Quem de nós não está um tanto quanto atônito com o que anda acontecendo em nossa economia e mercado de trabalho, ultimamente? Independentemente da luta política em andamento e das convicções de cada um, das desavenças e diferenças, muitas vezes radicais, poucos anteviam e se preocupavam com o possível reflexo de uma crise econômica que poderia atingir a sua própria mesa. É possível fazer a leitura do atual momento sob as mais diversas óticas, principalmente pelo aspecto da crise política e da operação Lava Jato. Contudo, do ponto de vista do cidadão comum, daquele que está preocupado com o seu emprego e de como a crise atual pode afetá-lo, pode ser interessante observar os acontecimentos atuais através de óticas diferentes.O fato é que estamos vivendo em um mundo de grandes transformações tecnológicas que têm se acelerado nos últimos tempos. Os ciclos derivados das transformações tecnológicas, fenômeno ainda pouco mensurado, e que no último quarto do século XX costumavam ser de uma década ou mais, foram se reduzindo. Em outras palavras o período de tempo necessário para a adoção de novas tecnologias e suas consequências foram sendo reduzidas de períodos de 10 ou mais anos para poucos anos e agora, até mesmo meses.E os governantes, no Brasil e no mundo, não têm sido capazes de perceber que estas mudanças começaram a ocorrer em ciclos cada vez mais curtos, impactando os seus mandatos, desafiando estruturas estabelecidas, avançando sobre legislações calcadas em certezas e na perenidade, ignorando novas formas de negócios não previstos. Os governos vêm sido literalmente atropelados pelos fatos tecnológicos. Quando percebem as rupturas, simplesmente não sabem como agir. No passado recente a estratégia mais comum era literalmente empurrar os problemas com a barriga, preferencialmente para o próximo governante eleito. Melhor ainda se o próximo governante eleito fosse da oposição.Entretanto, as mudanças em andamento estão relacionadas com fatores que os governantes não mais podem controlar. Por exemplo, a questão energética. A tentativa orquestrada pela comunidade produtora de petróleo de manter o nível de preços do combustível nas alturas levou a investimentos tecnológicos maciços em energia alternativa. Tentativas anteriores de encontrar novas formas eficientes de geração de energia sempre fracassaram. No ciclo atual esta barreira foi rompida. Agora temos a energia eólica, a solar e de outras fontes viabilizadas e o petróleo perdeu a importância central. Continua importante, é claro, mas perdeu a hegomonia e o decantado jargão do “petróleo é nosso” aliado à crença de que a Petrobras seria o eterno pilar central da nossa economia de repente se tornou anacrônico. Outro dia, literalmente, o monopólio da Petrobras na exploração do petróleo ruiu e poucos choraram por isto ou sequer notaram.Tudo isto tem causa na crescente disponibilização de novas formas de energia, serviços, medicamentos e alimentos nas nossas vidas. Mas não é só isto. A nossa pirâmide etária começa a ficar mais parecida com a dos países velhos. Sim, o Brasil está envelhecendo, e rápido. A crise da saúde nada mais é do que a pressão natural que as pessoas exercem sobre o sistema de saúde, pelo simples fato de pessoas mais velhas demandarem mais serviços médicos. O país simplesmente não se preparou para isto. Em São Paulo foi proposta a redução do número de escolas e muitos se colocaram contra a medida sem ao menos discutir os motivos. Ninguém olha para a pirâmide etária. O fato é que vamos precisar cada vez mais de serviços médicos e menos de escolas.E a prioridade na educação ? Continuará sendo prioridade, mas de uma forma diferente. As pessoas vão precisar ser “reeducadas” e retreinadas várias vezes ao longo da vida. Como passamos a viver mais, as habilidades adquiridas na escola fundamental, na escola técnica, na faculdade/universidade e escola da vida precisarão ser recicladas continuamente. O cidadão do século XXI precisará estar continuamente em processo de educação, aprendizado e capacitação para se manter produtivo e até mesmo para entender o mundo ao seu redor.O modelo da indústria do petróleo foi fundamentalmente abalado. A crise da Petrobras tem muito mais a ver com uma reestruturação mundial da matriz energética e das novas tecnologias do que com o Lava Jato. Empregos vêm sido perdidos na indústria do petróleo, mas muitos outros novos estão surgindo na indústria da energia solar e eólica. Novos ainda serão gerados na transmissão de energia.A indústria automobilística já começa a se preparar para a transição do motor a combustão para o motor elétrico. O transporte de massa baseado em trilhos passa a receber mais atenção do que o individual, finalmente, no Brasil. Se tais movimentos geram crise e desemprego em alguns setores, permitem que estes mesmos empregos sejam recriados em outros.A sociedade já está mudando e estamos nos adaptando a isto. Há várias outras mudanças tecnológicas em andamento que vão afetar os empregos de escritório. Todos sentiremos estas mudanças e precisamos ficar atentos às oportunidades novas que serão criadas. A chave da questão aqui é procurar em volta para descobrir que novas áreas estão sendo criadas e onde está havendo estagnação para então buscar a capacitação efetiva.Por fim, a última entidade que precisará ser fundamentalmente reestruturada e repensada, e que hoje representa um grande peso para sociedade brasileira é o Estado. Teremos que repensar os privilégios, o poder, a função, o custo e o tamanho que o Estado deverá ter diante de uma sociedade em franca transformação. Vamos precisar de muito mais médicos para cuidar de pessoas em idade avançada e tornar medicamentos novos disponíveis mais rapidamente. Por outro lado vamos precisar escolher entre um cargo burocrático altamente remunerado em Brasília ou medicamentos para o tratamento do câncer. Este tipo de questão será cada vez mais recorrente. A crise do Brasil atual tem raiz na dinâmica das mudanças tecnológicas e da matriz energética. Não podemos barrar a mudança tecnológica. Não nos preparamos para isto, mas ainda há tempo para entendermos a natureza desta mudança e mudarmos a nós mesmos.*Profa. Dra. Carolina Spinola E-mail: [email protected] Consultora da Área de Negócios da ValorH. Administradora, com mestrado em Administração e Doutorado em Geografia, com ênfase em Desenvolvimento Regional. Professora Universitária e Coordenadora de Curso de Pós-Graduação.
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