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Walter Smetak |
"É um som fino. Suave, mas fino. E vai acompanhá-lo pelo resto da vida". As primeiras linhas da biografia do suíço Walter Smetak (1913-1984), escrita pela jornalista e neta do músico, Jessica Smetak Paoli, e lançada no último dia 7, no Foyer do Teatro Castro Alves, descrevem o som que Smetak ouvia da janela de sua casa no bairro da Federação, em Salvador, de onde via, debruçado, todo o vale da Avenida Garibaldi. Com introdução de Marcelo Nilo, Presidente da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, e apresentação assinada por Uibitú Smetak, caçula dos cinco filhos do músico com a sergipana Julieta e único a seguir a mesma carreira do pai, 'Smetak, Som e Espírito' é o trabalho de conclusão de curso de Jessica, ao qual ela se dedicou à pesquisa por um ano. São mais de 30 horas de entrevistas transcritas de mais de 40 entrevistados, entre amigos, ex-alunos e familiares de Smetak. Embora não tenha chegado a conviver com o avô, as pouco mais de 300 páginas escritas por Jessica Paoli contam em detalhes o transcorrer da vida de Smetak, da rotina familiar à trajetória profissional, do nascimento à morte em maio de 1984, aos 71 anos. Natural de Zurique, na Suíça, Walter Smetak veio para o Brasil em 1937, a convite da Orquestra Internacional Farroupilha, dissolvida pouco antes de sua chegada, e aqui viveu por quase cinco décadas. Na época, estava à beira dos 24 anos, e o país em meio à campanha de nacionalização, implantada pelo então presidente Getúlio Vargas.
Veja também: Programação cultural marca homenagem ao centenário de SmetakConfira uma matéria em homenagem ao centenário do grande músico Walter Smetak Convidado pelo professor Hans Joachim Koellreutter para lecionar nos Seminários Livres de Música da Universidade Federal da Bahia, antes de chegar a Salvador, em 1957, o suíço naturalizado brasileiro passou pelos estados do Rio Grande do Sul, onde foi professor de violoncelo no Instituto de Belas Artes de Porto Alegre; Rio de Janeiro, onde atuou como músico contratado na Orquestra Sinfônica Brasileira e trabalhou no Teatro Municipal e nas rádios Nacional, Tupi e Guanabara; e São Paulo, onde, em 1952, foi contratado pelo Teatro Municipal e, mais tarde, pelas rádios Record, Bandeirantes e Sumaré.
O MESTRE "Descrever Smetak será sempre uma simplificação. Foi uma das cabeças mais brilhantes e abertas que alguém pode pensar. Um artista imenso". As palavras do flautista e fotógrafo Oscar Dourado, que também foi assistente de Smetak nas turmas de Improvisação I e II em música contemporânea, figuram em meio a tantos outros depoimentos distribuídos entre a primeira orelha e a contracapa do livro-reportagem. Colecionador de discípulos, entre eles Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Tuzé de Abreu e Gereba Barreto, Smetak destacou-se pelo caráter vanguardista de sua obra. Propôs, dentre outras coisas, que a relação com a música fosse o mais orgânica possível e defendeu a democratização do acesso a arte, já que para ele todos tinham a capacidade de fazer sua própria música através da criação dos seus próprios instrumentos. Em 1968, já havia produzido cerca de 100 instrumentos experimentais de cordas, sopro e percussão, todos desenvolvidos na oficina de criação que montou no porão na Escola de Música da Ufba.
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Smetak em sua oficina na Escola de Música |
Fã de Bach, ainda criança Smetak foi iniciado na tradição musical europeia pelo pai. Antes de escolher o violoncelo como instrumento, chegou a estudar piano.Naturalmente ligado às expressões metafísicas da existência humana, Smetak era fiel adepto da Eubiose, doutrina científico-filosófica, que trabalha no sentido de alcançar a consciência espiritual plena. No caso do músico, essa espiritualidade seria conquistada através dos sons, com base no experimentalismo dos microtons e na improvisação. Concreta e conceitual, a arte desenvolvida pelo suíço, que quando menino faltava às aulas para ir aprender a consertar instrumentos de cordas no ateliê de um luthier, constituía-se em um intenso e constante trabalho de pesquisa. Ávido por novas sonoridades e estéticas, usava na construção dos seus instrumentos os mais inusitados materiais, entre eles tubos de PVC, cabaças, arames, pedaços de madeira e sucatas em geral. Dessa relação híbrida entre o som, em seu estado espiritual, psíquico e físico, e as artes plásticas surge o conceito de "plásticas sonoras" criado por Smetak.
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Plásticas Sonoras 'Mimento' (à esq.) e 'Amém' (à dir.) |
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Plástica Sonora 'Chori violino' (à esq.) e 'Caossonância' (à dir.) |
Como escreveu o poeta e ensaísta Augusto de Campos: "Há músicas para todos os gostos e para todas as horas. Quem só pensa em embalar os ouvidos, que fique no som-nosso-de-cada-dia. Mas quem quiser mais sabor e mais saber, não deixe de ouvir esses extras-sons que conseguiram varar o bloqueio informativo das audições de rotina. Como já disse Smetak: 'Salve-se quem souber!'". Entre o extenso legado, Walter Smetak deixou dois LPs gravados, um pela Philips ('Smetak', de 1974), outro pela Marcus Pereira, 'Interregno', de 1980; quatro peças para teatro: 'Vir a Ser' (1969), 'A Quadratura do Círculo' (1970), 'Welcome Neutron - O Errotismo do Canhoto', escrita especialmente para o amigo e diretor Paulo Dourado, e 'A Caverna' (1970), única que chegou a ser encenada; composições musicais para violoncelo, piano e orquestras de cordas; e cerca de trinta livros inéditos. Preservados pela Associação Amigos de Smetak, os instrumentos do músico encontram-se reunidos na sala Walter Smetak, da Biblioteca Central Reitor Macedo Costa, no Campus de Ondina da Ufba. [youtube S7gF1ax0Nps] *Com supervisão de Marcia Luz