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Bandas de pagode gospel levam pagodão para igrejas

Grupos gospel dão ninja no preconceito em Salvador

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29/03/2016 às 9:38 • Atualizada em 26/08/2022 às 18:15 - há XX semanas
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A galera comendo água em alta e o vocalista Tiago Ferreira manda o cavaco chorar com gosto. É só o início de uma muvuca dos diabos que acontece em frente ao palco montado na Praça da Sé, no Centro Histórico. Um grupo de Muquiranas passa e cai na quebradeira. Para animar ainda mais a galera da pipoca, Tiago dispara o tradicional “tira o pé do chão”. Sem se esquecer, claro, de volta e meia soltar um “quebra! quebra! quebra!”.
Com o álcool apertando a mente, muita gente nem percebe, mas as letras que brotam da suingueira não são nem um pouco católicas. Na verdade, são evangélicas. Refrões como “no meu sangue tem o DNA da adoração” ou “tô fora, tô fora, pecado eu tô fora” são cantados no mesmo ritmo que consagrou trechos como “rala a tcheca no chão” ou “tapa na cara”. Assim, a banda Homens de Fé, que tem integrantes das igrejas Batista e Assembleia de Deus, este ano fez sua estreia no meio do barril que é o Carnaval de Salvador.
Quando se apresenta para um público “secular” (assim os evangélicos se referem aos não convertidos), a Homens de Fé faz o mesmo show de um culto da igreja. “A gente anima a galera do mesmo jeito. Nesse dia o pessoal das Muquiranas ficou doido”, ri Tiago. Todo mundo quebra. Até os próprios evangélicos que vão assistir ao show mostram que têm Deus no coração e o diabo no quadril. “Claro, além da preocupação com as letras, dançamos sem vulgaridade”.
Assista:
As bandas de pagode gospel se multiplicam em Salvador. Segundo a Aprisco Produções, uma das principais produtoras do segmento na capital, existem hoje pelo menos 12 bandas de axé e pagode evangélicas na capital.
O palco onde a Homens de Fé se apresentou é uma ilha evangélica cercada de “pecado” por todos os lados. “As bandas de axé e pagode gospel começaram a surgir em 2010. Hoje são uma febre. É um suingue que atrai muita gente para o reino de Deus”, garante Eduardo Silva, da Aprisco.
Coma esse agá se você quiser! O pessoal diz que já resgatou muita gente torta da festa do cão. “A gente toca e o pessoal vai entregando panfleto. Muita gente já se converteu. Esse ano um rapaz tava passando e disse que estava disposto a matar a esposa naquela noite. Ouvindo as músicas ele se arrependeu e se converteu ali mesmo”, afirma Tiago, que diz tocar um estilo groove arrastado tipo Ed City e Harmonia do Samba.
Aliás, muitos músicos que hoje fazem parte de bandas evangélicas já tocaram em grupos de pagode seculares. “Todo mundo veio do meio secular. A gente tem músicos que tocaram na Marrom Socyte e na O Troco”. No caso da banda Som de Crente, da Igreja Rendição da Graça, foi criada pelo cavaquista e surdista da O Rodo. “A gente tem intimidade com o pagode desde sempre. Tá no sangue. Não me vejo tocando outra coisa”, diz o vocalista Átila Chagas.
Miséria é enfrentar o preconceito de alguns irmãos. Tem uma galera que, nem com a zorra, aceita o som. Mas Átila e sua trupe nunca comeram regue. “O preconceito existe, mas não nos intimida. Não tem nada na Bíblia que diga que não podemos louvar a Deus em ritmo de pagode”, observa. “Nós encontramos muita resistência. Muitas igrejas não aceitavam. Diziam que a gente tava levando o mundo para dentro da igreja”, confirma Armando Marotti Neto, 37, o pastor Neto, contrabaixista e líder da banda DOPA.
A DOPA surgiu como um grupo de louvor que fazia cantatas na Igreja Renascer, e do nada, resolveram tocar um pagodão. “Pronto, o culto ‘acabou’ ali. Foi sucesso total”, lembra Neto. “No domingo seguinte, em um culto para cinco mil pessoas, o pessoal pediu pra repetir. Ali percebemos a força que o pagode tem na evangelização”. Viu aí, sacana!
Uma das atrações da primeira Marcha para Jesus organizada em Salvador, ainda em 2009, a DOPA também sabe fazer Carnaval como poucas. Nunca tocou na folia de Salvador, mas já fez o Carnaval de rua de São Paulo e de Barreiras, no Oeste baiano. “Todos esses eventos são seculares. Muitas vezes a pessoa tá ali na festa, já alto, e se joga na dança. É aí que, entre uma música e outra, a gente aproveita para evangelizar”.
A Banda DOPA é meio paulista, meio baiana. Enquanto Neto é de São Paulo, os dois vocalistas são de Salvador. E é aqui que gostam de fazer a galera quebrar tudo. “Quando a gente toca na Bahia é diferente. Na primeira Marcha para Jesus mesmo eu chorei. A gente vê o público se entregando”. O curioso é que os dois vocais têm origens em estilos musicais avessos ao pagode. Mas, em nome de Jesus, se renderam ao pagodão.
Tiago Sima, o Tiaguinho, tinha uma banda de rock. Robson Araújo liderava um grupo black. “Foi uma coisa meio engraçada porque eles não cantavam esse estilo”. E como a swingueira não pode parar, a banda DOPA se apresenta no próximo sábado, na balada Sky, evento da Renascer. O regue é de crente, mas começa 23h, no Renascer Hall, em Salvador.
Glossário
Botar fé - tenha certeza
Dar ninja – driblar, esquivar
Com gosto – com vontade
Muvuca – muita gente
Da zorra – coisa boa
Pipoca – folião fora do bloco
Comer agá – acreditar em mentira
Nem com a zorra – de jeito nenhum
De lascar - dureza
Comer regue – não ser enganado
Viu, sacana! – eu avisei, bem feito

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