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A medalha de ouro e a imagem mais linda que nos foi tirada

Conquista da mais dolorosa de todas as medalhas fez nascer uma lenda para o esporte brasileiro: o maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima

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Sílvio Tudela

05/08/2024 às 9:00 - há XX semanas
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Corria a tarde de domingo no Brasil em 29 de agosto de 2004, último dia dos Jogos Olímpicos de Atenas, e naquele momento o mundo todo e, principalmente a torcida verde e amarela, assistia à disputa da maratona, considerada por muitos como a prova mais nobre de todo o Atletismo. A corrida, com distância oficial de 42,195 km, geralmente realizada em ruas e estradas, é a única modalidade esportiva que se originou de uma lenda. Mas naquele dia, o planeta viu nascer uma outra: o brasileiro Vanderlei Cordeiro de Lima.


				
					A medalha de ouro e a imagem mais linda que nos foi tirada
Foto: Reprodução / Redes sociais

Um pouco antes da metade do percurso - o mesmo dos primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna, em 1896 -, com os pés montados na História, o maratonista brasileiro se descolou do pelotão da frente e começou a correr sozinho, liderando a disputa por mais de uma hora e abrindo cada vez mais vantagem sobre os demais corredores, entre eles alguns dos maiores nomes da história desta prova.

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Por volta do km 35 e a pouco mais de sete quilômetros da chegada no Estádio Panathinaikos, Vanderlei Cordeiro de Lima administrava muito bem a vantagem de cerca de 30 segundos e de praticamente 150 metros sobre os adversários. A medalha de ouro, inédita para o Brasil e a última em disputa nos Jogos Olímpicos, parecia garantida. Os brasileiros sonhavam com a última medalha de ouro em jogo, na prova mais emblemática da Olimpíada, e com a Bandeira Brasileira sendo hasteada no topo e o Hino Nacional sendo executado ao final da cerimônia de encerramento. Um final glorioso.

Mas do nada, o fundista foi atacado violentamente no meio da rua pelo ex-padre irlandês Cornelius ‘Neil’ Horan, vestindo um kilt vermelho, meias verdes de cano alto, e com um cartaz nas costas que dizia: "A segunda vinda está próxima”.

Foram oito segundos de horror, nos quais o atleta foi agarrado, empurrado contra a multidão, caiu ao chão e foi colocado de volta à prova graças à iniciativa de Polyvios Kossivas, um cidadão grego que acompanhava a prova.


				
					A medalha de ouro e a imagem mais linda que nos foi tirada
Foto: Reprodução / Redes sociais

Em estado de choque e sem saber exatamente o que havia ocorrido, assim como toda a torcida brasileira que assistia ao caos pela televisão, Vanderlei Cordeiro de Lima conseguiu voltar à prova ainda na liderança, mantendo metade da vantagem que tinha antes do ataque. Porém, era perceptível que o inesperado susto e a agressão sofrida tiraram a concentração do atleta, que perdeu o ritmo e foi ultrapassado nos momentos finais pelo italiano Stefano Baldini, campeão europeu, e pelo norte-americano Meb Keflezighi.

Sob aclamação da plateia e mesmo sabendo que havia sido vítima de injustiça e de falta de segurança, Vanderlei Cordeiro de Lima entrou sorridente no Estádio Olímpico imortalizando gesto de "aviãozinho" com os braços abertos, enquanto cruzava a linha de chegada e conquistava a medalha de bronze.


				
					A medalha de ouro e a imagem mais linda que nos foi tirada
Foto: Satiro Sodré/COB

De imediato, a Confederação Brasileira de Atletismo entrou com uma reclamação formal no Comitê Olímpico Internacional (COI) reivindicando a medalha de ouro para o atleta, alegando que ele foi prejudicado por fatores externos num incidente intolerável e transmitido para todo o mundo pela televisão e relembrando que reparações já haviam sido tomadas em eventos anteriores. O apelo foi rejeitado e o brasileiro aceitou o resultado com espírito esportivo e seguiu seu destino. Após diversas competições, encerrou a carreira de maratonista após disputar a Maratona de Paris, em abril de 2009.


