Cantor, compositor e instrumentista, Luiz Caldas comemora seus 45 anos e leva sua música para o folião pipoca no Carnaval de Salvador. Mas não é só. Tem se divertido e feito música com amigos como Lenine, Carlinhos Brown, Saulo, Margareth Menezes, Sandra de Sá, Seu Jorge; acabou de gravar um disco de jazz que será lançado ainda este ano e também compôs uma ópera para 2015. Na entrevista ao iBahia, o artista fala sobre Carnaval, educação musical, futuro da axé music e se propõe a colocar na cabeça do público o que chama de “interrogações do bem”.
iBahia - São 35 anos de Carnaval. O que traz em sua programação? Luiz Caldas - Muita música. De um tempo para cá, venho compondo muito, lançado um disco a cada mês e muitas músicas são bem dançantes, o que é uma característica do meu trabalho, e serão usadas neste Carnaval, além dos grandes clássicos e músicas que marcaram épocas, que são de alguns colegas. Eu toco nesta sexta e no sábado, na Barra, com o trio independente para o folião pipoca. Toco domingo, no Campo Grande; segunda-feira no Furdunço, na Barra; terça-feira eu tenho uma viagem para fazer, e na quarta-feira, estou aqui para finalizar o Carnaval.
Vendo você tocar ao vivo em um show, suas músicas de 20 anos atrás parecem tão atuais. O público canta como se fossem hits da temporada. Você sente isso de cima do palco? Como é a sua relação com este passado musical? A minha relação é com a composição. Sou muito verdadeiro no que escrevo e no que canto. Em primeiro lugar, para eu colocar a minha voz em uma canção eu tenho de gostar dessa canção, porque eu vou ter de escutá-la depois várias e várias vezes. Acho que quando você coloca essa verdade, você dá uma longevidade ao trabalho. Também o carinho do público e dos meus colegas, que nunca deixaram com que esse trabalho que eu fiz, de uma certa forma, caísse em esquecimento. São clássicos, músicas de 20, 25 anos, que as pessoas cantam e dançam até hoje e eu fico muito feliz com tudo isso. Estou compondo mais coisas nesse mesmo segmento, quer dizer, com o coração em primeiro lugar.
E tem um público mais jovem, uma nova geração, que começa a conhecer e apreciar o seu trabalho...Sim. Isso é muito legal, porque há uma renovação e nisso o que tem me ajudado muito é a internet. A coisa de lançar um disco a cada mês tem me facilitado bastante ter o contato maior com esse público mais jovem. Tem essa coisa também da música baiana... e eu faço música baiana genuinamente, então, os jovens adoram isso.
Você falou sobre o uso na internet , como é esse processo de lançar seu trabalho no mundo virtual. Você se rendeu de vez aos meios tecnológicos?Desde que a pirataria ficou mais pesada no país, principalmente, na parte de discos, muitas gravadoras fecharam suas portas e outras viraram produtoras de shows, porque o disco e o DVD em si são poucos os artistas que ainda conseguem vender bastante. Antes disso eu já tinha migrado para a internet, porque é lugar democrático onde eu posso lançar todo o meu trabalho sem passar por supervisões de diretores. Tenho uma independência maior e um lance muito importante para mim é eu poder escrever tudo que eu quero e poder lançar como eu quero, da forma que eu quero. Tanto que eu escolhi, porque graças a Deus, eu já trabalho bastante com a minha obra da axé music , fui o criador desse movimento musical, e para mim tem um lugar garantido em muitas festas. Isso me dá uma tranquilidade financeira legal para que eu possa gravar tudo o que eu quero sem ter preocupação comercial. A minha preocupação é mais criativa. Ou seja, tem uma frase de Franz Liszt, um compositor alemão, que é maravilhosa e ele diz o seguinte: que na época , isso no século 18, ele compondo e as pessoas achando muito complicado tudo o que estava escrevendo e ele disse que o que estava fazendo era lançando um petardo dele para o futuro e não para aquele momento. Eu tenho feito isso também. A minha música vai estar aí e o tempo é senhor de tudo, ele coloca as coisas no seu devido lugar, então, o fato de eu não ter vendido a minha alma musical tem me ajudado muito. Essa verdade está vindo à tona de uma forma muito bonita. Os meus colegas de trabalho estão sempre me apoiando e estão junto comigo. Posso dizer isso porque os ensaios, a gente está tendo a maior facilidade em trazer essas pessoas.
O público capta essa verdade, mesmo quando você não usa a palavra, mas através de sua expressão instrumental...? Você acha que pessoas separam em sue trabalho o conceito e o comercial?Pode ter certeza e é com quem eu mais me preocupo é com o público. Isso para mim foi muito difícil e com César Rasec, que é um parceiro que tenho, a gente conversando muito, chegou a um ponto de resolver que para que eu pudesse andar com mais tranquilidade, eu tinha que, em primeiro lugar, não esquecer o meu passado, mas deixa-lo um pouco de lado, porque eu não posso mais fazer nada por ‘Tieta’, ‘Fricote’, ‘Haja Amor’, são clássicos e músicas que já estão gravadas, já têm a sua vida formada. Então, para que eu possa caminhar com a minha carreira, eu tenho de pensar no futuro e compor coisas novas e desligar a minha imagem daquele cara que só toca em Carnaval, só toca axé music, porque eu toco música clássica, toco piano, violão clássico.
