Passei dias pensando no que escreveria na semana do Dia das Mães.
E foi depois de assistir a um episódio da websérie Mundo Invertido, escrito por Cláudia Campolina, que eu resolvi escrever este texto.

Porque, apesar de o Dia das Mães ser uma data bonita, simbólica e cheia de memórias — ela também é uma data que pode doer.
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Enquanto o mundo prepara homenagens, muitas mães seguem caladas, exaustas — e quase ninguém pergunta por quê.
Eu poderia escrever esse texto do lugar de psicólogo, e ele estaria cheio de exemplos. Mas hoje, eu queria escrever como filho.
Porque eu vi. Eu vi minha mãe se anular.
Vi os sonhos sendo adiados. Depois esquecidos.
Vi a agenda dela se preencher com os compromissos dos outros — dos filhos, da casa, do trabalho, do casamento.
Vi o descanso virar luxo. O silêncio, ausência. Vi a mulher virar função. A pessoa virar papel.

E por mais que a lógica que organizava aquela casa parecesse natural — como se fosse “assim mesmo” —, havia uma conta que não fechava.
Ela fazia tudo. Ela cuidava de todos. Mas ninguém perguntava quem cuidava dela.
Ela sorria nas fotos do Dia das Mães, mas por dentro havia cansaço — físico, mental e emocional.

Hoje, no consultório e na vida, vejo como essa lógica se repete.
O projeto da maternidade, tantas vezes sonhado a dois, vai se tornando um compromisso que recai sobre um só corpo.
Primeiro pra gestar. Depois pra parir. Amamentar. Alimentar. Educar.
O outro lado da equação — aquele que seguiu sonhando, estudando, crescendo — até “ajuda”. Mas como quem oferece um favor, e não como quem divide.
E não, isso não é sobre vilões. É sobre uma cultura que ensina o cuidado como responsabilidade exclusiva da mulher. Que ensina o homem a amar sem carregar. Que romantiza a sobrecarga materna como prova de amor.

A verdade é que muita mãe não desiste da vida que queria viver.
Ela só não encontra mais espaço pra ela.
E quando tenta, vem a culpa.
Culpa por desejar algo que não caiba na agenda da maternidade. Culpa por descansar. Culpa por existir para além dos filhos.
Eu vi tudo isso. E hoje, do lugar de homem, de filho e de psicólogo, não consigo romantizar essa ausência de equilíbrio.
Falar sobre isso na semana das mães talvez pareça desconfortável.
Mas talvez seja justamente esse o ponto.
E se, ao invés de flores e homenagens prontas, a gente começasse a fazer perguntas?
Quantas mulheres você conhece que sonharam com a maternidade, mas foram soterradas por ela?

Quem ensinou os homens a amar sem carregar?
Quem disse que o cuidado era um talento natural das mulheres — e não uma responsabilidade coletiva?
Quantas vezes o amor virou desculpa pra exaustão?
Quantos desejos femininos foram enterrados sob o peso da palavra “mãe”?
E se ser mãe é mesmo um ato de amor, cuidar da mulher que existe por trás desse papel também precisa ser.

Fabiano Lacerda
Fabiano Lacerda
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