Em mesas de bar, encontros de trabalho ou em reuniões de família, sempre tem aquele ser humano que faz a fatídica pergunta a uma mulher na faixa dos seus 30/40 anos: "E aí? Quando vem o neném?" Na sociedade, estruturalmente falando, essa cobrança de SER MÃE é um fato. E em alguns casos, é até um mantra que exige a execução da maternidade de forma plena.
Convenhamos que o direito de gerar e cuidar sempre foi uma demanda aplicada às mulheres. Por outro lado, nos últimos anos, a liberdade de escolha tem proporcionado novos caminhos e oportunidades. E isso não é só da boca pra fora, não. Nesse cabo de guerra social, a baiana Flávia Magalhães disse NÃO. Aos 30 anos, a consultora de sustentabilidade tomou a decisão de não maternar ainda cedo.
Leia também:
"Desde criança, na verdade, a gente é ensinada a seguir aquele passo a passo comum, né?! E isso acontece de forma automática, independentemente de você ter vontade ou não. E eu também fui criada desta forma, que teria essa vida comum. E em um dado momento, já madura e focada na minha vida profissional, eu vi no meu ambiente de trabalho muitas colegas, mais velhas, que não casaram e estavam felizes. E a primeira coisa foi: poxa, que estranho! Como assim?", começou a consultora.
Em entrevista ao iBahia, Flávia conta ainda que a decisão foi tomada pouco a pouco, E se inspirar na vida e rotina de outras mulheres foi essencial.
"Isso nunca tinha passado pela minha cabeça. O normal era aquele comercial de margarina. E eram mulheres heterossexuais, porque tem esse estigma social também, viu?! - de que a pessoa é homossexual e por isso não casou. Elas eram mulheres bem resolvidas mesmo e isso abriu minha mente, porque eu especificamente nunca quis engravidar. Nunca foi um desejo, uma curiosidade minha. Então, antes, que já estava estabelecido que no dia em que eu me casasse - porque existia esse roteiro na cabeça - eu faria um acordo com meu marido para gente adotar crianças mudou. Quando eu tive contato com essas amigas eu falei: poxa, é mesmo né?! Se eu nunca quis engravidar porque eu me sinto 'pressionada' a ter um filho só pra cumprir uma tabela. Eu nunca me senti mãe de fato", relembrou Flávia.
Atualmente, Flávia convive muito bem com a decisão de não engravidar e de não ser mãe. Ela tem como foco principal, ela mesma e a realização dos próprios sonhos. Quando se analisa mais de perto esse movimento de liberdade feminina, em assumir as consequências e responsabilidades como qualquer ser humano normal e, também em torno da maternidade, visualizamos inúmeras questões.
Entretanto, seja ela social, financeira ou familiar, a decisão precisa ser consciente e, infelizmente de enfrentamento, como explica a psicóloga clínica, Katia Queiróz.
"Tem várias questões. Essas questões sociais, políticas, tudo isso implica muito nessa pressão da mulher não querer maternar. Ela vai ser bombardeada. E isso é muito sério, porque tem muita mães que tiveram filhos ou têm filhos e não exercem o maternar. É muito importante que a mulher tenha essa capacidade de dizer: 'eu não quero ter filhos, eu não quero maternar, tem outras coisas na minha vida que vão ser prioridade.' Agora, como é algo novo, ela vai ser vista de uma forma estigmatizada."
Katia Queiróz, psicóloga
Pressão familiar. Como lidar?
