Chegou aos cinemas nesta quinta-feira, dia 26 de agosto, o longa “A Lenda de Candyman” com roteiro de ninguém menos que Jordan Peele, responsável por sucessos como “Corra!” (2017) e “Nós” (2019). Por conta disso, a expectativa do público e da crítica era alta e cheia de previsões de como seria esse novo projeto. Sob direção da novata Nia DaCosta, o filme tomou um formato bem interessante de thriller de terror com viés de questões raciais.
Em meio a lendas urbanas, “A Lenda de Candyman” nos apresenta o surgimento do mito do Candyman, um homem que aparece oferecendo doces a crianças e cometendo crimes em uma comunidade negra e humilde de Chicago, nos EUA, em 1977. Anos depois, aquele local onde existiam vários conjuntos habitacionais foi restaurado e agora abriga prédios caros e de classe média alta. O roteiro transporta o espectador para 2019, quando um jovem vai apresentar o novo namorado à sua irmã, Brianna. Eles são recepcionados por ela na nova casa, junto com o namorado da moça, Anthony. Em meio ao bate-papo, ele acaba revelando uma história misteriosa daquele bairro que hoje a irmã mora e que anos atrás foi palco de crimes terríveis. Esse conto anterior foi, inclusive, roteiro de “O Mistério de Candyman” (1992), que acabou virando um clássico cult à época. “A Lenda de Candyman” funciona como uma sequência espiritual, e não direta, deste anterior.
O filme não se demora a mostrar que tem muito mais camadas do que um simples filme de terror com um espírito assassino que assombra a todos. Seria simplista demais pensar que Peele iria propor esse tipo de projeto, uma vez que ele sempre insere questões raciais em seus roteiros. E assim é com este longa.
O que começa com uma história macabra contada em meio a um jantar, rapidamente se mostra algo muito mais complexo que exemplifica a ira que surge de um homem negro injustiçado por sua cor. A origem do Candyman e a maneira como ele se constrói é sempre relacionado ao quanto o negro é visto de maneira subalterna na sociedade.
Com um elenco principal composto por excelentes atores negros como Yahya Abdul-Mateen II (Os 7 de Chicago), Teyonah Parris (Se a Rua Beale Falasse) e Colman Domingo (A Voz Suprema do Blues), “A Lenda de Candyman” conta ainda com o roteirista cujo nome é o maior protagonismo negro no cinema atual, Jordan Peele, e uma ótima diretora, também negra, a Nia DaCosta. Neste ponto, entramos no lugar de fala que a equipe possui ao tratar de um tema denso como o racismo estrutural.
O filme propõe a desconstrução do mito do Candyman, mostrando que ele é figura criada com a reação dos oprimidos aos opressores, em contraposição às injustiças que vivenciam diariamente. Diversas vítimas são brancas e, em algum momento, algozes dos negros ao redor.
O clima do filme dá o tom à história proposta no roteiro de Peele. DaCosta consegue equilibrar a violência bruta com o choque e a curiosidade do espectador, que está a todo momento tentando entender os caminhos que a narrativa irá tomar. As analogias inseridas na trama são ainda mais ricas. As abelhas, que no contexto da Bíblia representam “justiça divina”, que surgem do Candyman já mostram desde o começo o que ele vai induzir nos desdobramentos a seguir.
Além disso, o “body horror” (horror corporal), que é uma estratégia de filmes de terror para criar a sensação de asco no espectador, associado à metáfora de que o racismo consome o negro de dentro para fora e o agride fisicamente.
“A Lenda de Candyman” é um filme de terror que vai muito além do susto ou do espírito matador comum. Analisando as diversas camadas, somos apresentados à um longa crítico e contundente sobre como o racismo estrutural e os comportamentos segregacionista adoecem a nossa sociedade como um todo. Mais um acerto do excelente Jordan Peele.
*Marcela Gelinski, editora do site Coisa de CinéfiloContra o trailer do longa