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MÚSICA

'Não dá para se valer de humanismo abstrato', diz Johnny Hooker

Artista pernambucano lança Coração, que não deixa de fora o sentimentalismo e a dor de cotovelo, mas dialoga com causas maiores

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Redação iBahia

29/07/2017 às 11:15 • Atualizada em 01/09/2022 às 2:00 - há XX semanas
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Se você nunca tinha ouvido falar em Johnny Hooker, mas esteve conectado às as redes sociais esta semana, com certeza se deparou com o nome do artista pernambucano, considerado um dos melhores da nova música brasileira. A repercussão se deu por dois motivos: pelo lançamento nas plataformas digitais do segundo disco dele, Coração, e também por uma polêmica envolvendo uma declaração feita por Ney Matogrosso à Folha de S. Paulo, a qual ele fez questão de rebater.No Facebook, Johnny escreveu: “É inconcebível ler a frase 'Que gay o caralho, eu sou um ser humano' no país que mais mata LGBTs do MUNDO(!!)”. Também disse que Ney perdeu o andar do mundo e que suas palavras foram desastrosas. Em entrevista ao CORREIO, ele não se esquivou do assunto e reiterou a crítica a um dos nomes mais respeitados da MPB.
Foto: Divulgação
É com esse espírito aguerrido que ele lança Coração, disco que como o próprio nome revela não deixa de lado o sentimentalismo e a dor de cotovelo já características do cantor, mas que encampa causas com uma força ainda maior. Já no início do álbum, Hooker brada: “Olha eu aqui de novo! Viver, nascer, renascer. Firme e forte feito um touro”.
Os versos são uma espécie de recado e de profecia. Com o sucesso do álbum de estreia, Eu Vou Fazer uma Macumba Pra Te Amarrar, Maldito!, ele enfrentou os melhores e também os piores momentos da vida – incluindo o fim de um relacionamento e uma depressão.
“Tem um sentimento mais entregue que no Macumba, uma necessidade de se livrar do passado, dessas facadas que a vida dá e uma vontade bonita de querer viver. Tem sido poderoso, ainda mais nesse cenário de terra arrasada, onde as pessoas estão tristes e sem perspectivas”, diz.
Em Coração, há espaço para outros ritmos além do brega, como o carimbó de Corpo Fechado, faixa que canta com Gaby Amarantos, e até o ijexá da faixa Caetano Veloso, em que homenageia o cantor baiano. Lançado pela Natura Musical, ainda não há data de lançamento do disco físico, nem do início da turnê. Salvador, terra que ele conheceu ano passado, não ficará de fora. “É uma coisa de louco esse lugar, de cultura, de resistência, de tanta música boa que arrepia o ser humano”, comenta.
Tá um negócio incrível, porque Coração é muito diferente do Macumba e as pessoas ficam muito resistentes quando o artista lança uma coisa diferente. A reação é esmagadoramente positiva. As pessoas têm dito que as músicas estão ajudando elas, trazendo alegria para o cotidiano. O próprio Caetano Veloso, uma das minhas grandes influências artísticas e a quem dedico uma das músicas, já ouviu e disse que estava adorando. Paula Lavigne gravou um vídeo dele escutando e ele ainda dá uma dançadinha, sorri e arregala os olhos quando eu digo “Me dá Caetano” (risos).
O disco continua com letras cheias de sentimento e dor de cotovelo. Parece que ao falar de dores individuais, fala de uma dor maior também, não é?
Sou de Recife e a a gente, que é nordestino, de alguma maneira sobrevive. Então, apesar de falar sobre um momento em que eu tive de escolher viver, sobreviver, o disco fala muito de um momento geral do mundo, onde você vê a ascensão de pensamentos retrógrados, de fascismos e bolhas.
E que momento foi esse que você enfrentou e decidiu escancarar em Coração?
Eu venho lutando contra a depressão há muitos anos. Tem aquela crença de que a gente consegue passar por essa fase sozinho, muita gente fala que depressão é besteira. E recentemente eu li que a depressão acomete uma porcentagem perigosa de LGBTs. Você nasce no mundo tendo de se defender. O suicídio é gigante. E também na música, né? A gente já perdeu vários ídolos. O mais recente foi Chester Bennington, do Linkin Park, que fez parte da minha vida também. E a turnê do Macumba acentuou isso. Essa coisa de estar sempre 100%, muito exposto, viajando demais, dormindo mal. E nesse meio tempo rolou um abandono de um namorado, marido, com quem convivi por três anos e de onde achei que viria compreensão. Depois disso, me joguei em tratamento, me segurei na rede de amigos e no amor que sinto pela música. Todo mundo tem que fazer isso. Acho que a depressão é o grande mal moderno, resultado de uma vida muito anti-natural, de muita pressão e de muita obrigação, inclusive de ser feliz.
Você completa 30 anos no próximo domingo, 6. E, na data, você faz um show gratuito em Recife, não é?
A vida dá os sinais. Assim que eu me vi no escuro, me veio as palminhas que abrem o disco e a frase “Firme e forte feito um touro”, que é uma frase que minha avó, que vive no interior do Rio Grande do Norte, em Acari, sempre me disse. Essa frase virou uma tatuagem e é muito marcante no disco. O show de lançamento de Coração no dia do meu aniversário foi outro sinal. Nem era uma coisa que eu queria, a princípio. Queria passar essa data com a minha família, mais tranquilo, sem muita exposição. Só que veio e acho que vai ser muito bonito.
