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Aborto de anencéfalo não é crime, diz STF

Ação pediu a permissão de interrupção da gravidez de fetos anencéfalos. Lei criminaliza aborto, com exceção dos casos de estupro e risco para mãe

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12/04/2012 às 20:36 • Atualizada em 28/08/2022 às 3:00 - há XX semanas
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Após dois dias de debate, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (12) que grávidas de fetos sem cérebro poderão optar por interromper a gestação com assistência médica. Por 8 votos a 2, os ministros definiram que o aborto em caso de anencefalia não é crime.
Plenário do Supremo durante julgamento do aborto de feto sem cérebro nesta quinta
O Código Penal criminaliza o aborto, com exceção aos casos de estupro e de risco à vida da mãe, e não cita a interrupção da gravidez de feto anencéfalo. Para a maioria do plenário do STF, obrigar a mulher manter a gravidez diante do diagnóstico de anencefalia implica em risco à saúde física e psicológica. Aliado ao sofrimento da gestante, o principal argumento para permitir a interrupção da gestação nesses casos foi a impossibilidade de sobrevida do feto fora do útero. “Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo, não existe vida possível. O feto anencéfalo é biologicamente vivo, por ser formado por células vivas, e juridicamente morto, não gozando de proteção estatal. [...] O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas de morte segura. Anencefalia é incompatível com a vida”, afirmou o relator da ação, ministro Marco Aurélio Mello. A tese do ministro Marco Aurélio foi acompanhada pelos ministros Ayres Britto, Luiz Fux, Joaquim Barbosa, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Celso de Mello. Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso, presidente da corte, foram contra. O caso foi julgado por 10 dos 11 ministros que compõem a Corte. Dias Toffoli não participou porque se declarou impedido, já que, quando era advogado-geral da União, se manifestou publicamente sobre o tema, a favor do aborto de fetos sem cérebro. "Um bebê anencéfalo é geralmente cego, surdo, inconsciente e incapaz de sentir dor. Apesar de que alguns indivíduos com anencefalia possam viver por minutos, a falta de um cérebro descarta complementamente qualquer possibilidade de haver consciência. [...] Impedir a interrupção da gravidez sob ameaça penal equivale à tortura”, disse o ministro Luiz Fux. O entendimento do Supremo valerá para todos os casos semelhantes, e os demais órgãos do Poder Público estão obrigados a respeitá-lo. Em caso de recusa à aplicação da decisão, a mulher pode recorrer à Justiça para interromper a gravidez. A decisão foi tomada pelo STF ao analisar ação proposta em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, que pediu ao Supremo a permissão para, em caso de anencefalia, ser interrompida a gravidez. Os ministros se preocuparam em ressaltar que o entendimento não autoriza “práticas abortivas”, nem obriga a interrupção da gravidez de anencéfalo. Apenas dá à mulher a possibilidade de escolher ou não o aborto em casos de anencefalia. “Faço questão de frisar que este Supremo Tribunal Federal não está decidindo permitir o aborto. [...] Não se cuida aqui de obrigar. Estamos deliberando sobre a possibilidade jurídica de um médico ajudar uma pessoa que esteja grávida de feto anencéfalo de ter a liberdade de seguir o que achar o melhor caminho”, disse Cármen Lúcia. JulgamentoO julgamento começou na manhã desta quarta-feira (11) e cerca de sete horas depois foi interrompido quando já havia cinco votos favoráveis à permissão de aborto de anencéfalos. O primeiro dia foi marcado por vigílias de grupos religiosos e de defesa da vida e pela presença, no plenário, de mulheres que sofreram gravidez de feto anencéfalo e de uma criança que chegou a ser diagnosticadascom a doença e sobreviveu após o parto. A sessão foi retomada na tarde desta quinta com o voto do ministro Ayres Britto, em defesa do aborto diante do diagnóstico de anencefalia. Foram mais de seis horas de julgamento nesta quinta - cerca de 13 horas de debates no total. “[O aborto do feto anencéfalo] é um direito que tem a mulher de interromper uma gravidez que trai até mesmo a ideia-força que exprime a locução ‘dar à luz’. Dar à luz é dar à vida e não dar à morte. É como se fosse uma gravidez que impedisse o rio de ser corrente”, afirmou o ministro Ayres Britto, cujo voto definiu a maioria dos ministros a favor do aborto de feto anencéfalo. Celso de Melo destacou que a gravidez de anencéfalo "não pode ser taxada de aborto". "O crime de aborto pressupõe gravidez em curso e que o feto esteja vivo. E mais, a morte do feto vivo tem que ser resultado direto e imediato das manobras abortivas. [...] A interrupção da gravidez em decorrência