O espetáculo “Namíbia, Não!” nos apresenta as personagens Antônio e André, ambos advogados, primos, que moram juntos num pequeno apartamento, no Rio de Janeiro, num tempo sempre futuro: cinco anos a mais do ano em que vivemos.
Calculando para o agora, eles estão em 2027. Dois homens negros ou, como classifica o ator e autor Aldri Anunciação, dois homens de “melanina acentuada”, que a partir de uma ficção afrofuturista se vêem acuados, oprimidos e forçados a viver numa espécie de "prisão domiciliar"; pois uma medida provisória do governo brasileiro determina que todos os cidadãos identificados como de pele “melanina acentuada” sejam deportados e repatriados nos seus países africanos de origem, de maneira compulsória e arbitrária.
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A partir dessa constatação, os advogados se confinam, para não serem capturados e enviados, no caso deles, para Namíbia, único país africano onde se fala alemão.
Reconhecido com diversos prêmios locais e nacionais importantes, como o Prêmio Jabuti e o Prêmio Braskem de Teatro, o texto “Namíbia, Não!” foi adaptado recentemente para o cinema (também com a direção de Lázaro Ramos), sob o título de “Medida Provisória” - e atualmente está em exibição.
Falando do espetáculo, que agora comemora 10 anos, esse mote de uma medida governamental se baseia num argumento falacioso de reparação aos “parentes” dos povos africanos escravizados no Brasil; criando assim um drama-debate sobre uma série de assuntos relacionados às nossas matrizes, à nossa consciência de uma identidade africana e afrobrasileira, e refletindo assim sobre pertencimento, autoafirmação, desigualdade e racismo.
Embora se trate de temas sérios e urgentes, essa narrativa soube dosar e equacionar essas reflexões com humor, ironia e até mesmo com nuances de teatro do absurdo e realismo fantástico. A utilização da voz em off é um recurso que compõe personagens muito vivas e instigantes nessa dinâmica da cena. Através dela, se imprime um teor tragicômico que nos leva por outros planos, espaços e tempos dessa história. Nesse contexto, nem a apresentadora e jornalista Glória Maria escapa de ser deportada.
E aqui somos convocados a pensar no legado e na contribuição do povo negro para o país e de como a ausência e apagamento dessas pessoas poderiam impactar na cultura, na política, na ciência e na sociedade de um modo geral. Abrindo ainda uma discussão sobre a invisibilidade de artistas, inventores, criadores e pensadores negros que tranformaram o mundo.
Diante de tantas violências e crimes de injúria racial recorrentes em nosso cotidiano, a peça se torna uma obra contundente e de interlocução muito contemporânea. Muito sábia em retratar protagonistas negros em ascensão social - Antônio, por exemplo, estuda para ser diplomata.
Mesmo encurralados e confinados num cenário todo branco, que simboliza a opressão de uma sociedade racista, as personagens não se entregam facilmente. Resistem. Nesse diálogo tenso e intenso, denunciam as mazelas e consequências de uma abolição falsa, perversa e excludente. E é nessa perspectiva de um Brasil que até hoje tenta reparar quase quatro séculos de escravidão que somos provocados, principalmente, a pensar sobre as nossas origens e a construção da nossa identidade afrobrasileira.
SERVIÇO:
Espetáculo Namíbia, Não!
Quando: 5 a 28 de agosto de 2022, de sexta a domingo
Horário: Sextas, 20h; sábados, 17h e 20h; domingos, 17h.
Onde: Sala do Coro do Teatro Castro Alves
Quanto: R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia)
Classificação indicativa: 12 anos
O espetáculo é acessível para todas as pessoas com deficiência, através de audiodescrição e tradução em libras.
Os ingressos para o espetáculo podem ser adquiridos na bilheteria do TCA ou no site www.sympla.com.br
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Arlon Souza
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