O presidente eleito, Jair Bolsonaro ( PSL ), deve ter problemas na Justiça caso consiga aprovar no Congresso algumas das suas principais promessas. O GLOBO selecionou sete propostas, expostas em seu plano de governo ou em entrevistas, e pediu a opinião sobre elas para quatro especialistas em Direito Constitucional . Eles consideram que a chance é alta de três delas serem questionadas no Supremo Tribunal Federal (STF). Sobre as outras quatro, há uma divisão: alguns as consideram inconstitucionais, outros defendem que cabe ao Congresso, e não ao STF, decidir.
Uma das principais propostas de Bolsonaro é a ampliação do chamado “excludente de ilicitude” para policiais militares que matarem alguém durante confrontos. O candidato quer que seja aplicado automaticamente o princípio da legítima defesa, sem a investigação das ocorrências. A subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, coordenadora da Câmara Criminal, afirmou ao GLOBO que a medida será questionada se for aprovada. Os quatro especialistas ouvidos pela reportagem consideram o projeto inconstitucional.
— O excludente de ilicitude existe no Código Penal, como legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal. Isso já é contemplado. É difícil compreender uma proposta que vá além disso. Se a proposta for de não haver nenhuma investigação do excludente, se for para evitar que Ministério Público e outros órgãos possam aferir e verificar o caso concreto, aí há sim inconstitucionalidade — opina Gustavo Binenbojm, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Outras propostas com chances altas de serem questionadas são os planos de acabar com a progressão de penas de condenados — tema que já foi discutido pelo STF — e de não fazer nenhuma demarcação de terra indígena — determinação estabelecida expressamente pela Constituição.Alguns pontos dividiram os especialistas. É o caso, por exemplo, da redução da maioridade penal: alguns consideram que isso infringiria uma cláusula pétrea — ou seja, que não pode ser alterada — da Constituição, mas isso não é um consenso.
— Fere uma cláusula pétrea, sim, da proteção da criança e do adolescente, que é um direito fundamental. Mas é uma questão delicada, não é uma inconstitucionalidade tão chapada — afirma Daniel Sarmento, também da Uerj.
Também há dúvidas em relação à ideia de tipificar como terrorismo as invasões de propriedades rurais e urbanas, já que poderia levar a uma punição desproporcional.
— Pode ser considerado inconstitucional, porque a Constituição trata da proporcionalidade dos atos delitivos. As invasões causam um tipo de transtorno que pode não ter a ver com terrorismo. O legislador não pode usar a legislação sem levar em conta a noção de simetria — ressalta Oscar Vilhena, professor da Faculdade de Direito da FGV de São Paulo.
— A conceituação do que é terrorismo é muito complicada, mesmo no direito internacional. Querer dar uma amplitude que não existe em lugar nenhum ao ato terrorista é punir de maneira indiscriminada — diz Mamede Said, da UnB.
Confira detalhes sobre as sete propostas:
Excludente de ilicitude para policiais militares
O que é: Bolsonaro quer que toda vez que um policial militar mate alguém em combate seja aplicado automaticamente o princípio da legítima defesa, sem a investigação das ocorrências
Como fazer: O presidenciável e seu filho Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) apresentaram na Câmara três projetos de lei que tratam do tema.
Consequências: A PGR já adiantou que deve questionar a medida, caso ela seja aprovada. Especialistas consideram o projeto inconstitucional, por dar carta branca a policiais e violar o direito à vida.
Reformular o Estatuto do Desarmamento
O que é: Em seu plano de governo, Bolsonaro defende a reformulação do Estatuto do Desarmamento, mas não entra em detalhes. Em entrevistas, defendeu a flexibilização das regras de posse e porte das armas
Como fazer: Diversos projetos de lei com esse objetivo tramitam no Congresso. Há uma articulação para votar um deles após as eleições, antes da posse de Bolsonaro
Consequências: Especialistas consideram que a constitucionalidade da medida pode ser discutida, mas consideram que as chances do assunto chegar ao STF são baixas
Reduzir a maioridade penal
O que é: Em seu programa de governo, Bolsonaro defende reduzir a maioridade penal para 16 anos. Durante a campanha, ele admitiu reduzir inicialmente para 17 anos.
Como fazer: Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que diminui a maioridade penal para 16 anos foi aprovada na Câmara dos Deputado em 2015, mas não foi analisada pelo Senado
Consequências: Especialistas divergem sobre se a proteção a crianças e adolescentes se trata de uma cláusula pétrea da Constituição, ou seja, que não pode ser alterada
Acabar com a progressão de penas e as saídas temporárias
O que é: Em seu plano de governo, Bolsonaro defende acabar com a progressão pena e com as saídas temporárias porque é preciso “prender e deixar preso”.
Como fazer: É possível fazer essas alterações por meio de um projeto de lei
Consequências: Em 2006, o STF considerou inconstitucional uma lei que proibia a progressão de pena nos crimes hediondos. Especialistas consideram que a medida violaria a individualização da pena do indivíduo. Sobre as saídas temporárias, a chance de questionamento é menor.
Tipificar como terrorismo as invasões de propriedades rurais e urbanas
O que é: Bolsonaro defendeu essa tipificação no seu plano de governo e em diversas entrevistas
Como fazer: A Lei Antiterrorismo foi sancionada em 2016, com um trecho que determina que participantes de movimento sociais não se enquadram na tipificação do crime. É possível alterá-la.
Consequências: Especialistas consideram que são grandes as chances de medida ser questionada, por ser desproporcional e pela possibilidade de restringir o direito à manifestação
Retirar da Constituição a regra que determina a desapropriação de propriedades onde há trabalho escravo
O que é: Em seu plano de governo, Bolsonaro afirma que vai “retirar da Constituição qualquer relativização da propriedade privada”, e cita a Emenda Constitucional 81, que estabeleceu a desapropriação de propriedas rurais e urbanas onde for encontrado trabalho escravo.
Como fazer: Como se trata de uma Emenda Constitucional, para alterá-la é preciso outra PEC.
Consequências: Especialistas divergem: como se trata de uma emenda, alguns defendem que é possível alterá-la por outra PEC. Outros consideram, contudo, que essa alteração poderia ser inconstitucional por configurar incentivo ao trabalho escravo
Não fazer nenhuma demarcação de terra para indígenas
O que é: Bolsonaro afirmou que, se eleito, “não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou pra quilombola"
Como fazer: O presidente é responsável por homologar as demarcações. Por isso, pode decidir paralisar os processo ou negá-los
Consequências: A maioria dos especialistas considera que essa medida seria inconstitucional, já que a Constituição determina a demarcação das terras e determina que a União é responsável por isso.
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Redação iBahia
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