A praça principal do bairro Santo Antônio foi tomada pelos índios. Diversas tribos de foliões se reuniram na tarde de sábado (7) para ver a banda passar e brincar o Carnaval de Índio, tema da saída do Bloco De Hoje a Oito desse ano. Pintados de urucum, com penachos na cabeça e sandálias de couro nos pés, os índios carnavalescos se punham rentes, ávidos, à espera da folia para se divertirem. É preciso ressaltar que os índios eram modernos. Modernos e tecnológicos. A grande maioria segurava em suas mãos, além da latinha de cerveja quase que obrigatória, aparelhos eletrônicos que tocavam de maneira veemente, acendiam luzes e, claro, tiravam os tão idolatrados “selfies”. Os índios foliões nunca se cansavam. Procuravam o melhor ângulo, ao lado do melhor passista, para quem sabe enfim, conseguir a melhor foto. A tecnologia pareceu afetar tanto parte dos índios de ontem, que em diversos momentos eles se esqueceram de tirar os olhos fanáticos em si mesmos reproduzidos na tela de lcd, para observar toda a beleza que estava acontecendo ali. Outros índios foliões, no entanto, pareciam pertencer a uma tribo diferente, alheia à tecnologia e adepta ao significado do momento presente em questão. Alex Oliveira, residente do Santo Antônio, fotógrafo e também folião, deixou-se confessar que, se fosse possível traduzir a saída do Bloco de Hoje a Oito em uma técnica fotográfica, a escolhida seria a que dispara automaticamente inúmeras fotos de uma só vez. “Essa opção fotográfica é intensa e tem a capacidade de captar as expressões alheias e o acaso, os instantes que passarão a se eternizar em imagem. Acredito que ela se encaixa com a estética e com o que o bloco proporciona”. Já o performer Ricardo Alvarenga, também folião, traduziu o Carnaval de Índio, do De Hoje a Oito, como pura arte: “O De Hoje a Oito roda e roda e trama e rama, na ladeira do mundo que sobe e desce, nesse constante que se estabelece e que é o nosso meio de viver a vida. Vida, que deve-se seguir no fluxo do mar”. Outra moça, também Carolina, da janela examinava a folia gritando ao vento: “eu me sinto melhor, colorida”.
Curumim chama cunhatã que eu vou contar O relógio girava em torno das 22 horas, quando a bateria do Bloco De Hoje a Oito sentou-se na escadaria da igreja para descansar de um trajeto carnavalesco que durou cerca de quatro horas. Apesar do cansaço, a maioria dos integrantes do bloco exibiam olhos marejados de satisfação pelo sucesso de mais uma saída de carnaval e não desanimaram: continuaram a batucada noite afora, mas dessa vez transitando entre o samba reggae e outros ritmos baianos. Durante todo o percurso, a bateria mostrou-se centrada e alegre, esbanjando sorrisos largos que protagonizaram todo o cenário da noite. Cada paralelepípedo da velha cidade se arrepiou com a vibração emitida pelos integrantes do bloco. Um deles, um entusiasmado “índio” conhecido como Guilherme Salgado, expressou toda a sua paixão por aquele momento. “O De Hoje a Oito é uma experimentação ética, estética e politica. O que nós queremos é nos afirmar enquanto seres libertários, livres e poéticos por natureza. Aqui a gente tenta estabelecer outros tipos de vínculo a partir do aspecto da troca, da alegria e do próprio significado da cultura. Então esse momento é lindo, porque buscamos romper os mais diversos tipos de fronteiras”. Comentou.
Apesar da afinidade rítmica de toda a bateria, o destaque da noite foi para a ala dos tamborins que, sem sombra de dúvida, dialogou em som com todos os foliões presentes. No De Hoje a Oito, essa ala é composta, em sua maioria, por mulheres que, na noite de ontem, demonstraram tanta paixão pelo instrumento, que em determinados momentos o colocaram às suas frentes, mais acima, e tocavam olhando fixamente para eles, como se estivessem reverenciando o tamborim e toda a possibilidade de euforia que ele pudesse passar. Francine Cavalcanti, parecia se deliciar todas as vezes que tocava seu instrumento. De acordo com ela, a “ponta da flecha” do De Hoje a Oito vem alcançando um sentido de liberdade carnavalesca cada vez maior. “A gente se preocupa em apresentar uma memória da cultura brasileira dentro das nossas apresentações. O De Hoje a Oito se firma como um espaço que explora e oferece autonomia para a construção carnavalesca de cada um. Isso se chama liberdade, é a nossa marca”. Alegria é a prova dos nove A temática indígena transbordou por todas as vertentes artísticas brasileiras. Desde à corrente literária do romantismo (na sua primeira fase) até a composição de óperas, como O Guarani, de Carlos Gomes, o índio permeia o imaginário nacional. Vestido de boiadeiro, o mestre de bateria do bloco, Ênio Bernardes apontou toda a possibilidade de inserção das mais variadas formas de arte na saída do De Hoje a Oito. “Hoje aqui tudo é possível, as pessoas são livres para se expressar da maneira que quiserem, bem como rememorar as diversas instâncias da cultura mundial que aborda a questão indígena. Então possa ser que encontremos entre os foliões homenagens aos Guaranis, aos Tupinambás, Cariris e por aí vai. Isso é só um reflexo da diversidade cultural que possuímos”. As palavras de Ênio, no fim da tarde serviram como profecia para o que aconteceu nas horas decorrentes. Grande parte dos foliões junto com os integrantes da bateria do bloco cuidaram, animaram e ofereceram alegria e brincadeira para as ruas e os moradores do bairro Santo Antônio.
Os festejos de ontem, demonstraram mais uma vez que é possível realizar um carnaval democrático e plural, onde o cerne da proposta é justamente a diversão e consolidação da cultura popular baiana. A esperança é que no ano que vem, não só o De Hoje a Oito saia novamente às ruas, mas que novos blocos, em novos bairros, possam surgir, provocando a interação do povo novamente com a cidade.*Mariana Kaoos é repórter e colaboradora do iBahia no Carnaval 2015
Diversas tribos de foliões se reuniram na tarde de sábado (7) para ver a banda passar |
Bloco De Hoje a Oito fez a folia no Santo Antônio |
Durante todo o percurso, a bateria mostrou-se centrada e alegre, esbanjando sorrisos largos que protagonizaram todo o cenário da noite |
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