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Crítica de TV: ‘Império’ dá reviravolta brusca de personagens

Cristina (Leandra Leal) e Vicente (Rafael Cardoso): o casal começou até bonitinho, daí ficou errado e nunca se acertou

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02/03/2015 às 11:04 • Atualizada em 31/08/2022 às 0:19 - há XX semanas
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Quando se pensar na trajetória da telenovela a partir dos anos de 2010, digamos numa perspectiva de vinte anos, certamente vai ser ainda mais notável como as noções convencionais de personagens e narrativas estão sendo implodidas. Não em nome de experimentalismo, como alguns produtos do gênero tentaram lá no início dos anos 70, mas pela radicalização cada vez mais comum e insana na história, na mudança de caráter da noite para o dia nos tipos apresentados e pouco humanizados (quase de plástico) etc. Aguinaldo Silva, com sua Império (Globo, 21h), nesse sentido, parece ser o vanguardista desse processo. É notável a liberdade com que ele cria, desenvolve e bagunça a própria trama. Está aí no ar para quem quiser ver, a mais de longos e cansativos sete meses, como o autor é uma espécie de mestre às avessas, a começar pelo abandono dos mocinhos até a morte precipitada e sem noção da vilã.
Aliás, o que também pouco dá para entender é a mudança brusca na personalidade de Maria Clara. Doce, sensata, boa filha, madura e humilde nos primeiros capítulos, se transformou numa personagem chata, arrogante, mimada, barraqueira e competitiva num piscar de olhos. Até a expressão facial da atriz mudou. Se antes vivia declarando amor para o pai José Alfredo com um sorriso largo (Alexandre Nero) e fazendo questão de beber um cafezinho na casa de Cristina no final de tarde na comunidade, agora é capaz de bater a porta na cara do pai, ameaçar e sair às tapas com a irmã onde puder. Olhar para ela dá medo. Coisa feia ficou para a personagem de Maria Ribeiro, a Danielle. De coitadinha humilhada pela sogra, foi promovida à vilã. Também num piscar de olhos. Era boa esposa, de comportamento exemplar, que queria apenas ter uma vida sossegada ao lado do marido José Pedro (Caio Blat). Do nada, se bandeou para o lado de Maurílio (Carmo Dalla Vecchia), o vilão misterioso, virou amante, perdeu a razão e a torcida do público que queria vê-la dando o troco em Maria Marta (Lilia Cabral), que a atormentava simplesmente por capricho. A gota d’água se deu com a tão prometida vilã Cora (Drica Moraes/Marjorie Estiano), que, sem muita coisa a fazer por ali, depois de cheirar cueca de homem e virar escrava doméstica, até chegou a ressuscitar a escada de Nazaré Tedesco, mas dominava mesmo a arte do escracho. Se as chamadas e os primeiros capítulos alarmavam uma vilã capaz de tudo para alcançar seus objetivos, no decorrer da trama isso não aconteceu e a antagonista fez o telespectador tirar os holofotes dela. Em entrevistas para jornais e revistas, Aguinaldo Silva disse que precisou modificar a trama inteira por causa da saúde debilitada de Drica Moraes, mas o fato é que a história foi afetada e nenhum santo deu jeito nisso. Com o afastamento da atriz, Marjorie, que fez o papel na primeira fase, voltou ao batente, brilhou com maestria, conseguiu fazer com que o telespectador associasse sua imagem ao da personagem novamente, mas o público, sempre cobrando verdade, sentiu um buraco na história após perceber que o roteiro não mais a favorecia. Para completar, Aguinaldo Silva assassinou a personagem faltando três semanas para pôr fim à trama, alegando que não havia mais função para ela na história (?!?). Isso nunca foi visto antes numa telenovela, ao menos que o clichê “quem matou?” assumisse o lugar. Sem vilã, a novela pouco produz e se produz não chama atenção. Império não entregou o que prometeu. Ou o telespectador, iludido, esperou demais. A novela virou de cabeça para baixo, subverteu expectativas na audiência – na última quarta-feira, por exemplo, chegou a 41 pontos - e, olha só, recuperou o ibope perdido por Em Família, a novela água com açúcar de Manoel Carlos (2014). Agora, está em patamares que a classificam como a melhor trama após Avenida Brasil (João Emanuel Carneiro, 2012). Ou seja, a novela, com o aval do público, está abandonando a narrativa mais literária e se reinventando num formato menos linear, mas ainda com roteiro solto e zero carisma, que não dá mais entusiasmo ao telespectador, o que pouco lembra um gênero aparentado com o folhetim, que está na origem da ideia moderna de romance e que ganhou tons realistas ao longo das décadas de 1970 e 80. Que venha Gilberto Braga, com sua ‘Babilônia’, e sua narrativa vibrante e bem amarrada, com algumas pitadas de ousadia criativa. Ele, pelo menos, é o noveleiro que melhor explora as possibilidades autorais do formato, mantendo os personagens sem mudanças bruscas de caráter, sem levar a trama para o fundo do poço. Suas histórias sobre milionários falidos e da classe média decadente movida por inveja, vaidade e ambição, com tipos sem pudores e escancarados, costumam ser mais interessantes. *Com orientação e supervisão da repórter Marília Galvão.

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