Quantos instrumentos você toca, na verdade?É mais fácil dizer os que eu não toco; não toco os instrumentos de sopro e de arco, só. Mas os outros dá para tocar tranquilo. O meu vídeo game é o meu estúdio em casa. Eu me divirto muito fazendo música e não tenho a preocupação que eu vejo em alguns colegas meus, que terminam de fazer uma música e ficam “eu não gostei disso”, “eu vou mudar”, e às vezes demoram seis meses para fazer uma música. Eu faço, às vezes, três músicas em um dia e gravo as três, e mesmo que eu não goste de determinada coisa, tem gente que gosta. Questão de gosto não se discute, principalmente, quando se trata de música.
Por falar em gosto, muito se fala que a música popular feita na Bahia e para dançar cai no chamado “gosto duvidoso”, mas quando algo diferente é oferecido ao público ele acaba interagindo com a novidade, como aconteceu, por exemplo, recentemente, no show do inglês Elton John em Salvador, que reuniu mais de 40 mil pessoas na Fonte Nova. Qual a sua leitura sobre isso?Eu acredito que isso seja mais um problema educacional, passa pela educação escolar. No dia em que a gente tiver um plano melhor de acabar com o analfabetismo isso muda, porque uma pessoa que estuda, que pesquisa, vai ter uma abertura maior de mente e vai querer ouvir tudo e saber que é legal guardar e o que legal só ouvir e deixar lá.
Voltando a falar um pouco do passado. Vimos você aparecer nacionalmente nos anos 80, e depois disso, o mercado tornou-se muito comercial e você não se vendeu, como já disse. Hoje seu nome se destaca como uma referência musical e dessa nova geração você traz parceiros como Saulo Fernandes. Como se dá essa escolha e com quem mais você tem essa relação? Saulo é um poeta. O Levi, da banda Jammil e Uma Noites, também é um bom menino; além de cantar muito bem, compõe bem. Tem algumas pessoas que podem fazer algo positivo pela axé music, porque o que falta, ao meu ver, é um equilíbrio maior entre a criatividade e o comércio. Você pode fazer músicas comerciais. Minha obra é comercial, mas você não precisa fazer uma coisa tão frágil que não dure seis meses. Acho que você pode meter o dedo na ferida de uma forma legal, porque mesmo a música dançante pode ter algo embutido ali, alguma mensagem que vai servir para quem está escutando. A minha preocupação sempre foi essa e eu vejo em Saulo um grande representante. Uma das coisas que ele fez que eu acho maravilhosa é que ele poderia estar, neste momento, fazendo ensaios como todo mundo, mas não, ele me chamou para que eu fizesse com ele um projeto de música para as pessoas pensarem, e nós conseguimos colocar a Orquestra de Música no Parque da Cidade, tocando Caymmi. Depois fizemos uma homenagem ao reggae e agora vai ser uma homenagem ao samba (no dia 9 de março). Então, vejo isso com bons olhos, porque a gente pode ganhar dinheiro, mas crescer com isso, não só financeiramente.
Tem-se falado por aí sobre uma crise na axé music. Você acredita nisso? O movimento está realmente enfraquecendo?Não. A crise é de alguns. Isso é uma coisa separada. O rock está em crise? Não, mas musicalmente está... A gente não tem representante do rock como tínhamos na década de 80. Todos os segmentos passam por isso, mas não é crise do segmento e sim de algumas pessoas que vivem dele. Isso é normal, a vida é um ciclo e ninguém vai conseguir ficar no topo o tempo todo e nem lá embaixo o tempo todo. Um conselho que eu dou: siga legal, seja gente boa que toda hora você vai ter pessoas ao seu lado, em qualquer lugar do ciclo em que você estiver. Então, não vejo de forma nenhuma como uma crise da axé music, pode ser uma crise para alguns.
Na comemoração dos seus 35 carnavais, o que destaca de mais importante nesta festa?Vejo que na teoria está muito legal este Carnaval 2014, a prefeitura tem feito um trabalho legal, a Saltur com Eliana Dumet. Essa ideia do Furdunço eu acho genial, porque é uma forma de mostrar para os mais jovens como foi realmente feito tudo isso do que eles tanto gostam e curtem hoje em dia. A diferença de você olhar a Caetanave e os trios de hoje em dia com alta tecnologia, coisa que modificou totalmente. Não posso comparar o que era como é hoje, houve uma metamorfose muito grande, então, o Furdunço é uma oportunidade grande de os jovens verem como o trio elétrico iniciou, porque mesmo sendo mais fraco tecnologicamente, era muito mais forte musicalmente. Os músicos que tocavam na década de 70 eram muito preparados, como Armandinho. Depois que eu inventei a axé music, dei espaço para o músico - não vou dizer ruim, não é isso -, mas aquele músico que não precisou estudar muito, mas eles vão ver com o Furdunço como eram realmente as músicas da década de 70, a música instrumental. Não existia bateria, eram percussionistas tocando nas laterais do trio. Vai ser um encontro muito legal e esse para mim é um dos grandes momentos do Carnaval.