A paralisação dos caminhoneiros provocou perdas em todos os setores da economia e mudou a rotina dos brasileiros. Segundo cálculos do economista da FGV Claudio Considera, o país deve ter perdido R$ 10 bilhões diários com a greve. O déficit fiscal do governo deve subir para R$ 150 bilhões, e a normalidade total pode demorar até dois meses, principalmente na produção de carnes. Quem vai pagar a conta é a sociedade, com mais impostos e preços maiores
Por que a greve começou?
Em junho do ano passado, a Petrobras mudou sua política de preços para os combustíveis e passou a fazer ajustes quase diários nos valores cobrados nas refinarias pelo diesel e a gasolina. Durante muitos anos, esses preços foram represados para evitar uma alta da inflação, causando prejuízo à estatal. A mudança na política de preços coincidiu com uma forte alta do dólar e do petróleo no mercado internacional. Além disso, em julho do ano passado, o governo aumentou a alíquota do PIS/Confins sobre os combustíveis, para elevar sua arrecadação. A alíquota subiu para R$ 0,21 por litro do diesel. Com isso, nos últimos 12 meses, o litro do diesel ficou 12,5% mais caro nas bombas.
O aumento do preço do diesel foi o estopim para a insatisfação do setor, que vinha sofrendo também com uma frustração do crescimento econômico. O setor de transporte tinha sido beneficiado com juros subsidiados do BNDES. Transportadores autônomos e empresas conseguiram renovar e aumentar a frota. Mas o crescimento esperado não veio. Ao contrário, o Brasil viveu a mais longa recessão de sua história e uma das mais intensas. Com muita oferta de transporte de carga e economia andando para trás, não havia espaço para aumentar os fretes e repassar o custo do diesel, com o agravante de haver trabalhadores endividados devido à renovação da frota.
Qual a fatia dos caminhões no transporte de carga?
Os caminhões transportam dois terços das cargas no Brasil. Sem contar o minério de ferro e o petróleo cru, a parcela sobe para mais de 90%. Mas a infraestrutura rodoviária é precária. O país tem 211 mil quilômetros de rodovias pavimentadas. Nos Estados Unidos, são 4,3 milhões, e na China, 4 milhões. Um caminhão no Brasil consegue rodar, em média, cerca de 4.400 quilômetros por mês por causa das condições da estrada, segundo o Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos). É o equivalente a cinco quilômetros por hora, a mesma velocidade de uma pessoa andando. Isso impacta a eficiência das transportadoras e a renda dos caminhoneiros. Como o setor é muito pulverizado, com várias empresas menores e autônomos sendo contratados por grupos maiores, muitos motoristas acabam aceitando um frete baixo para poder rodar.
Quem são os responsáveis pela greve?
Inicialmente, os responsáveis pelo movimento que começou no último dia 21 foram caminhoneiros autônomos que realizaram bloqueios em rodovias estaduais e federais pelo país. O grupo compreende 30% dos caminhoneiros em operação. Após os primeiros bloqueios, motoristas contratados por transportadoras também aderiram às paralisações, aumentando a escala dos protestos. Houve relatos ainda de apoio aos manifestantes, com fornecimento de alimentação aos grevistas, por exemplo, e serviços como banheiro químico, por parte das empresas de transporte.
O Palácio do Planalto apontou indícios de que houve leniência dos empregadores e levantou a hipótese de que a greve poderia ter sido coordenada ou incentivada por empresários. Até o momento, no entanto, não houve evidência da responsabilidade de empresas. Se confirmada, a prática, chamada de locaute, configura crime.
Apesar de alguns sindicatos terem assumido a liderança das negociações com o governo federal e o de São Paulo, não existe uma liderança nacional ou estadual que, de fato, represente todos os interesses dos caminhoneiros. As orientações para quem está nas ruas são passadas por meio de grupos de WhatsApp.
Por que os acordos não foram cumpridos?
Três motivos ajudam a explicar a dificuldade para o cumprimento dos acordos fechados com o governo. O principal deles é a ausência de uma liderança capaz de mobilizar ou desmobilizar todos os bloqueios. Como não há uma hierarquia no movimento, os representantes que fazem a negociação com o poder público, embora respeitados por boa parte dos caminhoneiros, não têm legitimidade sobre toda a categoria.
Logo após o anúncio feito pelo presidente Michel Temer na noite de domingo, motoristas discutiam por meio de aplicativos se deveriam ou não deixar os bloqueios: alguns defendiam que o movimento é forte o suficiente para alcançar objetivos como a queda de Michel Temer, ou outros benefícios ao cidadão comum, como a redução do preço da gasolina.