Se perguntar, ao longo da vida, se você está seguindo o fluxo social de forma automática é um ato de coragem. Até porque enxergar novos caminhos e assumir novos papéis não um mar de rosas. Flávia entendeu isso muito cedo. E quando questionado sobre o momento em que ela externalizou, para os familiares e amigos, a própria decisão de não ser mãe, ela foi direta:
"Vieram vários questionamentos de família, amigos: 'você não quer? Como assim você não quer?'. Aí você, fala: 'Olha, a gente só se pode responder pelo agora. E nesse momento, eu não manifesto desejo de ter filhos", pontou a jovem baiana. "Cuidar de um outro ser humano, fabricar um outro ser humano é super complexo. E fazer isso só porque todo mundo faz ou só porque eu não posso me arrepender, não é certo. Se eu me arrepender depois, eu vou lidar com esse arrependimento. E eu posso nunca me arrepender também, né?!"
De fato, manter um diálogo maduro foi a melhor das alternativas seguidas por Flávia. E quem diz isso é a especialista. Fique atenta: se você escutar que essa escolha é egoísta, ignore!
"Isso não é ser egoísta. Isso não é ser intolerante. Isso é ter a capacidade racional e emocional de não querer colocar um filho e não ter essa função materna diante dele, que pode levar a uma baixa estima, rejeição e uma situação de abandono."
Kátia ainda indicou um passo a passo, caso você esteja em uma encruzilhada! Confira abaixo:
"Primeiro, é você ter a capacidade de entender que será muito questionada. Segundo, é ela (a mulher) não devolver com a mesma agressividade ou indignação de quem não entende. E justificar: 'olha, você teve essa capacidade de maternar que eu não tenho e isso não vai me deixar mais ou menos digna que as outras (mulheres). E mesmo assim, pode não ser entendida. O detalhe é não entrar na energia da indignação."
E as perguntas? O que fazer com elas? É, mulher, não tem jeito. O bombardeio de questionamentos chega. Porém, tanto a especialista quanto Flávia relatam que essa jornada vale a pena!
"Na família, sempre tem aquela brincadeirinha, né? 'Ah, vai ficar velha, vai ficar sozinha...' ou 'se você chegar no final da vida, quem vai cuidar de você...está sendo egoísta?' Aí eu me pergunto: o que é egoísmo? É você escolher uma coisa que é melhor pra você? Porque que é egoísmo, você não querer criar um ser humano? Não, não é egoísmo...isso é uma escolha, até porque a maternidade não é compulsória. Até onde a gente sabe, existe uma escolha mesmo que às vezes inconsciente ou por acidente. Mas, existe uma escolha que culminou no ato da maternidade. Então, se é uma coisa que é opcional, não faz sentido que você tenha que fazer porque todo mundo faz. E essas perguntas, de quem ninguém vai cuidar de você, pode resultar em você ficar velho, ter 15 filhos e todos não quererem cuidar de mim, como acontece com vários idosos que ficam em abrigos abandonados pela família", disse Flávia.
Maternidade e Sustentabilidade
Ainda em entrevista, e por fazer parte da área de trabalho em que atua, Flávia Magalhães citou uma tendência de mercado chamada Gink - Green Inclination, no Kids – em português: engajamento verde, não aos filhos. O movimento ainda é novo, mas vem encontrando cada vez mais adeptos. Para os seguidores, a superpopulação do planeta é responsável pelos problemas ambientais, e frear a natalidade pode contribuir para o futuro da humanidade.
Mas, sobre o tema, ela é contra. "Tudo vai criar impacto no mundo. A gente existir cria impacto então, não como. A própria natureza tem seu equilíbrio. A questão é buscar um meio pra que a gente consiga viver de forma saudável."
Nos países da Europa, o assunto já é discutido em muitos espaços. Apesar do aumento da preocupação com o meio ambiente e do engajamento em movimentos verdes, é baixa a quantidade de pessoas que decide não ter filhos na França. Segundo o Instituto Nacional de Estudos Demográficos (Ined), apenas 4,3% das mulheres e 6,3% dos homens renunciam a essa ideia.
Leia mais sobre Dia da Mulher no iBahia.com e siga o portal no Google Notícias.
Veja também:
Mayra Lopes
Mayra Lopes
Participe do canal
no Whatsapp e receba notícias em primeira mão!