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Poder sem Limites, filme de estreia de Josh Trank, surgiu inesperadamente em 2012 na epítome do subgênero de obras baseadas em HQs de super-heróis. Naquele mesmo ano estreavam as pornografias-geek Os Vingadores e O Cavaleiro das Trevas Ressurge, demonstrando o quão a indústria Hollywoodiana estava imersa nesse mundo. Aproveitando o crescente interesse dos estúdios em seres com poderes espetaculares, o debutante Trank ao lado do roteirista Max Landis criou um longa de engenhosa simplicidade ao registrar três garotos comuns de colegial que adquirem habilidades telecinéticas e terminam conseguindo até mesmo voar, ao mesmo tempo em que lidam com dramas domésticos, comportamentais e os diversos conflitos por quais passam garotos dessa idade. Além do diferencial técnico (o filme era quase inteiramente filmado pelos próprios personagens) um elemento chamou a atenção: o fato de estarmos testemunhando uma história que buscava retratar algo verdadeiramente humano. Ainda que não fosse impecável, Poder Sem Limites foi um sucesso de crítica e bilheteria rendendo polêmicas, uma provocatica ideia de sequência reprovada pelo estúdio excessivamente cauteloso e o nome de seu diretor como alguém a ser observado, além de nome perfeito para revitalizar uma das equipes mais famosas da história dos quadrinhos. Três anos se passaram. Os filmes baseados em HQs não só tornaram-se regra, mas demonstram a cada novo exemplar sinais de desgaste e vícios de uma indústria presa nos próprios erros, fazendo com que o Quarteto Fantástico de Josh Trank surja numa encruzilhada: de um lado os filmes da Marvel/Disney de fórmulas prontas que não só não surpreendem mais como causam apenas sorrisos amarelos; e do outro, os ainda duvidosos longas da DC/Warner que prometem algo um pouco mais sujo na escola Christopher Nolan de decadência urbana. Nem mesmo os “amigos próximos” X-Men/Wolverine do mesmo estúdio podem servir como parâmetro para descrever a estranha tentativa de revitalizar os quatro personagens tão caros aos fãs de HQs, e a ideia de criar um crossover entre as duas equipes chega a ser bizarra após assistir ao novo filme. A verdade é que o Quarteto Fantástico de 2015 pega o caminho difícil para tudo e todos, com a ingrata tarefa de limpar o paladar do público ainda aborrecido pelas três horrendas adaptações anteriores da equipe para o cinema. Enquanto as lágrimas de fanboys formarão oceanos de queixas inúteis ao ver a mitologia de sua equipe amada e arqui-inimigo serem alteradas sem pena, o público que desconhece o quarteto terá de enfrentar um filme sóbrio, sem muito espaço para distrações e que não força humor cretino à la Disney, achando tempo até mesmo para referenciar Portishead. Se boas intenções contassem pontos esse filme seria um clássico instantâneo. A trama começa na infância de Reed Richards e Ben Grimm, colegas de escola que crescem como melhores amigos, tendo isso desenvolvido num clima surpreendentemente Spielbergiano. Richards é o nerdzinho que faz experimentos quânticos em sua garagem, Grimm é o moleque do bairro que arruma confusão facilmente. Sete anos se passam e numa feira de ciências do colégio são descobertos por Sue e Franklin Storm, interessados no experimento apresentado por Richards que resolveria os problemas que pai e filha enfrentam nas suas experiências de dimensões paralelas na Indústria Baxter. A partir daí temos a subsequente junção de Johnny Storm e e Victor von Doom à equipe do projeto que visa explorar o Planeta 0 e que será responsável por dar aos jovens personagens seus poderes. Relevando o problema básico de testemunhar atores na casa dos trinta anos de idade interpretando adolescentes, é questionável o fato de ser realmente essencial que eles tenham essa faixa etária. A necessidade de revitalizar a equipe é compreensível, mas o fato de torná-los pessoas que nem ou mal chegaram aos 18 anos não é defensável além de uma suposta decisão imatura de Richards que será responsável pelo seu destino e de seus colegas. O filme prossegue muito bem durante sua primeira hora, tendo como único problema o péssimo desenvolvimento de Ben Grimm e sua inserção no contexto do experimento interdimensional. Admiravelmente, Trank tenta ao máximo fazer algo contido e claustrofóbico, tendo até mesmo nas cenas de exterior um clima de sobriedade ou degradação opressiva sem muitos paralelos em filmes baseados em quadrinhos. O ponto de virada, quando os personagens principais passam por suas transformações físicas e adquirem seus poderes, é magistral ao assumir-se como algo aterrorizante e realmente perturbador, tendo a prévia referência do diretor a algo Cronenbergiano não soando como palavras vazias. A sequência em questão é algo pelo qual o filme será lembrado justamente pela coragem em fugir do lugar-comum do deslumbre no qual humanos que tornam-se extraordinários encantam-se com suas novas habilidades. Infelizmente, o filme não tem tempo de desenvolver com paciência os conflitos advindos dessas transformações. Com a curtíssima duração de 100 minutos para desenvolver quatro personagens principais, coadjuvantes e um vilão, a missão dos realizadores é quase impossível. Ainda que isso seja um problema há de se admirar um filme que passa boa parte da projeção mais preocupado com os dilemas dos seus personagens do que em forçar cenas de ação e vilanices restritas a convenções do gênero. Tal escolha causará estranheza e tédio em muitos espectadores desesperados por entretenimento pipoca. Outro problema lamentável surge na meia-hora final, no qual tudo é corrido e é possível perceber as mãos do estúdio manipulando o filme. A cena de ação final apressada e a forma como o quarteto utiliza seus poderes parecem fazer parte de outro filme, mas tem seus momentos de acerto, apesar da ciência furada, dos discursos óbvios e diálogos expositivos preguiçosos de sempre. De resto, Quarteto Fantástico tem sua maior qualidade num elenco muito bem escolhido. Miles Teller (Whiplash) como Reed Richards é o retrato do nerd responsável que mal sabe lidar com sua suposta liderança, enquanto Kate Mara (Transcendence: A Revolução) é a mais centrada do grupo vivendo uma Sue Storm brilhante que nunca sente-se à vontade com seus poderes. Michael B. Jordan usa seu já conhecido carisma no papel mais descontraído do filme e rendendo vários alívios cômicos. Jamie Bell (Ninfomaníaca) mal tem tempo de ser Ben Grimm antes de tornar-se O Coisa, mas sua entrega vocal demonstra a vunerabilidade ideal para o ser trágico que se torna. Toby Kebbell (Planeta dos Macacos: O Confronto) faz o possível como Victor von Doom, arrogante e sombrio. Entre os mais velhos, qualquer filme que use Tim Blake Nelson como vilão merece parabéns, e Reg E. Cathey (Lights Out) como Franklin Storm serve como personagem central do filme, unindo todos e dando um ar de responsabilidade que chega a elevar algumas cenas. O saldo final de Quarteto Fantástico é positivo. Muitas de suas qualidades serão ignoradas, mas elas também rendem algo raro: um filme de super-heróis com o mínimo de personalidade. Mesmo não conseguindo manter a qualidade até seus minutos finais e sabotado pela curta duração, uma das principais equipes das HQs de todos os tempos conseguiu ser ressuscitado no cinema de forma digna. Com uma possível continuação de roteiro mais uniforme e uma produção menos conturbada podemos ter uma franquia promissora a caminho.