Você já percebeu como, cada vez mais, conversar com uma Inteligência Artificial (IA) parece algo natural? Não é raro encontrar relatos de pessoas nas redes sociais que usam o ChatGPT quase como um amigo. Uma companhia sempre disponível, que responde sem julgamento e entrega conselhos na hora.

Li comentários como:
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- “Faço terapia no ChatGPT, jogo tarô, desabafo, peço conselhos. Adoro.”
- “Meu segundo cérebro… e ainda é terapeuta.”
- “Divido minhas preocupações, meus medos… o chat virou minha melhor amiga.”
- “O mais importante: ele jamais julga. Dá conselhos maravilhosos, melhor que muita amiga. Eu amo.”
Um levantamento da Talk Inc revela que um em cada dez brasileiros já recorre à IA como conselheiro, confidente ou espaço para desabafar. O dado não surpreende quando olhamos o contexto: vivemos, hoje, em um dos países mais solitários do mundo.

De acordo com a pesquisa Perceptions of the Impact of Covid-19, realizada pela Ipsos com pessoas de 28 países, o Brasil lidera o ranking global de solidão. Metade dos brasileiros afirma se sentir sozinho com frequência, e 52% relatam que esse sentimento aumentou nos últimos seis meses.
Estar sozinho, no entanto, nem sempre é um problema. Pelo contrário. O silêncio e o recolhimento podem ser espaço de organização interna, de reflexão, de crescimento. A questão não é exatamente estar só, mas sim quando a solidão vira sofrimento — e, muitas vezes, busca-se qualquer companhia que alivie isso, até mesmo uma que não é humana.
O que me chama atenção é perceber como, nesse cenário, a Inteligência Artificial surge como uma companhia imediata. Ela está sempre disponível. Não exige espera, não gera frustração, não oferece contradição. Responde rápido, do jeito que você quer, muitas vezes dizendo exatamente o que você gostaria de ouvir.

Pensa bem: há alguns anos, diante de uma angústia, você provavelmente mandaria uma mensagem para um amigo. Corria o risco de não receber resposta na hora. Ou de ouvir algo que não quisesse. Hoje, cada vez mais gente prefere abrir uma conversa com uma IA.
Ferramentas como o ChatGPT são programadas para responder de forma empática. Adaptam o tom, a linguagem, o jeito de falar, moldando-se ao estilo de quem está do outro lado. Elas observam, captam seus padrões, entendem seu modo de existir e constroem respostas sob medida. Por isso, não é raro parecer que você está, de fato, conversando com alguém que te conhece muito bem.
Mas é essencial lembrar: a IA não sente, não se afeta, não se importa. Ela apenas reconhece aquilo que você costuma gostar, os temas que te interessam, a maneira como você se expressa e devolve isso em forma de resposta. Só que isso não é afeto. Não é vínculo. Não é cuidado.

Vi recentemente no Instagram o relato de um jovem que passou horas acreditando que o ChatGPT estava criando um vídeo, algo que essa IA, na prática, não faz. Em vez de dizer logo que não era possível atender, a ferramenta ficou simulando que estava “trabalhando”, atualizando status e mantendo a interação ativa.
Por quê? Porque muitas dessas tecnologias são projetadas para manter você engajado, conectado, interagindo. Em outros tempos, talvez essa pessoa buscasse a informação num site, ligasse para alguém ou até procurasse uma ajuda humana.
Como psicólogo, me chama atenção perceber como, na tentativa de evitar o desconforto da espera, da ausência ou da frustração, escolhemos cada vez mais as respostas rápidas, moldadas, prontas. Só que os vínculos reais não são assim. Relações de verdade exigem presença, escuta, disposição para atravessar o desconforto da dúvida, da pausa, da diferença.
Conversar com uma IA pode, sim, gerar alívio. Pode até parecer acolhimento. Mas é ilusão acreditar que isso substitui a experiência insubstituível do encontro humano, com todas as suas imperfeições, desafios e potências.
E vá por mim: o uso excessivo desse tipo de interação pode gerar dependência emocional e até dificultar o enfrentamento das próprias questões. Porque, no fim das contas, uma IA pode até te ouvir. Mas não te sente, não te vê, não te acolhe de verdade.
Como profissional da saúde mental, não vejo a tecnologia como vilã. Ela é fascinante, potente, transformadora. Mas, na era das respostas automáticas, é preciso lembrar: nossa humanidade continua sendo construída no silêncio, na vulnerabilidade, na pausa, no desencontro e, muitas vezes, na escolha consciente de simplesmente estar só.
Talvez o que valha mesmo perguntar seja: que tipo de presença estamos buscando quando abrimos uma conversa com uma inteligência artificial?

Fabiano Lacerda
Fabiano Lacerda
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