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Vai ao cinema? Confira crítica do filme "Os 8 Odiados"

Depois do final da Guerra Civil Americana, uma diligência desloca-se pela paisagem invernal do Wyoming

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13/01/2016 às 23:30 • Atualizada em 27/08/2022 às 10:45 - há XX semanas
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Cinemáticos Redação Cinemáticos
Em um momento de extrema lucidez crítica de Django Livre, um senhor escravocrata diz para sua servente que Django, o negro livre vivido por Jamie Foxx, não deve ser tratado como um “crioulo” qualquer. A escrava então indaga, confusa: “Então devo tratá-lo como trato o senhor”. “Não… Não é bem assim”. Esse diálogo resume bem essa fase histórica do cinema de Quentin Tarantino, onde os filmes de época são meras analogias alegóricas para se discutir a política do mundo atual. Em Os Oito Odiados, o diretor e roteirista enclausula um grupo de conduta moral e ética absolutamente distorcida para retratar a absurda lógica dos Estados Unidos dos dias de hoje. Ostentando uma fotografia grandiosa como a dos Westerns da década de cinquenta, o filme é introduzido com planos de ambientação da grande nevasca em Wyoming filmados em Panavision 70mm para enfatizar ainda mais sua cinefilia e traduzir em imagens a imensidão de suas locações externas. A imensidão branca da neve, a principal protagonista do longa, força motriz das trágicas consequências subsequentes, é inversamente proporcional ao que será visto em suas horas finais. A escolha do Armarino de Minnie, um ambiente pequeno e fechado para desenvolver sua narrativa, traz à memória Cães de Aluguel, o primogênito do diretor, ao mesmo tempo em que põe em risco a atenção de um público cada vez mais ávido por cortes e menos paciente com propostas pautadas em diálogos.
E não é por acaso que, em determinado momento, Oswaldo, o carrasco inglês e sofisticado, percebendo as divergências ideológicas entre seus colegas, decide dividir o Armarinho de Minnie em dois lados: Um representando o sul estadunidense, a lareira onde o fogo pulsa, preenchendo e iluminando os planos que exaltam os discursos de ódio e racismo dos sulistas (ou seriam os republicanos?), e, o lado que representa o norte, um bar imperialista que remete à célebre frase de Mike Myers em Bastardos Inglórios: “O Bar está no Globo”. O pós Guerra Civil é tão latente neste momento quanto está nos dias de hoje, refletindo uma sociedade que pouco evoluiu no lado cívico. Mais uma vez, Tarantino ri de uma sociedade que acredita, ingenuamente, que de fato é civilizada.Os Oito Odiados também possui naquele que é considerado o grande mérito de Quentin Tarantino como um autor completo, seu maior defeito. Em seu detalhismo na construção dos personagens, pode-se observar que a objetividade é perdida logo em seu primeiro ato, e, mesmo que este adjetivo não seja muito comum na obra do diretor, o mesmo se aplica à prolixidade.Dois momentos gritam um pouco mais que os outros em tela e se revelam apagáveis e de pouca serventia narrativa. A história contada pelo Major Warren sobre sua fuga de uma prisão sulista reafirma características já conhecidas pelo público no momento de sua revelação e tão pouco é resgatada posteriormente para ser acrescentar ao desenvolvimento da trama, enquanto seu penúltimo capítulo, uma longa cena que explica os acontecimentos que precedem o início do filme, apesar de se apresentar de maneira divertida e curiosa, é apenas um exercício fútil e fetichista por parte do diretor.
Em um filme que tem como maior mérito suas atuações e seus diálogos, destaco novamente a construção de Samuel L. Jackson como um caçador de recompensas negro que se desdobra para conseguir um nível aceitável de respeito por parte de seus colegas brancos através de um estilo intimidador, e a incrível Jennifer Jason Leigh interpretando uma divertida caricatura de uma caipira “white trash” (em tradução literal, “lixo branco”). Ambos os atores conseguem dar nuances vigorosas aos seus monólogos deliciosamente extensos (outro fetiche do diretor, que aqui se encaixa como uma luva).Jackson protagoniza aqui a cena mais marcante do longa, um momento irônico em que se inicia uma possibilidade de paz entre o Major nortista e o General Confederado de Bruce Dern, dando lugar a um duelo provocativo onde a construção do suspense criado entre a tríade da fala, decupagem e trilha é mais importante do que uma possível surpresa final. Crueldade e comédia se confundem na montagem paralela criada entre o tempo presente e o conto diabólico tecido pelo caçador. Já Leigh, a prisioneira Daisy, a única representante feminina desse grupo de oito, tem dois momentos bem definidos em sua trajetória. No primeiro, ela serve como uma peça. Um elemento a mais no jogo traçado entre Tarantino e seu público na busca pela analogia entre passado e presente. Enquanto John Ruth (Kurt Russel), o outro caçador de recompensa da jogada, é o representante do poder legal e politicamente correto, é o mesmo cara que protagoniza as gags propositalmente cômicas onde Russel constantemente espanca Daisy. E não é porque Tarantino ache graça na violência contra a mulher, mas seu riso vem da ironia de que, por mais avançada e civilizada nossa sociedade se promova, ela ainda possui erros primitivos como esse. Em seu segundo momento, a personagem vira o jogo, e independente de posicionamento político ou identificação com quais que forem os personagens ou times, a plateia vibra junto com a vilã que assume seu papel de liderança. Ponto não só para a condução de Tarantino, mas para uma interpretação capaz de abranger características tão distintas em uma mesma personagem. E é com essa perspicácia que Os Oito Odiados, mesmo não entrando na lista como um dos melhores filmes de Quentin Tarantino, com certeza pode ser incluído na dos mais divertidos. Com um alto nível de acidez e uma discreta trilha de Ennio Morricone que investe em um toque de suspense ao invés da catarse gloriosa típica, o filme surge como um comentário eficaz e niilista de uma sociedade falida. Seu último plano, uma antítese entre os discursos falado e visual, só enfatiza o fato de que essa sociedade vivida em uma eterna época pós Guerra Civil, está a anos-luz da evolução que ela considera já alcançada.

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