O segundo motivo que impede a saída total dos caminhoneiros é a experiência da greve de 2015, quando os trabalhadores do setor também pararam por alguns dias e conseguiram o compromisso do governo em sete itens que levaram à pauta. Eles dizem que, passados 60 dias, as medidas não foram cumpridas. Por fim, as fake news também têm peso importante na manutenção da paralisação dos caminhoneiros: nos grupos de WhatsApp, muitos boatos correram nos últimos dias, confundindo os caminhoneiros. Esse é o meio que eles usam para se mobilizarem e manter os bloqueios ativos.
Numa categoria muito horizontal, os líderes surgiam a cada bloqueio, criando mais exigências, como a publicação do acordo no Diário Oficial, dificultando o fim do movimento.
Por que o governo cedeu?
O governo cedeu às pressões dos caminhoneiros e entregou tudo o que foi pedido pela categoria porque demorou a entender a dimensão do movimento. Embora tenha sido alertado nas semanas anteriores de que havia risco de paralisação, o Palácio do Planalto foi surpreendido pela adesão, que foi crescendo ao longo da semana e criando uma crise que não foi antecipada pelo núcleo do presidente da República.
O Planalto só chamou os líderes da greve para negociar depois de três dias de paralisação e pediu uma trégua que não foi aceita. Segundo interlocutores do governo, o Planalto, então, começou a tentar debelar a crise entregando ao grupo as principais reivindicações. Isso também não resolveu, e, no fim de semana, a avaliação foi que qualquer acordo era melhor do que deixar a situação continuar e o desabastecimento e a paralisia da economia piorarem.
Qual a conta da crise?
Há perdas generalizadas em diferentes setores econômicos. A paralisação tem deixado o varejo sem estoques, as indústrias sem insumos para produzir, e os empregados não conseguem chegar ao trabalho. De acordo com a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), o prejuízo já chegou a R$ 3 bilhões, com todas as unidades de produção e 235 mil trabalhadores parados. Já foram perdidos 70 milhões de frangos e quase 30 milhões de suínos.
A Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit) estima perdas de R$ 1,9 bilhão com 70% das empresas paradas. A Câmara Brasileira da Indústria da Construção acredita que os prejuízos cheguem a R$ 2,4 bilhões, com 40% das atividades paradas.
Houve problemas para entrega de medicamentos nas farmácias e nos hospitais e falta de insumos para a indústria farmacêutica. Além disso, como a produção não era escoada, a capacidade de armazenagem das fábricas se esgotou. Em nove dias de greve, o setor já acumula prejuízo de R$ 1,6 bilhão.
A indústria automobilística está desde quinta-feira passada com suas unidades fabris paralisadas. A Confederação Nacional do Comércio (CNC) estima perdas de, pelo menos R$ 3,1 bilhões, com a queda do movimento no varejo e a falta de estoques. No Estado do Rio, a Federação das Indústrias (Firjan) calcula que a paralisação causará perda de R$ 77 milhões no Produto Interno Bruto (PIB) da indústria de transformação.
Segundo o SindRio, o prejuízo do setor de bares e restaurantes, nos oito primeiros dias de greve, é de R$ 20 milhões, com queda de aproximadamente 40% no movimento. No estado, o prejuízo chega a R$ 34 milhões. Segundo a Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear), 270 voos foram cancelados e a perda estimada foi de R$ 50 milhões por dia. Sem contar com os milhões de litros de leite de tiveram que ser jogados fora.
Quem pagará a conta da greve?
Contribuintes e consumidores vão pagar essa conta. Os contribuintes, porque a solução encontrada pelo governo para atender ao pleito dos grevistas inclui subsídios ao preço do diesel e outras medidas com impacto fiscal, como o fim da Cide, contribuição que incide sobre os combustíveis. Só os subsídios para manter o preço do diesel mais baixo terão impacto anual estimado em 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país), ou R$ 23 bilhões, segundo cálculos do Itaú Unibanco, levando em conta que a cotação do dólar e do petróleo permaneçam no atual patamar. Esse custo, no entanto, pode ser maior, caso haja elevação desses preços.
Os fretes também ficarão mais caros. O governo aceitou uma tabela com preço mínimo do serviço, encarecimento que será repassado para todos os produtos transportados no Brasil, limitando a concorrência. Além disso, de imediato, os consumidores sentirão preços mais altos nas gôndolas de feiras e supermercados quando o abastecimento for restabelecido. Houve perdas significativas na produção agropecuária, sobretudo no setor de frango e laticínios. A oferta menor do produto tende a elevar os preços.
