Nada contra Fernando Diniz, muito pelo contrário. Admirado pelo estilo de jogo que propõe em campo e considerado por muitos como o sucessor do legado do “futebol arte” de Telê Santana, o técnico do Fluminense tem seus méritos e merece comandar a Seleção Brasileira, mesmo que até julho de 2024. Como jogador, o meio campista foi campeão estadual pelo Palmeiras (1996), Corinthians (1997), Fluminense (2002) e Cruzeiro (2004).
Apesar de bons campeonatos realizados, o único título de expressão que possui nestes 14 anos como técnico é o Campeonato Carioca de 2023 com o Tricolor das Laranjeiras. Fernando Diniz acumula passagens como treinador pelo Votoraty, Paulista, Botafogo (SP), Atlético Sorocaba, Audax (três ocasiões), Paraná, Oeste, Guarani, Atlético Paranaense, Fluminense (duas vezes), São Paulo, Santos e Vasco da Gama.
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O que se questiona neste momento é como Fernando Diniz fará para conciliar o cargo de treinador do Fluminense (em sexto lugar no Campeonato Brasileiro pelo critério de desempate, igualado em pontos com São Paulo, sétimo, e Internacional, oitavo, até o início da rodada deste final de semana) e da Seleção Brasileira. No time carioca, o técnico tem pela frente, somente neste ano, mais 25 jogos pelo principal torneio nacional e um número que pode variar de duas a oito partidas pela Libertadores da América, caso avance no torneio. Isso sem contar com todo o primeiro semestre de 2024, com pré-temporada, torneio estadual, Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil e competições continentais pelo clube carioca e amistosos e partidas oficiais pelo escrete canarinho.
Já faz muito tempo, se um dia houve, que ser técnico da equipe verde e amarela, mesmo que no formato de treinador interino, consistia em fazer a convocação, conduzir alguns treinos e ficar sentado no banco. O futebol mundial passou por grandes mudanças e, mais do que nunca, é necessário um trabalho de observação minuciosa de jogadores e de muitos estudos das peças com as quais se pode contar e dos concorrentes, em nível de atletas, adversários, esquemas táticos e competições estrangeiras. Como fazer isso se ele terá compromissos inadiáveis no Fluminense e uma torcida exigente que não deve poupá-lo de críticas?
Um técnico do selecionado nacional com atividade paralela comandando uma equipe que sempre pode brigar por títulos também gera conflito de interesses e sérios problemas éticos, que certamente respingarão no jovem treinador. Haverá um momento, entre setembro e novembro, em que ele vai precisar convocar a Seleção para a disputa das Eliminatórias.
E nesta época, os dois principais torneios nacionais e competições continentais entram na reta final. Será preciso muita isenção e jogo de cintura para convocar os jogadores e não desfalcar seu próprio clube ou os adversários. Se Fernando Diniz não optar unicamente por atletas que atuam no exterior, a gritaria será grande.
Além das questões éticas e dificuldades de agenda que envolvem o futuro trabalho de Fernando Diniz, a decisão da CBF por um técnico-tampão, até a possível chegada de Carlo Ancelotti, traz também vários conflitos à vista, como a notável diferença de estilos entre os dois, pois o brasileiro e o italiano não compartilham da mesma cartilha técnica e tática, possuindo visões de jogo completamente diferentes, o que pode confundir os atletas no momento da transição, quando teremos apenas dois anos para a Copa do Mundo.
Outro ponto de preocupação é o de continuidade de trabalho a longo prazo e de caráter empregatício. Independentemente dos resultados alcançados no clube carioca, Fernando Diniz continuará no Fluminense daqui a um ano, ou seguirá na nova comissão técnica, apoiando o outro técnico, qualquer que seja a posição da Seleção Brasileira nas Eliminatórias e na Copa América 2024? Como o contrato com Carlo Ancelotti ainda não foi assinado, apesar das confirmações verbais por parte da CBF, não há 100% de certeza que o atual técnico do Real Madrid deixará o clube espanhol para comandar a Seleção, e isso pode virar um tormento mais à frente.
Pode-se argumentar que Fernando Diniz não é o primeiro técnico a dirigir um clube nacional e a Seleção Brasileira ao mesmo tempo, mas entrar realmente sabendo que seu trabalho tem prazo de validade é algo inédito no País do Futebol.
A Seleção não tinha um técnico compartilhado por um clube desde 2000, quando o ex-goleiro Emerson Leão, à época no Sport, sucedeu a Vanderlei Luxemburgo, que também iniciou sua trajetória pelo selecionado brasileiro ao mesmo tempo em que dirigia o Corinthians. Antes deles, Mario Jorge Lobo Zagallo ainda era oficialmente técnico do Botafogo quando levou o Brasil ao Tricampeonato Mundial, em 1970. E no ano seguinte, também chegou a conciliar a função quando comandava o Fluminense.
O que se pode dizer é que desde que Agenor Leonardo "Tite" Bacchi anunciou, quase dez meses antes da final da Copa do Mundo, que se desligaria da Seleção Brasileira, qualquer que fosse o resultado no Qatar, a equipe está psicologicamente sem técnico. Contando com Ramon Menezes como quebra-galho no comando nestes últimos seis meses (derrotas para Marrocos e
Senegal e uma vitória contra Guiné) e o treinador-tampão Fernando Diniz nos próximos 12, serão quase 30 meses sem liderança segura à frente da mais vitoriosa equipe do mundo.
Se não parecia crível que a CBF iria convidar um técnico de primeiro escalão do futebol brasileiro até a chegada de Carlo Ancelotti, porque poucos aceitariam trabalhar por empreitada, o mais esdrúxulo aconteceu. Convenhamos, a CBF parece querer correr o risco de não classificar o Brasil para o próximo Mundial, uma vez que, nessa Era Fernando Diniz, serão seis jogos pelas Eliminatórias, exatamente um terço das partidas, com 18 pontos em disputa frente a Bolívia, Peru, Venezuela, Uruguai, Colômbia e a atual campeã mundial, a Argentina. Nossa sorte é que, com o aumento de 32 para 48 equipes na Copa do Mundo de 2026, haverá mais classificados da América do Sul.
Silvio Tudela
Silvio Tudela
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