Existe um velho ditado que diz: 'baiano não nasce, estreia'. Então, imagine estrear pela segunda vez um filme no maior festival de cinema do mundo. É o que aconteceu com o baiano Eduardo Tosta, que viu o sonho se transformar em realidade, ao ter um curta-metragem selecionado para estar no Festival de Cannes, na França.
Não sei se consigo expressar a sensação em palavras, é muita emoção e euforia Eduardo Tosta, cineasta
Aos 24 anos, o jovem cineasta vai representar a Bahia na Europa com "Camaleoa", filme de terror que mergulha no medo do amadurecimento e das incertezas. Em parceria com Isadora Mesquita, protagonista e co-roteirista do curta, Eduardo explorou as próprias angústias durante o processo de criação do projeto.
Leia também:
No filme, Salma (Isadora Mesquita) está completando 22 anos em meio a uma mudança de casa, e ao revisitar o passado junto com a irmã, se vê de frente com as próprias inseguranças ao perceberem que não estão sozinhas.
"Um filme de terror que fala sobre o medo do amadurecimento, da incerteza de quem somos e da imprevisibilidade do que estamos destinados a ser, o que o mundo espera da gente, e tudo isso através das lentes do gênero. Eu sempre quis fazer um filme que eu conseguisse explorar os meus medos", explica sobre a concepção do projeto.
Todo o trabalho de criação de "Camaleoa" foi concebido durante o isolamento, com reuniões ocorrendo de forma online. O diretor contou ao iBahia que por causa disso a equipe se encontrou apenas no primeiro dia das gravações.
"Foi muito curioso observar os desdobramentos durante a pré-produção de "Camaleoa", porque foi um projeto todo concebido durante o confinamento. É um desafio enorme quando se pensa que a equipe inteira só teve contato presencial no dia das gravações. Foi um momento especial", refletiu.
“Camaleoa” foi aceito na mostra “Short Film Corner”, reservada para os curta metragens, e será exibido, pela primeira vez, no dia 24 de maio durante o Festival. Tanto Eduardo quanto Isadora estarão presentes, na França, para acompanhar a estreia. Para o cineasta, essa oportunidade traz visibilidade para o cinema baiano independente.
"É uma honra imensa trazer essa visibilidade para encorajar cada vez mais a nossa produção local. Desde pequeno eu passava madrugadas acompanhando temporadas de premiações. E parece que há um distanciamento muito grande entre os artistas da TV e você, como um sonho distante. [...] Me sinto imensamente feliz e honrado de poder presenciar o maior festival de cinema do mundo. Eu quero aproveitar esse momento para conseguir aprender, ouvir e assistir o máximo de coisas possíveis", conta sobre as expectativas de participar do evento.
Cinema independente e coletivo
Mas para chegar até Cannes o caminho foi longo - e muito longe do finesse da França e dos tapetes vermelhos de festivais internacionais.
O cinema começou na vida de Eduardo com inspirações que vem 'do lado', e de dentro. Das narrativas que criava com os próprios brinquedos quando era criança, das animações que assistia na TV, das histórias contadas pela avó.
"Quando eu era pequeno, eu criava narrativas com os meus bonecos, assistia inúmeras animações e sempre fui curioso por ouvir histórias da minha vó e misturar com as minhas. Não imaginava que um dia eu pudesse realizar filmes porque não se dá a possibilidade de fazer audiovisual nas escolas", destaca.
O ponto de virada, no entanto, veio quando o jovem migrou de Arquitetura para o Interdisciplinar em Artes, com a pretensão de estar atrás das câmeras. Foi nesse processo que passou a entender a própria carreira com outros olhos, em seu sentido mais independente e coletivo.
A gente foi induzido a pensar o cinema enquanto um processo hollywoodiano. Quando a gente começa a refletir que o distanciamento da produção que a gente assiste na TV e o curta-metragem do seu colega de classe é uma questão mercadológica, as coisas começam a mudar Eduardo Tosta
E "Camaleoa" carrega essa identidade, feito inteiramente por uma equipe de profissionais do audiovisual baiano, que escolheram partilhar do projeto feito com recursos próprios. Para Eduardo e os que o acompanham, o reconhecimento no festival não só valida, como também coloca em plano central o cinema coletivo e independente que é desenvolvido por todo o país.
"Trazer visibilidade para o que estamos fazendo aqui em Salvador/Bahia é uma missão, porque o espírito de coletividade é algo que é palpável aqui. E o fazer cinema sempre será coletivo", avalia.
Sobre esse processo, Eduardo Tosta pondera as dificuldades em se manter na indústria, além do desgaste emocional com o "sucateamento dos artistas", mas não deixa de destacar o poder cultural nacional.
"Eu vejo uma cena cultural muito poderosa, com muitas pessoas talentosas atuando no cinema baiano. A falta de recurso envolvido é uma barreira porque acaba reforçando a ideia de que o artístico não é uma profissão. Se manter firme na indústria de cinema é realmente desafiador, tenho aprendido isso todos os dias. [...] A gente precisa se alimentar disso para justamente não desistir. Temos um poder cultural inesgotável, mentes diversas e que trazem esse requinte para a cena do audiovisual baiano", afirma.
'Ao infinito e além'
Apesar do frio na barriga para a estreia do filme, Eduardo Tosta já passou por uma experiência semelhante, no mesmo festival. Esta é a segunda vez que um projeto do jovem cineasta baiano é escolhido para estar em Cannes. A primeira ocorreu em 2021, com o também curta-metragem "Maratonista de Quarentena".
Feito em 48 horas, sem nenhum recurso, apenas a criatividade de dois baianos - Tosta e Karol Azevedo - somados com o ócio da pandemia, eles transformaram uma ideia em um sucesso, que conquistou espaço em festivais nacionais e internacionais. E foi a partir da força conquistada com esse trabalho, que continuou investindo em si mesmo.
"Eu acho que o momento de confinamento gerou inúmeras reflexões pra mim enquanto uma mente em constante movimento e criação. Essas reflexões nem sempre foram pacíficas, mas elas me trouxeram onde eu estou", reflete.
Agora, com um currículo que inclui dois filmes em Cannes, animações como "As Aventuras de Fiu e Biu", websérie "Queerbrada" sobre a cena artística LGBTQIAP+ de Salvador, além de outros projetos, Tosta tomou a decisão de abrir a própria produtora, cujo o nome é o mesmo do seu atual filme. E, assim como o camaleão, projeta seu futuro de forma adaptável, plural e artística.
"Eu penso que plantio e colheitas acontecem constantemente e em paralelo. É o que eu quero continuar fazendo: me dedicando aos meus projetos, trabalhando muito e aproveitando momentos para trocar experiências e conexões com pessoas", finaliza.
Veja o trailer internacional de "Camaleoa" abaixo:
Nathália Amorim
Nathália Amorim
Participe do canal
no Whatsapp e receba notícias em primeira mão!