da anencefalia não satisfaz esses elementos." Tema controversoO pedido da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde foi atendido pelo STF após oito anos de tramitação do processo. Em 2004, o relator chegou a liberar o aborto de anencéfalos em decisão liminar (provisória), que meses depois foi derrubada pelo plenário. Em 2008, audiências públicas reuniram cientistas, médicos, religiosos e entidades da sociedade civil para discutir o tema controverso. Para a entidade, não se trata de aborto, mas da “antecipação terapêutica do parto”, diante da inviabilidade de sobrevivência do feto. "A interrupção nesses casos não é aborto. Então, não se enquadra na definição de aborto do Código Penal. O feto anencefálico não terá vida extra-uterina. No feto anencefálico, o cérebro sequer começa a funcionar. Então não há vida em sentido técnico e jurídico. De aborto não se trata", afirmou o advogado da entidade, Luís Roberto Barroso durante sua sustentação oral no plenário do STF. Entidades religiosasO ministro Gilmar Mendes criticou a opção do relator por não incluir como partes da ação entidades religiosas. Para ele, o debate precisava ser “desemocionalizado”. “Essas entidades são quase que colocadas no banco dos réus como se tivessem fazendo algo de indevido e não estão. É preciso ter muito cuidado com esse tipo de delírio desses faniquitos anticlericais”, afirmou Mendes. DivergênciaApenas os ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso se manifestaram contra o aborto de fetos sem cérebro, entre os dez que analisaram o tema. Para Lewandowski, o Supremo não pode interpretar a lei com a intenção de “inserir conteúdos”, sob pena de “usurpar” o poder do Legislativo, que atua na representação direta do povo. Ele afirmou que o assunto e suas conseqüências ainda precisam ser debatidos pelos parlamantares. "Uma decisão judicial isentando de sanção o aborto de fetos anencéfalos, ao arrepio da legislação existente, além de discutível do ponto de vista científico, abriria as portas para a interrupção de gestações de inúmeros embriões que sofrem ou viriam sofrer outras doenças genéticas ou adquiridas que de algum modo levariam ao encurtamento de sua vida intra ou extra-uterina", disse. Peluso comparou o aborto de fetos sem cérebro ao racismo e também falou em "extermínio" de anencéfalos. Para o presidente do STF, permitir o aborto de anencéfalo é dar autorização judicial para se cometer um crime. "Ao feto, reduzido no fim das contas à condição de lixo ou de outra coisa imprestável e incômoda, não é dispensada de nenhum ângulo a menor consideração ética ou jurídica nem reconhecido grau algum da dignidade jurídica que lhe vem da incontestável ascendência e natureza humana. Essa forma de discriminação em nada difere, a meu ver, do racismo e do sexismo e do chamado especismo", disse Peluso. "Todos esses casos retratam a absurda defesa em absolvição da superioridade de alguns, em regra brancos de estirpe ariana, homens e ser humanos, sobre outros, negros, judeus, mulheres, e animais. No caso de extermínio do anencéfalo encena-se a atuação avassaladora do ser poderoso superior que, detentor de toda força, infringe a pena de morte a um incapaz de prescendir à agressão e de esboçar-lhe qualquer defesa", completou o presidente do STF, que proferiu seu voto antes de proclamar o resultado do julgamento. AnencefaliaO relator do caso, ministro Marco Aurélio, citou dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), referentes ao período entre 1993 e 1998, segundo os quais o Brasil é o quarto país no mundo em incidência de anencefalia fetal, atrás de Chile, México e Paraguai. De acordo com o ministro Gilmar Mendes, dos 194 países vinculados à Organização das Nações Unidas (ONU), 94 permitem o aborto quando verificada a ausência parcial ou total de cérebro no feto. A chamada anencefalia é uma grave malformação fetal que resulta da falha de fechamento do tubo neural (a estrutura que dá origem ao cérebro e a medula espinhal), levando à ausência de cérebro, calota craniana e couro cabeludo. A junção desses problemas impede qualquer possibilidade de o bebê sobreviver, mesmo se chegar a nascer. Estimativas médicas apontam para uma incidência de aproximadamente um caso a cada mil nascidos vivos no Brasil. Cerca de 50% dos fetos anencéfalos apresenta parada dos batimentos cardíacos fetais antes mesmo do parto, morrendo dentro do útero da gestante, de acordo com dados da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Um pequeno percentual desses fetos apresenta batimentos cardíacos e movimentos respiratórios fora do útero, funções que podem persistir por algumas horas e, em raras situações, por mais de um dia. O diagnóstico pode ser dado com total precisão pelo exame de ultrassom e pode ser detectado em até três meses de gestação.

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