Como quase todas as cidades do Oeste, Muquém de São Francisco possui uma extensão territorial contrária ao tamanho de sua pequena população. O que o torna o 25º município baiano em tamanho, com cerca de 3.600 quilômetros quadrados, quase seis vezes o de Salvador. Beirada pelo Velho Chico, Muquém tem duas faces. A dos latifúndios irrigados de milho, soja e gado, pertencentes a ricaços que pousam de jatinhos em pistas privadas, como a família Paranhos, de Pernambuco, magnatas do agronegócio. A outra tem realidade inversa. No povoado de Santana, um dos mais de dez assentamentos surgidos nas levas de reforma agrária do fim dos anos 80, os moradores convivem com a falta d'água e as mazelas das constantes estiagens. É lá que mora seu Estêvão. Ele relata que, no fim de fevereiro, foi procurado pelo prefeito interino, Osmar Gaspar. A conversa tinha teor semelhante ao de outros depoimentos gravados com agricultores da região. LEIA MAIS: Muquém de São Francisco: nova eleição na cidade é marcada por ilegalidades “Ele perguntou o que eu tava precisando, disse que ia ajeitar minha casa, mandou eu ir lá na prefeitura para colocar meu carro a serviço (da administração) e me deu uma nota de gasolina de 40 litros para eu pegar no posto”, lembra Estêvão. O CORREIO obteve uma cópia do documento datado de 28 de fevereiro, timbrado com a logomarca da administração municipal e assinado por Osmar Gaspar. Seu Estêvão conta que não foi feito um pedido direto para que ele “mudasse de lado”, como se diz sobre quem troca o grupo do 11 pelo o do 13. “Ele mandou eu ir na prefeitura com meu carro (um Corsa 1995) que ele conversava comigo”, conta. MarcasEm outra visita feita pela reportagem às “reformas” de Muquém, como são chamados por lá os assentamentos rurais, foram gravados relatos que revelam assédio eleitoral e compra de voto em prol do candidato Vandim (PT). Como revelam as fachadas das casas da Reforma de Serra Branca, a 90 quilômetros da sede de Muquém e situada na faixa de terra ao longo do curso do São Francisco, onde as águas de poço são bebidas com o travo causado pelo alto teor de sal. Antes, a pequena casa do agricultor Ademário Ferreira dos Santos ostentava na parede o número 11, do candidato do PP, Márcio Mariano. Mas, desde o início de março, passou a exibir o 13. O que mudou? “Sabe, quando o homem tá na necessidade, se humilha”, afirma Ademário. Ele diz que, para ver a filha empregada em uma escola, teve que ceder a uma condição: pintar o número de Vandim. “Eles queriam botar o 13 dentro do coração (logomarca da campanha do PP). Aí, eu não deixei”, garante. A solução foi apagar o 1 e colocar o 3 no lugar. Mas, nas casas vizinhas, a nova numeração foi colocada no “coração do 11, que é para economizar tinta”, como reza a nova gozação eleitoral de Muquém. No Quilombo Jatobá, próximo a Serra Branca, uma funcionária – que por razões óbvias terá seu nome preservado - diz que teve de aceitar a imposição para manter o emprego no posto de saúde. “Com meu marido doente, ia fazer o quê? Falei pra eles: 'Bota aí, né...'”, diz. A mesma ação não surtiu efeito sobre o agricultor Damião Afonso de Souza. Morador da Reforma Santana, ele relembra a noite em que foi procurado por Gaspar, que trazia uma proposta: “O que eu queria para apagar o 11 e colocar o 13”. A oferta foi, segundo relato do agricultor, pagar a regularização dos documentos da moto e do carro dele, quatro pneus e gasolina. “Disse que se ele quisesse me dar, eu pegava, mas pra tirar o número não”, conclui. Críticas ao MP, acusações contra juiz e reviravolta na eleiçãoUma característica salta aos olhos na eleição fora de época em Muquém do São Francisco: o distanciamento das instituições responsáveis pela fiscalização do processo, iniciado em 9 de fevereiro, segundo consulta feita ao TRE, sem que houvesse promotor do Ministério Público Estadual (MPE) empossado no cargo vago desde dezembro na comarca de Ibotirama, que responde por Muquém. O novo promotor, Saulo Matos, só tomou posse no dia 20 de fevereiro. Contactado, Matos reconheceu que não está havendo um processo ativo de fiscalização por parte do MP e atribuiu o problema às dificuldades para dar conta da demanda acumulada na comarca. Matos afirmou ainda ter recebido documentos sobre denúncias de crime eleitoral em Muquém e disse que está averiguando o caso. Aliados do candidato do PP, Márcio Mariano, se queixam de dificuldades para serem ouvidos pelo MPE . As reclamações também são dirigidas ao juiz Pedro Henrique Izidro, da 173ª Zona Eleitoral, acusado por Mariano de agir com parcialidade. Em entrevista concedida na sexta-feira, ele baseou a acusação em um episódio que levou tensão à cidade nos últimos dias. A Justiça tinha até dia 18 para publicar as decisões sobre os registros de candidatura, limite fixado em resolução do TRE. Mas o resultado só saiu dia 21. “Como a população foi para o Fórum esperar a decisão, ele (Izidro) alegou falta de segurança para não publicar a sentença”, afirmou. Na quinta-feira, saiu a decisão pelo indeferimento da candidatura, motivada, segundo o teor da sentença, pelo fato de Mariano ter sido o causador das eleições suplementares. “Com o atraso, não sei se tenho prazo para recorrer. Procurei o juiz na sexta, para entrar com o recurso, mas ele não estava. Talvez tenhamos que lançar outro nome”, lamentou. A reportagem tentou contato com o juiz, mas não teve sucesso. Matéria original: Jornal Correio Muquém de São Francisco: relatos revelam indícios de crime eleitoral na zona rural
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