A crise apertou ainda mais e ela acabou perdendo também esses freelancers. "Os clientes começaram a não ter mais dinheiro e passaram a não chamar mais para fazer traduções". "Achei que seria um problema comigo e fui atrás pra ver com outros profissionais. Percebi que o mercado não estava mais dando certo. Se estava difícil antes, ficou pior ainda", conta ela.
Novos rumos
Depois de quatro meses desempregada, Beatriz viu surgir a oportunidade de trabalhar como balconista na loja de uma amiga. "A gente sempre fica pensando que vai melhorar e nunca melhorava. Isso já estava me fazendo muito mal. Daí, uma amiga veio me pedir ajuda para encontrar alguma atendente para a loja de doces dela e veio a ideia de eu mesma me oferecer. Eu sei lidar com as pessoas, conheço e confio nos produtos dela, poderia ser uma alternativa. Ela gostou da ideia", explicou ao G1 Santos. A jovem começou a trabalhar na loja de doces quatro vezes por semana e continuou dando aulas de inglês particulares. Depois de começar o novo trabalho, Beatriz refletiu sobre a mudança na carreira e percebeu que era preconceituosa, assim como muitas pessoas que enxergavam certas funções com um "ar de superioridade".
'Me descobri preconceituosa'
Incomodada com a própria maneira de enxergar as coisas, a jovem fez um relato sincero sobre como se adaptar com a falta de trabalho em sua área e como aproveitar as mudanças que a crise econômica pode trazer, vendo isso como uma chance de adaptação, crescimento e evolução pessoal.
O texto foi publicado no Facebook e está fazendo sucesso em todo o país. Em apenas três dias, a publicação teve mais de 33 mil compartilhamentos e 200 mil curtidas. "Eu sempre fiz esses textos e foi só mais um, mas meus amigos gostaram e passaram a compartilhar. Daí tomou essa proporção. Eu resolvi deixar o depoimento público". "Eu acho que muita gente se identificou, justamente pelo momento que o país está passando e pela frase 'me senti preconceituosa'. É difícil para as pessoas fazerem essa análise. Eu tenho recebido muitas mensagens agradecendo por compartilhar a minha história", disse ao G1. Confira o depoimento de Beatriz Franco, na íntegra:
“Me descobri preconceituosa. Eu, que defendo tanto a igualdade de gêneros, de cor, de religião, que tenho amigos gays, nordestinos, evangélicos, jovens, velhos, com dinheiro e sem, até coxinhas e petralhas! Vários tipos de rótulos. Explico: Nos últimos meses, minha área de trabalho – como muitas – está muito ruim. Em quatro meses não consegui quase nada. Então, depois de meses me enterrando num sofá perdendo tempo, vida e dinheiro, surgiu a oportunidade de ajudar uma amiga atendendo clientes em sua loja de doces. Quatro vezes por semana, período da tarde, remunerado.
Uma boa forma de ocupar a cabeça, sair de casa e ter algum dinheiro. Foi aí que veio o primeiro julgamento: Eu, balconista? Jornalista, três idiomas, currículo em comunicação, trabalhando de touquinha na cabeça servindo os outros? Foi difícil tomar essa decisão, mas aceitei, estou precisando. Dias depois, a cena durante a tarde, limpando uma das mesas, ouvi dois clientes conversando: “Coloco acento em ‘tem’? Mudou com a nova ortografia?” “Não sei. Não entendo.” E eu ali me remoendo pra dizer “eu sei, eu sei!!!”. Mas, eu era só uma atendente e eles não iriam acreditar que eu sabia. Depois a barreira seguinte: conhecidos e colegas antigos entrarem na loja e me verem nessa função. “O que eles vão pensar? Eles não sabem como cheguei até aqui, que a dona é minha amiga, vão pensar que não dei certo na vida.”
Dá pra entender como isso é errado??? Era com essa inferioridade que eu via os outros atendentes, balconistas e nunca tinha percebido! Sentia vergonha por estar em um trabalho honesto, justo, que traz alegria para as pessoas, que auxilia os outros? Eu deveria é ter vergonha de mim por pensar assim, por tanta falta de humildade e empatia.
Por um preconceito idiota eu ia perder a chance de conhecer tanta gente nova como nas últimas três semanas, de ouvir tantas histórias de vida como sempre gostei de fazer, de aprender um novo trabalho, de ajudar uma amiga, de ter dinheiro pra comprar uma nova bicicleta, pra ir no casamento de uma amiga em outra cidade, de viver! Em tão pouco tempo, esse trabalho que eu achava tão inferior já me ajudou a estar mais feliz, disposta, a ter novas ideias, entender como uma pequena empresa funciona, a buscar cursos para aprender mais.
Como dizia meu avô: A vida não é como a gente quer, é como ela se apresenta! Então, estou aqui aceitando com muito amor e gratidão o que me foi apresentado. Aceitando novas formas de crescer e evoluir com, por enquanto, um preconceito a menos. Hoje, estou aqui, jornalista, tradutora, professora de idiomas, aprendiz de gestora e sim, atendente de um ateliê de doces. E o que mais precisar, a gente aprende a fazer também! E, modéstia à parte, eu tbm fico linda de touquinha!
Esse textão é pra tirar de uma vez essa vergonha de mim, para agradecer pela confiança e apoio dos queridos amigos Veronica, Bruno e Felipe, pelo empurrão dos meus pais Edna e Orlando e, talvez, se não for me achar muito, ajudar alguém a fazer a mesma reflexão e dar um passo à frente se for o momento”.
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Redação iBahia
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