Nesses tempos de quarentena, que tal um filme Netflix sobre isolamento social? Em Ninguém sabe que estou aqui, primeira produção original chilena adquirida pelo serviço de streaming, um ex-cantor mirim vive, já adulto, com o tio em uma pequena ilha afastada do restante da humanidade. Não por conta de uma crise sanitária, mas de outra doença do século: a solidão depressiva de quem é vítima de julgamentos sociais distorcidos, preconceitos e visões estereotipadas de mundo.
O filme trata dos conflitos pessoas e interpessoais de Memo, dono de uma voz preciosa que fracassou por não se encaixar, segundo o mainstream, no perfil ideal para gerar uma empatia com o público – ele não era considerado bonito. Então, com o respaldo do pai, a voz de Memo é “cedida” a outro garoto, este sim uma estrela em ascensão por conta do carisma e boa aparência. A partir daí, e sempre sob a perspectiva de Memo, é que a trama se desenrola, misturando presente e passado, fantasia e realidade.
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Com um argumento aparentemente simples, trata-se de uma história contada com ousadia por um trio de roteiristas e pelo diretor estreante Gaspar Antillo, que usa diversos artifícios narrativos e estéticos para fugir da obviedade e da pieguice, a exemplo da não linearidade e da variação, algumas vezes arriscada, por provocar um certo desconforto e descompasso, nos tipos de cortes (transições) entre as cenas.
O mérito é que nada no filme é entregue fácil ao espectador. Nada é revelado com antecedência para gerar um clímax final que provoca na audiência um misto de reações que vão do êxtase à decepção, sensações comuns entre a utopia e a distopia do protagonista.
O silêncio ensurdecedor de Memo, que se calou após ter o talento dramaticamente tolhido, é outra característica que torna a história cativante. Não há um diálogo digno de nota, mas o filme contém pausas dramáticas que dizem tudo na construção do personagem e na condução da experiência cinematográfica.
O ponto de virada de Ninguém sabe que estou aqui acontece quando Memo, interpretado pelo comediante cubano Jorge Garcia (figura conhecida principalmente pela participação em Lost), se apaixona e tenta romper timidamente o silêncio ao qual se sentenciou. Paga o preço por se tornar vítima dos holofotes de uma sociedade, e de uma mídia, que julga facilmente pelas aparências, sem se preocupar com motivações ou consequências.
*Alexandre Reis é Jornalista (Instagram: @areisjornalista)
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Redação iBahia
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