Como aconteceu praticamente com todas nós, fui ensinada a competir com outras mulheres.
Me lembro, na adolescência, de medir inteiramente minhas “rivais” procurando por defeitos dos quais debochar, como se estar ou não em um padrão diminuísse o valor daquela mulher - sem perceber que também fazia comigo o mesmo processo de me desvalorizar por não ser, estar ou me comportar de determinada forma.
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Desde muito novas, somos estimuladas a competir. Concursos de beleza acontecem desde a infância. Na adolescência, estimuladas por expectativas sociais, meninas competem pela atenção dos meninos. Na vida adulta, rivalidades são incentivadas ou até inventadas, como é o caso de estrelas da TV e da música.
Seja no Brasil ou no exterior, sempre há pessoas comparando mulheres e estimulando a competição entre nós, seja pela atenção masculina, seja por uma vaga no escasso mercado de trabalho.
“Mulheres são uma classe desunida”, “mulher não tem amiga, tem rival” e frases do tipo são repetidas exaustivamente, enquanto nos comparam.
Do ponto de vista social, a competição feminina favorece este sistema sociopolítico e econômico em que os homens ocupam o lugar de poder chamado de patriarcado. Um dos motivos está na famosa estratégia política: dividir para conquistar. Fragmentar grupos provoca dispersão de poder. A coletividade é um poder. Quando se gera rivalidade e desconfiança, esse poder se rompe.
Entre os homens, costuma prevalecer a característica oposta: a fraternidade. E a consequência também é oposta: a concentração de poder em torno deles (no caso de homens brancos).
Homens aprendem desde cedo sobre este sentimento de irmandade, através do qual eles se protegem mutuamente. Eles se tratam como irmãos. Nós, como inimigas.
Se somos desunidas, é mais fácil que façam o que querem conosco. Se estamos sozinhas, ficamos mais vulneráveis. É o que agressores fazem, inclusive. Afastam a vítima de tudo e de todos. Assim, elas ficam dependentes e submetidas a eles. Mas hoje a conversa é outra.
Eu quero falar do poder da amizade. Tanto do ponto de vista coletivo quanto do impacto individual.
E da amizade entre mulheres. Esse espaço seguro de acolhimento e de trocas preciosas. De apoio e compreensão mútua.
Só quem tem uma verdadeira amiga sabe o poder que isso tem. Poder compartilhar uma dor e saber que alguém te compreende. Poder falar durante horas e ter alguém pra te ouvir sem te julgar. Se houver uma crítica, ela será feita com todo o cuidado e respeito.
Ter uma amiga é perceber que não estamos sozinhas no mundo, que nossas maluquices não são tão malucas assim. Que há outras pessoas com as mesmas esquisitices que nós.
Uma verdadeira amizade é poder ser quem você é. É sobre autenticidade e aceitação. É poder compartilhar vulnerabilidades sem medo de julgamento.
É sentir pertencimento. É sentir amor.
Dentro do meu próprio processo de construção de autoestima, o amor pelas minhas amigas me ensinou sobre amar a mim mesma. Elas são as pessoas que mais me conhecem no mundo. Elas são as melhores pessoas que conheço e elas me amam. Como posso, então, não me amar? Não posso me amar apesar das imperfeiçoes? Se minhas amigas também têm as suas e eu as amo... por que não posso ser amada também imperfeitinha como sou?
O olhar amoroso para elas me ensinou a ter um olhar amoroso para mim. Já imaginou o poder disso?
A amizade feminina é poderosa porque nos ensina sobre amor. Porque cura. Porque se doa. A amizade verdadeira se constrói a partir da doação e da reciprocidade. Do fortalecimento mútuo. Quando a gente liga para aquela amiga e passa horas a fio desabafando sobre um coração partido ou algum desconforto no trabalho ou na vida, ela doa seu tempo, sua paciência, seu carinho. Ela nos ajuda a acalmar e ouvir nossa própria voz.
Conversar sobre nossos sentimentos e nossas experiências é uma espécie de processo terapêutico. O processo terapêutico as vezes é apenas conseguir ouvir a sua voz. E conversando com uma amiga nós conseguimos isso.
Compartilhar experiências, seja com uma amiga apenas, seja com um grupo de amigas, é nos ouvir e também ouvi-las, é aprender com seus olhares, com sua sabedoria.
Da mesma maneira, ouvir o problema de uma irmã nos faz pensar sobre nossas próprias questões. Ensinamos e aprendemos, aconselhamos e somos aconselhadas, num bonito processo de conexão, identificação e crescimento mútuo.
Se a amizade tem esse poder individualmente, imagine coletivamente? O poder transformador da sororidade - uma relação como de irmãs, de união, afeto e amizade entre mulheres. Essa força transformadora ecoa não apenas na vida das mulheres envolvidas, mas reverbera por toda a sociedade, desafiando e redefinindo as narrativas estereotipadas que moldam as relações entre mulheres. Com isso, não imagino um nós contra eles. Apenas deixamos de ser nós contra nós mesmas.
Ao invés de nos enxergarmos umas às outras como rivais, nós mulheres nos beneficiamos mais (individual e coletivamente) quando nos apoiamos mutuamente. Saímos do individualismo tóxico que permeia as relações sociais. Transformamos inveja em admiração, a crítica em reconhecimento, o desejo de estar naquele lugar em inspiração... e construímos muito mais harmonia entre nós.
Demorei muito a entender o conceito de sororidade. No passado, tive comportamentos dos quais me arrependo profundamente. Não tenho como voltar atrás, mas faz tempo que decidi me policiar e inverter o meu olhar. Aprendi a valorizar e exaltar mulheres em cada oportunidade que encontro. Estendo uma mão sempre que posso. Dou uma palavra de incentivo. Acolho. Faço o que estiver ao meu alcance. Empoderar mulheres é caminhar para um equilíbrio na balança da justiça social, para o bem-estar geral.
Quando uma mulher se une a outra, as duas se fortalecem. Se duas mulheres juntas são mais fortes que uma... Imagine todas?
Jéssica Senra
Jéssica Senra
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