O Balé Folclórico da Bahia completou neste mês 35 anos. Na última terça-feira (22), no foyer do Teatro Castro Alves, foi aberta a exposição “O olhar do Tempo” que conta um pouco da caminhada, da história, trajetória de uma das maiores companhias de dança do Brasil e do mundo.
A curadoria da exposição é de Rose Lima. São figurinos espetaculares, uma das riquezas culturais da Bahia. E pensar que a maioria dos baianos nunca assistiu a um espetáculo do Balé Folclórico da Bahia, o que considero um absurdo!. Mais absurdo ainda é a falta de valorização da Companhia, por parte dos órgãos públicos. Quem conta isso muito bem é o dançarino, professor e coreógrafo Carlos Arandiba, mais conhecido como Zebrinha.
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Qual a leitura que você faz desses 35 anos do Balé, pergunto a Zebrinha. A resposta é intrigante. “É o olhar de uma pessoa decepcionada porque é uma vida solitária a do Balé Folclórico da Bahia. Entre trancos e barrancos, Vavá, que fundou a companhia com todos os méritos e depois eu, que venho atrás, nós fazemos um esforço gigantesco pra manter um Balé que é considerado como Embaixador Cultural do Brasil. E a gente não tem um apoio oficial para que essa Companhia continue. Mais adiante, Zebrinha fala do desrespeito: “eu estou sim indignado com a atitude do Estado Brasileiro, do estado da Bahia, com o seu maior representante cultural, mas a gente vai lá e é Ogun abrindo e Oxalá fechando e vem mais 35 anos”.
O coreógrafo e diretor do Bale Folclórico da Bahia lembra da época em que jovens negros queriam fazer aula de dança no TCA e eram impedidos de entrar pela porta da frente. Em sala de aula contou para seus alunos uma história que marcou a juventude dele e de muitos jovens negros de Salvador. Ele narra fatos estarrecedores, entre eles a de um dançarino, amigo dele, apaixonado por dança que, ao tentar entrar pela porta dos fundos do Teatro, ouviu de uma mulher de uma companhia de dança da Bahia que o lugar dele não era ali e, sim vendendo limão na Feira de São Joaquim. “Passamos por situações humilhantes, vexatórias. Eles eram racistas com a gente”, completou Zebrinha.
O coreógrafo conta que todas as vezes que ele entra em sala de aula, lembra dos crimes de racismo cometidos naqueles espaços negados aos negros de Salvador, da Bahia, e conta pra seus alunos do Balé. Nos dias de hoje, o racismo se processa de uma outra forma. É o genocídio do povo negro, os assassinatos não elucidados e tantas outras formas. Por isso, Zebrinha insiste, resiste para formar cidadãos.
“A única razão de estar ali (se referindo ao trabalho que desenvolve no Balé) não é dinheiro, não é fama, nem nada. É formar cidadãos. Eu me sinto muito realizado quando estou em sala de aula e vejo 25 pessoas me ouvindo falar. O que me faz continuar é quando vejo, fora do Brasil e aqui mesmo na Bahia, pessoas que deixaram de ser pessoas de segunda classe e que tiveram uma vida com dança ou sem dança e se tornaram homens e mulheres felizes”.
Ele vai enumerando um a um: “Kátia Araújo, que deixou de dançar e hoje é braço direito da ONU na luta contra trabalho escravo de mulheres pretas; Slim Melo que morava em Plataforma, chegou no Balé Jr e hoje é sommelier em Nova York; Hugo Cortes que veio do bairro de São Cristóvão e se tornou diretor da Apple em Londres. Estive com ele ano passado,. Um pretão rasta, beição, narigão, responsável pelo departamento da Apple na Inglaterra, Europa, Oriente Médio e África e tantos outros, salvos pela arte”.
Zebrinha finaliza: “fazemos um bom trabalho, falta reconhecimento. Não é esmola.” Fazemos o que o Governo deveria fazer. O Balé Folclórico da Bahia foi fundado por Vavá Botelho e Ninho Reis, que não está mais entre nós. Vavá diz que não se cansa e que o Balé é uma missão:
"Quando é missão, quando é destino a gente não tem como cansar, faz parte da vida, 35 anos disso, dois anos de pandemia, vendendo tudo, vendendo apartamento, terreno, pra gente pagar as dívidas do Balé, pra não ficar com certidões negativas, pra gente poder, quando tudo voltasse ao normal, a estarmos regularizados e poder entrar em editais. Então enfrentei em tudo isso investindo em recursos próprios, pessoais, pra poder segurar o Balé com o nome limpo, como se diz aqui na Bahia”.
Para Vavá, o momento agora é de dar um passo importante e tem que ser dado com muita segurança. Ele entende que o momento está propício, a atmosfera está ajudando muito para que possa dar esse passo muito bem dado. “O que eu busco há 35 anos é a estabilidade da Companhia, mantendo o elenco com um salário legal, condições boas de trabalho, como deve ser”, diz. Ele acredita que na conjuntura atual com a ministra da Cultura, Margareth Menezes, e as Leis de Incentivo o panorama possa mudar. No momento, o Balé Folclórico da Bahia está montando repertórios antigos com a turma que entrou recentemente no elenco. Na próxima semana, Vavá viaja para tratar de um novo projeto. As portas estão se abrindo"., diz ele.
O diretor tem plena consciência que o Balé forma cidadãos para o mundo. Ano passado, Zebrinha montou o Bolero de Ravel, de Maurice Béjart, em versão afro. Sobre o assunto, Vavá abre um sorriso e promete que as cortinas vão se abrir para outra obra clássica, com a participação de uma super estrela da dança mundial.
Ópraí Wanda Chase
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