Flutua foi a primeira faixa do disco a ser divulgada - você apresentou ela no Programa do Bial. E sempre que você aparece na TV, acaba virando um dos assuntos mais comentados na internet. Como é que você percebe esse movimento?
Eu Não Sou Seu Lixo seria a primeira música do trabalho. Só que quando eu fui no Programa do Bial na semana passada, eu acabei cantando Flutua, que é a faixa que eu divido com Liniker, e ela ganhou outra dimensão. Acho que o fato de minha ida a esses programas bombarem nas redes sociais é porque os fãs gostam mesmo do trabalho que faço. Posso não ser a pessoa mais seguida nas redes sociais, mas o público que me segue é fiel, afetuoso. Quando comecei a aparecer na TV e os shows começaram a bombar, pessoas muito diferentes chegaram até mim. Uma vez, na padaria, o pai de duas crianças se aproximou pedindo que eu tirasse fotos com elas, que as filhas amavam meu trabalho.
Em uma entrevista, você comentou que seu público era majoritariamente feminino. A mim, parece surpreendente essa afirmação. A que se deve esse sucesso entre as mulheres?
Acho que rola um exorcismo, coisas que ficam entaladas na garganta e que as pessoas, sobretudo as mulheres, colocam para fora junto com a música. É impressionante! Nas minhas redes sociais, quase 60% do público é feminino. Talvez por causa da heteronormatividade os homens não se abram muito. Meu trabalho não é um pau na cara de ninguém, mas já ouvi homens dizerem “sou hétero, mas amo sua música“, como se fosse uma contradição.
Não dá para encerrar a entrevista sem falar da polêmica que você esteve envolvido esta semana por rebater a declaração de Ney Matogrosso à Folha de São Paulo. Por que decidiu se posicionar sobre o assunto?
Porque essa é uma questão muito maior do Brasil. Estamos em 2017 e é legal ser gay no Brasil? Não é! É o país onde mais se mata homossexuais no mundo. Não dá para se valer de humanismo abstrato. As causas são muito importantes. Fui visitar a Casa 1, em São Paulo, esta semana e a casa, que acolhe pessoas LGBT expulsas de casa, está abarrotada. Não tem como receber esses jovens que têm suas identidades negadas. E isso é muito louco! Poxa, não dá para entender que o brasileiro trata os LGBTs como seres humanos porque não trata. Não dá para entender tanta gente morrendo. Vai perguntar se a mãe que matou o filho e enterrou o corpo no quintal de casa, logo depois do Natal, em São Paulo, achava que ele era um ser humano. O humanismo abstrato cai na vala do conservadorismo. É muito fácil ver um conservador falando isso. É só isso, essa é a discussão. É o mito do brasileiro cordial. E também tem a coisa da figura de autoridade, né? A gente é colonizado até nisso. Como é que no Brasil as pessoas ficam inquestionáveis acima de qualquer colocação? Mais uma vez é o discurso da heteronormatividade querendo calar.
Johnny Hooker ao lado da mãe no Programa do Bial, onde cantou Flutua, canção que divide com Liniker no novo disco, pela primeira vez (Foto: Divulgação)
Flutua, com Liniker, será primeiro clipe
Além de se preocupar com a produção do disco e com a performance nos palcos, Johnny Hooker não deixa de lado o apuro estético na confecção dos clipes. Do álbum Eu Vou Fazer uma Macumba Pra Te Amarrar, Maldito!, as faixas Alma Sebosa, Amor Marginal e Volta (lançada em 2013 na trilha sonora do filme Tatuagem) ganharam clipes estrelados por nomes como Renata Sorrah, Luis Miranda, Jesuíta Barbosa, Zélia Duncan e Irandhir Santos.
Do álbum Coração, a primeira faixa escolhida para virar clipe foi Flutua, em parceria com Liniker. Na capa do single, os dois aparecem cheios de glitter prata pelo corpo, se beijando na boca. Hooker denunciou a censura da foto pelo YouTube, que classificou o conteúdo como impróprio para menores de 18 anos. “É inconcebível que em pleno 2017 uma plataforma tão importante quanto o YouTube imponha censura máxima de 18 anos para uma foto de duas pessoas se beijando”, criticou em uma postagem no Facebook, que também chegou a bloquear o patrocínio da publicação por conta do “conteúdo sexual”.
Em setembro, Liniker e Hooker voltam a se encontrar no palco Sunset do Rock in Rio. Os dois se apresentam ao lado do cantor Almério, que assim como eles, abusa da performance, da voz potente e do visual que transcende o gênero.
Conceito
Hooker revela que já tem uma ideia sobre como será o clipe de Flutua. “Ainda estamos escrevendo o roteiro. Queremos gravar ainda em agosto, depois do primeiro show do disco, em Recife. O vídeo tem inspiração em um filme britânico de 1996, chamado Delicada Atração (Beatiful Thing)”, diz, sem revelar mais detalhes.
Inspirado, o artista comenta que a imagem de capa do disco, onde aparece dentro do mar, de peito aberto e coração à mostra, mirando a câmera, veio como um flash na cabeça. “O mar para mim é algo muito importante, significa tanto o mistério, quanto o renascimento. Sempre vivi perto do mar. Acho que por isso me surgiu essa imagem, com parte do corpo na água, parte fora, com o coração saindo do peito, mas não em sua forma original. Também olho para a câmera desafiando, meio que perguntando qual será a próxima facada”, conta.
Ainda segundo Hooker, a ideia de fazer intervenções gráficas na foto simulando uma coroa, foi do cantor Filipe Catto, que assina a arte do encarte. “Ele que sugeriu colocar a coroa, tornar a coisa meio sacra, fazer igual a Madonna e provocar a Igreja Católica”, lembra, aos risos.

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