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Crítica de TV: segurança é problema sério em 'Império'

Ainda que seja ficção, novela precisa firmar algum pacto de verossimilhança com o seu espectador

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04/09/2014 às 9:01 • Atualizada em 30/08/2022 às 18:27 - há XX semanas
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Novela é ficção e das mais longas. É construída por um ou mais autor, produzida e dirigida por uma equipe competente, pensada e repensada por figurinistas, cenógrafos, maquiadores, sonoplastas, entre outros, com um dos propósitos de fazer com que o público acredite na história contada. Nada ali pode dar errado porque o produto é testado por especialistas em marketing, regido pelo merchandising, e precisa estar na boca do público em rodas de discussões do bar, do salão de beleza, do ônibus. Claro, de forma positiva. Caso a audiência não decole, é retirada do ar sem piedade em pouco tempo porque novela é brinquedo caro.
A ficção é uma idealização, mas é necessário que o autor firme compromisso de verossimilhança com o seu leitor/espectador. Se o que é levado para a telinha é incoerente ou abusa da falta de realismo, principalmente quando a novela é contemporânea, a crença do telespectador tende a despencar e a fuga ou a falta de tesão pela história é certa. Quebrar o pacto e inventar para além dos limites pode ser que infle a audiência, mas corre-se o risco de aborrecer o público. Alguns autores, se valendo da experiência de muitos anos, sabem dessa importância de se aproximar cada vez mais da realidade e atingem este objetivo com facilidade. Outros nem tanto. Aguinaldo Silva, por exemplo, com a sua 'Império', trama das 21h da Globo, goza de uma enorme liberdade ficcional em seu roteiro. Abusa tanto, que esquece ou faz pouco caso de um enorme detalhe bastante importante do lado de cá: a segurança entre os personagens. Faz parecer que o mundo que mostram as novelas com toda certeza não é o nosso. Semana passada, o personagem de Daniel Rocha, o João Lucas, decidiu descobrir quem é a tal amante de seu pai José Alfredo (Alexandre Nero). Diante de uma ligação suspeita, ele dá início a uma operação ao lado de sua fiel escudeira Du (Josie Pessoa). João Lucas foi ao prédio de Maria Isis (Marina Ruy Barbosa), a então amante, parou o carro em frente, esperou a primeira distração do porteiro num olhar atento pelo retrovisor e, sem hesitar, entrou. Lá na portaria, revirou correspondências (?!?) e encontrou o andar do apartamento dela. Questão de segundos. Descobriu e foi embora com a mesma cara de pau que entrou.
Algumas sequências depois, outro núcleo mostrou a facilidade de invadir apartamento. Téo Pereira (Paulo Betti), na sua incansável luta para tirar Claudio (José Mayer) do armário, paga para Robertão (Rômulo Neto) ir ao apartamento de Leonardo (Kleber Toledo) e roubar uma série de fotos e comprovantes bancários que provam o envolvimento homossexual de Claudio. Para conseguir essa façanha folhetinesca, Robertão vai ao prédio de Leonardo e convence o porteiro a liberar a entrada porque ele se chama Claudio (veja só, o verdadeiro Claudio frequentava a casa de Leonardo todos os dias e o porteiro simplesmente liberou a passagem do falso Claudio, como se ele não conhecesse). Após chegar ao apartamento (como ele descobriu o andar e o número não foi explicado), Robertão se diz fã do trabalho de ator de Leonardo e inicia um diálogo sem pé e nem cabeça. A incongruência maior se dá quando Leonardo deixa um estranho entrar em sua casa e ainda oferece bebida (?!?). É quando Robertão aproveita e coloca uma dose clássica de boa noite cinderela no drinque do rapaz. Ao vê-lo desmaiado, Robertão revira gavetas, escrivaninhas e armários. Não sossega até encontrar. Consegue driblar Leonardo e o segurança sem ser visto e vai embora com o trunfo nas mãos para alegria do blogueiro de fofocas. Ninguém parou na polícia e o caso foi silenciado. Veja também: Crítica de TV: 'Império' escorrega em gays estereotipados, mas acerta em núcleo com filho homofóbico Crítica de TV: sem Manoel Carlos nas novelas, telespectador perde melhor texto do horário nobre Crítica: Personagem mórbido de Vanessa Gerbelli é o prato cheio da novela Em Família Crítica: bem produzida, Meu Pedacinho de Chão acerta ao apostar em alta dose lúdica Crítica: Geração Brasil cai bem para o horário, mas precisa tomar cuidado com exageros Outros personagens em Império, como Cora (Drica Moraes) e Maria Marta (Lilia Cabral), entram no lugar que querem e bem entendem. Sempre passaram pelo porteiro ou segurança de onde vão e jamais são anunciadas pelo interfone. Ao contrário, entram sem bater e nunca encontraram a porta fechada. Desde que a novela começou isso aconteceu, por baixo, seis ou sete vezes. Chave, tranca ou trinco, entre outros sinônimos de travas, são palavras que não existem nos dicionários de nenhuma delas. Já para o roteiro de Aguinaldo Silva, câmeras de segurança de prédios não existem no século XXI.
Se, entre os anos 70 e os 90, o público relevava essas incoerências porque simplesmente aceitava ser coisa de novela, hoje, com as redes sociais, qualquer deslize é motivo de piada. A telenovela, ainda que seja obra de puro entretenimento e precise desenrolar sua narrativa, não pode usar isso como desculpa para arremessar situações de qualquer jeito em suas tramas. Nos tempos de agora, no Rio, São Paulo, Salvador ou qualquer outra grande metrópole, ninguém mais facilita desse jeito em prédios, casas, condomínios. O perigo mora ao lado e a portaria é rigorosa. Os casos de assalto e sequestro contra esses imóveis cresceram demais nos últimos tempos. Hoje é coisa do crime organizado. Bem que as novelas, ditas em seus caracteres finais como obras de ficção e especialmente nas situações colocadas, poderiam ficar fora dessa. Império Direção: Rogério Gomes Quando: Segunda a sábado, às 21h, na Globo *Texto colaborativo escrito por Murilo Melo, supervisionado por Aline Caravina

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