Assucena é uma cantora baiana de Vitória da Conquista que estreou em carreira solo com show em homenagem à Gal Costa (Foto: Cássia Tabatini/Divulgação)
Em 2015, quando Liniker viralizou com o vídeo da canção “Zero”, ficou evidente que estávamos assistindo a mais um processo de transformação na música brasileira. A visibilidade que artistas LGBTQIA+ ganharam nesses últimos 7 anos traz consigo diversas camadas, tanto do ponto de vista artístico, quanto sociocultural.
A forma de estar em cena - seja no palco, em um videoclipe ou em uma gravação apenas de áudio - a quebra do binarismo de gênero que abre outras possibilidades de criação; a política inerente aos corpos marginalizados; a representatividade para outras pessoas LGBTQIA+... Tudo isso são, de fato, reconstruções que esse movimento tem proporcionado para a música e a sociedade brasileira.
Dentro deste contexto, uma das representantes do movimento LGBTQIA+ na MPB é a cantora Assucena. Apesar de ser baiana de Vitória da Conquista, foi na cidade de São Paulo que ela, uma mulher trans, construiu sua carreira artística. Para quem ainda não está familiarizado com a expressão, uma pessoa trans é aquela que não se identifica com o gênero que lhe foi designado ao nascer.
Assucena aparece na cena musical universitária de São Paulo com a banda ‘Preto Por Preto’, que depois se tornou ‘As Bahias e a Cozinha Mineira’ e, por fim, mudou o nome para ‘As Baías’. O grupo também tinha Raquel Virgínia e Rafael Acerbi e esteve em atividade entre 2011 e 2021. Nesse período, lançaram 3 álbuns, um EP, além de uma série de singles e videoclipes. O trio ainda foi reconhecido com indicações ao Grammy Latino (2019 e 2020) e duas vitórias do Prêmio da Música Brasileira em 2018 (Melhor Grupo e Melhor Álbum).
Agora, na virada de 2021 para 2022, Assucena se lançou em carreira solo. O primeiro projeto foi o show “Rio e Também Posso Chorar”, que estreou em dezembro como uma homenagem aos 50 anos do disco “Fatal” de Gal Costa. Logo depois, em janeiro, saiu “Parti do Alto”, o primeiro single da nova fase da cantora. Ela ainda apresentou o show “Minha Voz e Eu” e corre, como ela mesmo diz, para aprontar o primeiro álbum.
“Pretendo lançar o disco no meio do ano, mas estou correndo contra o tempo porque a gente está no momento muito difícil da cultura brasileira em todos os aspectos. Está difícil financeiramente não só para os artistas, como para as casas de show, para os festivais. Esse processo inflacionário enorme está influenciando e vai continuar a influenciar muitos festivais, pois só pelas aéreas subiram mais de 100%”, afirma a cantora em entrevista.
A música na infância em Vitória da Conquista
Encontrei com Assucena para essa conversa em um café próximo à famosa Rua Augusta, no centro de São Paulo. Vestida com uma camiseta com a imagem de Frida Kahlo estampada e um pingente com a Estrela de Davi, que revela sua criação em família judaica de origem marroquina em Conquista, ela se manteve o tempo inteiro de óculos escuros, mas era possível captar suas reações pelas expressões faciais.
Começamos a conversa com um papo sobre a sua infância e adolescência na sua cidade natal, passamos pela formação da banda, suas ambições e pretensões com a carreira solo e jogamos “conversa dentro”, como diria Anelis Assumpção, sobre as cenas musicais baianas e brasileiras.
“Meu pai gostava muito da Jovem Guarda e minha mãe também. Cresci também muito próximo ao Cancioneiro Popular da Bahia, principalmente lá da minha terra: Elomar, Xangai, Edigar Mão Branca… Só que eu sempre amei as divas! E aí, a música internacional aparece para mim quando eu conheço a Whitney Houston ainda criança, e me apaixono por aquele poder vocal”, relembra sobre suas primeiras aproximações com a música.
Da cena universitária paulista à carreira solo
Assucena se mostra uma artista consciente do seu lugar de representatividade para outras pessoas LGBTQIA+, principalmente para as que se identificam como trans ou travestis. Seu discurso traz um reconhecimento e um certo orgulho, bastante legítimo, diga-se de passagem, do legado que já conseguiu construir nos 10 anos de trabalho com ‘As Baías’.
Depois do primeiro contato com a música, ainda em Vitória da Conquista, como bolsista de coral num curso de inglês, ela se muda para São Paulo, mas sem planos de se tornar cantora. A ideia era estudar, o que ela de fato fez, História na Universidade de São Paulo, a famosa USP. E lá, tudo mudou.
Na faculdade, Assucena conhece Raquel e Rafael e juntos montam o grupo ‘Preto Por Preto’. “Raquel que tinha colocado esse nome para brincar com o Back to Black, da Amy Winehouse”, conta. Apesar da referência à cantora inglesa, o repertório do grupo era basicamente de música brasileira e aos poucos foi conquistando público e ganhando mais composições autorais até se tornar ‘As Bahias e a Cozinha Mineira’.
Atualmente, ela percebe-se numa fase crucial da carreira. Sua preocupação e foco estão em apresentar um bom álbum de estreia, mas em tempo de disputar espaço nas programações dos festivais e casas de shows, que já estão sendo anunciadas. Contudo, a conjuntura não é nada favorável, principalmente para uma travesti.
“A gente tem a cara do neofascismo estacionada no Planalto; a gente é um país de dimensões continentais que teve o Ministério da Cultura sendo reduzido a uma Secretaria e mal gerida por uma incompetente. Então, é muito devastador o que tem acontecido com a cultura brasileira. Vamos ter que reconstruir muita coisa. É nesse momento difícil e delicado que estou lançando minha carreira. Mas 2022 é um ano de uma possível virada, um ano de uma possível esperança de reconstrução. Então, é preciso ter coragem”, afirma Assucena.
Marcelo Argôlo*
Jornalista e pesquisador musical que acompanha o cenário musical baiano desde 2012. Mestre em Comunicação pela UFRB, ele é autor do livro Pop Negro SSA e mantém ainda o Instagram @popnegroba sobre a música pop negra da Bahia.
Leia mais sobre a coluna Pop Bahia no ibahia.com e siga o portal no Google Notícias
Veja também:
Leia também:
Redação iBahia
Redação iBahia
Participe do canal
no Whatsapp e receba notícias em primeira mão!