmico, que, segundo ele, é o mais comum, quando acontece uma obstrução, ou entupimento, do vaso cerebral e o sangue não chega no cérebro, causando uma lesão ou um infarto cerebral.
Ainda segundo o médico, diferentes doenças podem causar o AVC isquêmico ou hemorrágico. Os principais fatores de risco são aqueles que afetam o quadro cardiovascular, como hipertensão, diabetes, alterações do colesterol, doenças cardíacas entre outras.
Ramos explica também que a maior parte dos casos de AVC atinge pessoas de mais idade, mas, apesar de ser mais raro, o problema também pode acontecer em jovens com menos de 40 anos, como Marcelli, ou até mesmo em crianças, que tenham outros fatores de risco.
Sintomas, sequelas e tratamento
Quais são os principais sintomas que demonstram a possibilidade de um AVC?
"AVC pode se apresentar com diferentes sintomas, mas se deve sempre levantar a suspeita quando acontece o início súbito de fraqueza muscular, alteração na musculatura do rosto (por exemplo, incapacidade de sorrir) e alteração da fala. Existe uma fórmula para lembrar disso, que é a palavra SAMU. Pedir para o paciente Sorrir, tentar dar um Abraço e cantar uma Música. Se dificuldade nesse processo, deve se suspeitar de AVC e chamar o samu com Urgência. (S= sorria; A=abrace; M=música; U=urgência)".
Quais são as sequelas que o AVC pode deixar?
"As sequelas vão depender da área do cérebro atingida. Podendo ser sequela motora (fraqueza muscular), sensitiva (deixar de ter sensibilidade em alguma região do corpo), fala (dificuldade em encontrar as palavras ou fala embolada), alteração cognitiva (da memória) etc".
Como normalmente é o tratamento após o problema?
"O tratamento do AVC agudo deve ser feito o mais rapidamente possível e em unidade hospitalar, uma vez que geralmente irá exigir a realização de tomografia de crânio. Principal ponto é identificar a causa do AVC, para evitar a progressão inicial do AVC e iniciar tratamentos preventivos para evitar um novo AVC. Atualmente, a depender da causa do AVC, existem tratamentos agudos que podem reduzir o risco de sequela. Além de aparato tecnológico, é necessário que os serviços de saúde que atendam AVC agudo tenham protocolos de investigação e atendimento bem definidos para essa população de pacientes".
Qual a importância de se iniciar rapidamente o tratamento e a reabilitação de pacientes vítimas de AVC?
"Existe uma “regra” de que “tempo é cérebro”. A cada minuto que o paciente com AVC não recebe o tratamento adequado, pode haver morte irreversível das células do cérebro. Da mesma forma, o potencial de reabilitação também é dependente do tempo. O cérebro tem uma fase de neuroplasticidade em que consegue recuperar funções que tenha perdido decorrente do AVC. O período de 90 dias após o AVC geralmente é o período em que há ganhos mais rápidos, embora o paciente geralmente possa ter ganhos até 12 meses após o evento do AVC".
Há um prazo ideal para que se inicie esse processo de recuperação?
"Devido ao processo de neuroplasticidade, o cérebro responde melhor à reabilitação quando é iniciada precocemente, dentro do intervalo de 90 dias após o AVC".
Quando o início desse processo é tardio, o que pode acontecer?
"O início tardio do processo de reabilitação pode tornar a recuperação mais lenta ou aumentar o risco de sequelas mais graves, o que tem impacto em sobrevida, sintomas, capacidade de realizar as atividades da vida diária e qualidade de vida".
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Alan Oliveira
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