Fruto de um excepcional trabalho documental realizado por Daniel H. Birman, “Clemência” mostra com riqueza de detalhes o julgamento de Cyntoia Brown, condenada à prisão perpétua por assassinato. Simples à primeira vista, o caso ganha contornos dramáticos quando são apresentadas as reais condições nas quais o crime aconteceu, expõe o questionável processo de punição de jovens em parte dos Estados Unidos e mostra como a percepção da sociedade em relação a alguns temas mudou na última década.
Julgada como adulta aos 16 anos, Cyntoia foi sentenciada à prisão perpétua após o júri entender que a jovem transgressora, prostituta e usuária de drogas, teria assassinado friamente o cliente apenas para roubá-lo. A defesa tentou acrescentar à história elementos que poderiam pesar a favor de uma pena mais branda, mas a tentativa foi em vão.
O documentário mostra que a história por trás da saga que levou Cyntoia à cadeia era muito mais complexa. Vinda de uma família com histórico de doenças mentais há, no mínimo, três gerações, a jovem foi gerada por uma mãe que fazia uso excessivo e diário de bebida alcoólica durante a gravidez, o que resultou em sérios problemas de ordem psiquiátrica. Além disso, Cyntoia havia sido abusada sexualmente repetidas vezes quando criança e à época era forçada pelo atual parceiro a se prostitutir.
A intenção dos defensores não era absolver a jovem, afinal ela tinha cometido o crime e deveria pagar por isso. O trabalho era para que o complicado histórico da ré fosse levado em consideração na fixação da pena. Em 2004, esse não foi o entendimento dos jurados e Cyntoia ficou 15 anos presa até o governador do Tennessee, em 2019, atender o seu pedido de clemência.
Feito com um robusto material catalogado ao longo de mais de uma década, o documentário não só expõe o interessante desenrolar do julgamento, mas se propõe a refletir como a sociedade mudou nos últimos tempos. Será que hoje uma jovem com esse histórico seria julgada da mesma forma? Independentemente da resposta, “Clemência” é um trabalho que merece ser visto tanto pela qualidade do material produzido quanto pelas reflexões que provoca.
Heyder Mustafá é jornalista e produtor cultural formado pela UFBA, editor de conteúdo da GFM e Bahia FM, apresentador do Fala Bahia e apaixonado por cinema, literatura e viagens.
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