Qual o impacto na Petrobras?
O setor de transporte pesa de 4,4% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, o que representa R$ 290 bilhões anualmente, mas a perda para a economia brasileira não para aí. Como houve reflexo generalizado, todos os setores perderam. Segundo Claudio Considera, pesquisador associado da e coordenador do Núcleo de Contas Nacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), a perda com dez dias de greve chegará a R$ 100 bilhões.
— A indústria parou sem insumos, prejudicou o abate e alimentação de gado, suínos e aves. Nos serviços, parou o transporte e o comércio está deixando de vender. Calculei que todas as atividades perderam 50% da produção, o que provocou uma perda de R$ 10 bilhões por dia de greve. SEm contar os serviços prestados à famílias. As pessoas deixaram de ir ao dentista, ao médico, a diarista não conseguiu chegar ao trabalho — afirmou Considera.
Quem quer 'intervenção militar'?
Assim como na população em geral, o presidente Temer tem baixa aprovação da categoria, e, desde segunda-feira, o coro de “fora Temer” começou a crescer entre os caminhoneiros, mas não há qualquer evidência de uma liderança única centralizando esse clamor. Os pedidos por intervenção militar encontram mais acolhida entre os caminhoneiros. Há faixas nas ruas com pedido de intervenção desde o início dos protestos.
O presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) conta com a simpatia de parte do movimento. No início, ele apoiou os grevistas, mas, nos últimos dias, deixou claro que é a favor do fim da paralisação. O ator Alexandre Frota, do partido de Bolsonaro, é presença constante em reuniões com os caminhoneiros da rodovia Régis Bittencourt, em São Paulo. Um áudio da militante Carla Zambelli, também do PSL, foi compartilhado nos grupos de caminhoneiros.
Qual é o apoio da população?
Uma pesquisa da Ideia BigData, feita no último fim de semana, mostra que a maioria da população (55%) desaprova a paralisação dos caminhoneiros. Por outro lado, as ações do governo Michel Temer para tentar dar fim à greve são desaprovadas por 95% dos entrevistados. A pesquisa ouviu 2.004 pessoas por telefone e mostra ainda forte rejeição (66%) à política de preços da Petrobras.
O Ideia BigData perguntou aos entrevistados se eles aprovam o subsídio ao preço do diesel. Para 58% dos entrevistados, o subsídio deveria ser aplicado; 42% desaprovam a medida. Das 0h de domingo às 15h de sexta-feira, a greve dos caminhoneiros alcançou 3,4 milhões de menções no Twitter, segundo pesquisa da Diretoria de Análise de Políticas Públicas (DAPP) da Fundação Getulio Vargas. Todos os principais núcleos de debate, da direita à esquerda, consideram válidas as queixas dos grevistas e pouco reclamam sobre os efeitos colaterais.
Apesar de o impacto da greve ser maior nos centros urbanos, nas redes sociais ela tem recebido apoio, como mostrou levantamento do Torabit, revelado pelo colunista do GLOBO Lauro Jardim. Após analisar mais de 130 mil comentários, a plataforma de monitoramento digital concluiu que 53% deles eram favoráveis aos protestos.
Em quanto tempo a situação voltará ao normal?
O tempo varia de acordo com a atividade. Na distribuição de combustível, a expectativa é que os postos de gasolina voltem a funcionar normalmente até o fim de semana no Rio de Janeiro e após dez dias no restante do país. Já o abastecimento de carnes, aves e suínos pode demorar até dois meses a ser normalizado. Verduras, legumes e frutas, com tempo de colheita menor, devem voltar logo às prateleiras, assim que as estradas sejam totalmente desbloqueadas. As escolas e universidades devem voltar ao normal na próxima segunda-feira. A frota total de ônibus, que tem prioridade no abastecimento, deve voltar a circular normalmente até o fim da semana, assim como os voos.
Há quantos bloqueios ainda?
Segundo a Polícia Rodoviária Federal, manifestantes ainda estão bloqueando as pistas da BR-070, na divisa entre o Distrito Federal e Goiás. Também foram bloqueadas duas outras rodovias, uma em Minas Gerais e outra no Ceará. As pistas estariam totalmente bloqueadas. A polícia contabiliza ainda que os pontos de concentração de motoristas de caminhão em postos de gasolina ao longo das estradas do país subiram, nas últimas 24 horas, de 594 para 616. Caminhoneiros dispostos a voltar ao trabalho relataram ontem que sofreram ameaças e agressões. O testemunho foi confirmado por entidades do setor.
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Redação iBahia
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