Gay, filho de artesã, neto de Ialorixá, candomblecista, taurino, negro. Para muitos, se fazer arte em uma cidade que respira arte, como o caso de Salvador, parece ser fácil. O que não é. Sulivã da Silva Bispo nasceu e se criou no Curuzu. Começou do zero, sem incentivo, na cara e na coragem. Deu certo. Agora, com 26 anos, segue regando as sementes plantadas há 10 anos, no tempo do Colégio Estadual Presidente Costa e Silva, que fica na Ribeira, local onde teve o seu primeiro contato com o teatro, e colhe frutos de uma trajetória onde não se deixou abater por adversidades impostas na trilha.
Se você nunca se deparou com Sulivã nos palcos de teatro de Salvador, certamente você já o viu em vídeos nas redes sociais. Como não conhecer 'Mainha'? Personagem genuinamente baiano, que ao lado de 'Júnior' (Thiago Almesy), arrancam gargalhadas daquelas que nos fazem ficar sem ar. 'Na Rédea Curta' é um produto que tem a cara da Bahia feito para os baianos.
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Um projeto que começou quando a página 'Frases de Mainha', no Facebook, decidiu ir além dos cards e começar a fazer vídeos. Um dos autores do projeto, convidou Thiago para interpretar o filho e foi o próprio Thiago quem indicou Sulivã para dar vida à mãe. Na época, o ator trabalhava como técnico de vestuário e se dividia em muitas outras atividades, estudava na escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, já com espetáculos em cartaz e não tinha muito interesse em fazer parte daquilo. Ainda bem que driblou tudo o que fazia e topou participar.
"Mainha foi o meu primeiro papel feminino de fato e é um personagem do qual eu me orgulho muito de dizer que eu faço sem trazer nenhum tipo de esteriótipo que fale mal do meu povo ou de mim. É uma mulher preta, mas não é uma mulher preta, é como eu vejo minha mãe, minha avó, minha mãe de santo. É a forma como eu as vejo. Não coloco nenhum tipo de enchimento, não coloco peito, não coloco bunda, não pinto a cara de uma maneira estravagante. O importante é enaltecer as nossas referências", conta o ator.
Abraçado pelo grande público, Sulivã ainda destaca que o 'Na Rédea Curta' é sinônimo de representatividade: "é um projeto que fazemos com muito respeito, mostramos realidade, e nós somos carente de ver a representatividade de uma família negra na tela e dar risada com algo que possamos identificar: 'poxa, na minha casa é assim'. 'Mainha e Júnior' é uma Bahia nordestina, negra, do recôncavo, cultural, identitária acho que todos se enxergam, da classe A à classe D. 'Na Rédea Curta conta uma história, a nossa história".
Das redes sociais para a TV
Sulivã é um artista multimídia. Você pode vê-lo no teatro, na web, e agora, na TV. Nesta segunda-feira (12), às 22h, o ator fará sua estreia com o personagem 'Duda', em 'Férias em Família', atração que será exibida na Multishow. Ele é o único negro e nordestino no elenco que conta com Luis Lobianco, o Clovinho da novela 'Segundo Sol', Luciana Paes, Cristina Pereira, Clara Tiezzi e Fafá de Belém. A série conta as aventuras de uma família cômica que viaja de férias para Europa e é surpreendida com acontecimentos inusitados que desembocam em inúmeras confusões.
E não se engane que é o primeiro papel do ator nas telinhas. Esse é o seu segundo trabalho no Multishow e tudo começou em 2017, quando o jovem encarou a bancada de jurados do 'Prêmio Multishow de Humor', composto por Bento Ribeiro, Dani Valente, Marcelo Marrom, Natália Klein e Sergio Mallandro e chegou até a metade do programa que busca revelar os novos nomes do humor brasileiro. Não demorou muito para ter o seu trabalho reconhecido e no ano seguinte, Sulivã foi convidado para levar 'Mainha' para o programa 'Treme-Treme', de Gustavo Mendes.
"Quando participei do prêmio foi algo muito novo. Na primeira vez, fui o melhor da noite e na segunda (apresentação) acabei saindo. Por vários motivos. A plateia gostou. Mas ficou o aprendizado. Acredito que nada é por acaso. Acredito que tudo com o tempo tem tempo e tudo no tempo do tempo. Se eu sai naquele momento foi importante para a construção de novas coisas. Tanto que não demorou muito e eu fui chamado para o 'Treme-treme', com Gustavo Mendes, que arrasa fazendo Dilma, um amigo", destacou.
Animado para a estreia de 'Férias em Família' e amando fazer parte do elenco, o ator ressalta que "estar entre âncoras no humor brasileiro é incrível. Aprender com Cristina, que começou na 'TV Pirata', que se tornou uma amiga e Lobianco que está no 'Porta dos Fundos' é ir nos dois polos, beber da fonte e se banhar".
Resistência
Idealizador de um monólogo que é uma oportunidade de ver Sulivã em um universo completamente diferente do habitual. É nos palcos de teatro que ele dá vida para personagens nada cômicos, como Kaiala, que surgiu após uma inquietação do jovem nas salas de teatro da UFBA.
"O centro de ensino (da Universidade) utiliza de maneira muito cruel a negação da identidade negra. Lá não aprendemos nada de negritude. Tudo que eu sei de negritude é porque eu aprendi no Ilê Aiyê, no Bando de Teatro Olodum, centros de formação que formaram como um cidadão negro. Além de livros e histórias dos meus mais velhos. Fiz Kaiala contando a história da morte de uma menina de 10 anos, dentro de um terreiro de candomblé que é invadido por evangélicos. Na peça, interpreto a avó e o irmão de santo da jovem assassinada, além de uma evangélica. É um espetáculo que me ensina muito e é uma realidade que eu como candomblecista sofro que é o da intolerância religiosa, do racismo. A peça é emocionante", conta ele.
Ele não se classifica como humorista, mas como ator e vê seu seu corpo como sinônimo de luta e resistência: "sou filho de uma família grande negra, celeiro identitário que me deu a sensação de pertencimento desde muito novo e me ajudou a construir esse embasamento teatral artístico negro que eu tenho. Para além do artista tem um militante, fazer das duas coisas uma, já que eu entendo o meu corpo negro artístico como resistência e é resistência. Isso é muito importante pra mim, me torna o meu fazer artista ainda mais especial".
Voos mais altos
Com projetos vindo por aí nos quais não pode adiantar muitos detalhes, Sulivã planeja continuar levando humor para as pessoas que o assistem e acompanham por onde ele estiver.
"Pretendo chegar em um lugar de felicidade e descoberta. Acho que felicidade e descoberta é sempre um caminho porque a gente vivi momentos felizes e descobre cada vez mais coisas dentro dessa felicidade. Eu pretendo chegar cada vez mais num lugar de representatividade. Fazer novos personagens, viver da minha arte. Construir meu legado. Acredito que quando construímos legado a gente é legado também. Quero construir coisas bonitas, especiais e fazer as pessoas sorrirem", finalizou o ator.
*Sob supervisão da repórter Isadora Sodré
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Redação iBahia
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