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Militância tem hora, e não é na H

A pressão de ser politicamente correta pode castrar a vida sexual das lésbicas

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Gisele Palma

23/02/2024 às 15:30 - há XX semanas
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Já aviso que a coluna de hoje está polêmica. Peço que leia até o final e com atenção. Como já compartilhei por aqui, até eu me entender enquanto sapatão, passei pela heterossexualidade e pela bissexualidade. E, na minha vivência, sinto que há muitas cobranças no relacionamento lésbico que eu não vejo em outras relações.


				
					Militância tem hora, e não é na H
Militância tem hora, e não é na H. Foto: Freepik

Se seu estilo e jeito correspondem com a feminilidade padrão, você está cedendo às opressões sociais. Se é desfem e se atrai por fem (ou vice-versa), está reproduzindo heteronormatividade*. Se ama bater/apanhar no sexo, o faz por influência da misoginia da pornografia. Se não gosta de ser penetrada, precisa abrir sua mente. Se se diz passiva ou ativa, só falta ser crucificada.

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Com tantas regras do que fazer (ou não), vejo muitas de nós abdicando dos seus quereres para não ser julgada como uma sapatona tóxica ou alienada. Eu entendo e reitero a importância das discussões sobre privilégios da feminilidade, impactos da cisheteronormatividade, dominância violenta sobre corpos de mulheres e todas as demais pautas.

Nossos interesses, de fato, podem ser contaminados pelo racismo, etarismo, transfobia e demais preconceitos. Mas não podemos colocar tudo nessa caixa. A partir do momento que você tem esse letramento e compreende o contexto social, e segue entendendo que aqueles desejos são genuínos seus, não cabe a ninguém te obrigar a alterar suas preferências.

Uma desfem se sentir compelida a penetrar sua parceira com a cinta (strap-on) pode ser reflexo da heteronormatividade, guiada inconsciente a crer que “se eu agir como os héteros, conquistarei privilégios”. Isso é cruel para ambas. Mas, se uma desfem sente verdadeira volúpia e excitação por penetrar a sua mulher com o strap-on/packer, morre de prazer com essa prática, ela estaria errada por ser fiel às suas vontades intrínsecas? O segredo está justamente nessa autoanálise do que é seu e do que você foi condicionada a querer.

Se você refletiu sobre determinado comportamento seu e passou a se incomodar, mude. Se viu que ainda se sente confortável e feliz sendo assim, não se force a desconstruir o seu tipo de afeto. Uma vez que não faça mal a ninguém e não seja ilegal, não cabe militar sobre o nosso tesão. O problema não é ter essa ou aquela ideia do que é “certo”, e sim o equívoco de pensar que essa é a única forma possível de transar, como se houvesse um manual obrigatório da vida sexual sapatona.

Eu demorei para me sentir segura em afirmar, por exemplo, que me atraio por desfem, amo quando a linguagem dela é atos de serviço, gosto de mulheres fortes, gosto que seja bem ativa/dominadora, e se isso vai me fazer perder pontos na carteirinha sapatona, que seja. É preciso suportar o peso de desagradar e frustrar a expectativa politicamente correta dos outros. Se vão me julgar como heteronormativa por gostar de apanhar no sexo e por me atrair por mulheres de cabelo curto, eu já não me importo, pois reconheço os meus desejos e me desapeguei da necessidade de agradar a todos.

Meu intuito, nessa coluna, é clamar pela liberdade e pelo autoconhecimento. Não é vergonhoso saber do que você gosta e ter orgulho disso. Há muitas formas de ser e se relacionar enquanto uma mulher sapatão e todas elas são válidas. A lesbianidade é plural. Precisamos nos lembrar disso, inclusive, no sexo. São múltiplas e diversas as possibilidades de prazer na relação entre mulheres. Se permitir viver seus fetiches e ter a curiosidade de experimentar novas práticas traz realização sexual e aumenta o repertório erótico. A tentativa de uniformizar os afetos e as identidades é falha entre as próprias pessoas cishetero, quem dirá entre os corpos dissidentes.

  • *A heteronormatividade é um conceito rígido e binário que determina que apenas relacionamentos heterossexuais (entre um homem e uma mulher) são normais e aceitáveis, invisibilizando todas as demais vivências. Esse modelo político, imposto e naturalizado historicamente é muito violento, sobretudo com mulheres que não se relacionam afetivamente com homens. Nesse contexto, a lesbianidade é deslegitimada, silenciada e posta como inferior.
Imagem ilustrativa da coluna EDUCAÇÃO XUALSE
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