				
					A medalha de ouro e a imagem mais linda que nos foi tirada
Foto: Reprodução / Redes sociais

Mais que o ouro, a Medalha Pierre de Coubertin


				
					A medalha de ouro e a imagem mais linda que nos foi tirada
Foto: Reprodução / Redes sociais

Ainda durante o encerramento dos Jogos Olímpicos de Atenas-2004, foi anunciado que Vanderlei Cordeiro de Lima seria agraciado com a Medalha Pierre de Coubertin, a maior condecoração de cunho humanitário-esportivo concedida pelo COI para atletas que valorizam a competição olímpica mais do que a vitória e que é considerada uma honra excepcional e superior às medalhas atribuídas pela entidade. Toda feita de ouro, a insígnia não tem relação com o desempenho técnico do competidor, mas com suas qualidades morais e éticas e a demonstração do mais puro espírito esportivo em situações difíceis ou inusitadas acontecidas durante as disputas.

A honraria foi entregue no Rio de Janeiro, em dezembro de 2004, numa cerimônia oficial em sua homenagem com a presença do grego Polyvios Kossivas, homenageado pelo COB e recebido com honras no Brasil. Na solenidade, o medalhista também foi escolhido como "Atleta Brasileiro do Ano de 2004". Bicampeão dos Jogos Pan-Americanos de Winnipeg (1999) e de São Domingo (2003), medalhista de bronze em Atenas (2004) e único latino-americano outorgado com a Medalha Pierre de Coubertin, entregue somente a 21 atletas até hoje, Vanderlei Cordeiro de Lima foi merecedor de diversas homenagens.

  • Chegou a receber, em 2004, de presente a medalha de ouro do jogador de voleibol de praia Emanuel, da dupla com Ricardo, obtida nos mesmos Jogos, mas, com humildade, agradeceu e recusou emocionado.
  • Recebeu, em 2005, a Ordem do Mérito Militar no grau de Cavaleiro especial e a Ordem de Rio Branco no grau de Oficial suplementar.
  • Foi homenageado, em 2014, com o Troféu Adhemar Ferreira da Silva, a maior honraria concedida pelo Comitê Olímpico do Brasil, pelas mãos do bicampeão olímpico da vela, Torben Grael.
  • E por seu exemplo e por sua contribuição ao esporte brasileiro, Vanderlei Cordeiro de Lima foi o atleta escolhido para acender a Pira Olímpica durante a inesquecível cerimônia de abertura das Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016.

				
					A medalha de ouro e a imagem mais linda que nos foi tirada
Foto: Reprodução / Redes sociais

O recalque do fanático religioso

O fanático Cornelius ‘Neil’ Horan já havia invadido a pista do GP de Fórmula 1, no circuito de Silverstone, na Inglaterra, um ano antes do episódio de Atenas, foi deportado da Grécia, condenado a um ano de prisão e pagou uma multa de 3.000 euros para ficar livre. Mas continuou criando confusão por onde passava, como na Copa do Mundo da Alemanha (2006) e nos Jogos Olímpicos de Londres (2012).

Após assistir a Vanderlei Cordeiro de Lima fazendo tanto sucesso pela sua esportividade olímpica e sendo o protagonista da abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, Cornelius ‘Neil’ Horan concedeu uma entrevista ao jornal americano "The New York Times", em que afirmou ter ficado com raiva: "Para mim, ele é virtualmente culpado por roubar completamente a fama de mim. O mínimo que ele poderia fazer era reconhecer isso. Ele se tornou mais do que um esportista e isso não aconteceu por causa de qualquer medalha que ele ganhou, mas por causa de um certo padre irlandês excêntrico. Os organizadores nem sequer mencionaram o meu nome na cerimônia de abertura, o que achei muito ruim."

Sem polemizar absolutamente nada sobre o ocorrido desde aquele final de tarde em Atenas, Vanderlei Cordeiro de Lima repetiu: “Tenho muito orgulho de minhas origens e de minhas escolhas, pois elas me levaram à conquista do maior sonho: a medalha olímpica. Descobri que ela não é só minha, pois carrega a alegria, o sofrimento e a torcida de todo brasileiro. Nada veio fácil para mim.”

Imagem ilustrativa da coluna TABUS, TRETAS E TROÇAS COM SÍLVIO TUDELA
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