Ao se dirigir à MLS Americana, Gerrard abandona o status de último “pura-pele” no futebol mundial.
Às elocubrações: amor à camisa no futebol virou uma fantasia. O profissionalismo e, principalmente, as cifras investidas no universo do esporte tornaram as relações “passionais” entre jogadores e clubes cada vez mais difíceis. Ainda assim, a identificação direta de ídolos com um certo uniforme, com essa ou aquela torcida, ainda existe. No Brasil temos exemplos:
Rogério Ceni é uma marca do São Paulo. Veio do SINOP, do Mato Grosso, para o São Paulo, com apenas 17 anos, e fez toda a sua carreira no tricolor do Morumbi, participando, inclusive, das maiores conquistas do clube. Marcos, do Palmeiras, outro bom exemplo nacional. Após 2 anos no Lençoense Bariri, do interior do São Paulo, chegou ao Palmeiras com 19 anos, conquistou os maiores títulos do clube e encerrou sua carreira em Parque Antarctica.
No exterior temos muitos casos em grandes clubes da Europa. Na Itália, Del Piero e Juventus são indissociáveis. Alessandro passou 19 anos defendendo os Bianconeros, onde chegou em 1993, oriundo do Padova, e fez sua carreira. Saiu para um campeonato mais próximo do amadorismo (em termos de performance), na Austrália, e hoje defende um time da Índia.
Totti até hoje está na Roma. Jogando bem, capitão. Depois de passar por Fortitudo, Smit Trastevere e Lodigiani, times menores da “bota”, na época das categorias de base, chegou ao clube da Loba Capitolina em 1989 para ser ídolo até os dias de hoje.
Javier Zanetti, antes de passar 20 anos na Inter de Milão, jogou no Talleres e depois foi pro Banfield, da Argentina.
Di Natale vai completar 11 anos na Udinese. Um time médio da Itália, que conseguiu manter um dos atacantes mais letais do certame, artilheiro do Calcio por duas oportunidades. Antes, ele jogou no Empoli.
Na Inglaterra, Lampard, depois de 13 anos de Chelsea, se debandou para o Manchester City. Antes tinha passado por West Ham e Swansea.
John Terry, que está no Chelsea desde 1995, chegou a ser jogador do West Ham na infância e foi emprestado ao Nottingham Forest em 2000.
Ryan Giggs chegou a defender, na base, o Manchester City, antes de virar um mito no lado vermelho da cidade, defendendo os Red Devils por 27 anos, sendo 3 ainda na base.
Rooney, também do United, veio do Everton.
Na Espanha, Raul Gonzalez e Real Madrid são como carne e unha. Nem a passagem positiva dele pelo Schalke 04 (quando ajudou os azuis reais a chegarem nas semifinais das Champions League) diminuiu sua identificação com os galácticos. Mas ele passou primeiro pelo Atlético de Madrid.
Puyol, blue-grená convicto, dos 15 aos 17 anos defendeu o Pobla de Segur, depois foi pro Barcelona ganhar tudo que tinha direito até a temporada 2013-2014, quando encerrou a carreira.
São alguns exemplos de ídolos recentes, que vestiram outras camisas além daquelas que amam, que os consagraram e onde são eternos.
Pois é, senhoras e senhores… nenhum deles se compara a Gerrard.
Talvez dois que não foram citados ainda cheguem perto do capitão inglês, se continuarem em seus atuais clubes até encerrarem a carreira. Thomas Muller, do Bayern de Munique, e Messi, do Barcelona. Porém, em suas infâncias, vestiram as camisas do TSV Pahl e Newels Old Boys, respectivamente. Fatos que “maculam” as carreiras desses grandes jogadores, na escala “Gerrard” de autenticidade.
Gerrard nasceu torcedor do Liverpool. Em um distrito distante apenas 12 quilômetros do centro da cidade. Seu pai e seu irmão eram torcedores dos Reds. Ainda jovem, Gerrard negou um convite de Sir Alex Fergunson para treinar no Manchester United, grande rival em nível nacional. Não foi a Old Trafford por que ama o Liverpool. Em toda a sua vida no futebol, a única camisa que vestiu além da do time do coração, foi da seleção da Inglaterra. Hoje, no futebol do primeiro mundo, nada se compara a isso.
Gerrard foi campeão europeu com o Liverpool, em uma das finais mais inusitadas da história, contra o Milan. Ganhou também a Copa da Uefa, SuperCopa da Inglaterra, Copa da Liga Inglesa, Copa da Inglaterra, Supercopa da UEFA, mas não conseguiu o título da Premier League. Não conseguiu ajudar os Reds a quebrarem um incômodo tabu, que já dura mais de 24 anos. Pior: uma falha individual dele foi crucial para a derrota que tirou do Liverpool a liderança do Campeonato Inglês na última temporada. O Chelsea venceu por 2×0 em Anfield e jogou a taça para o colo do Manchester City. Poucas vezes assisti a um espetáculo tão cruel da bola.
Gerrard é um ídolo que não sabe dar elástico, caneta, chaleira. Sabe jogar como poucos. Chutar como poucos. Liderar como poucos. E sabia ser de um time só, como poucos, muito poucos. Da história recente só consigo lembrar de três casos semelhantes: Paul Scholes, no Manchester United, Paolo Maldini e Franco Baresi no Milan.
Não são só os torcedores do Liverpool que lamentam essa transferência. O futebol perde uma referência para a história. Perde a oportunidade de ter não só uma história linda, mas uma história imaculada, do início ao fim. Essa saída de Gerrard é tão cruel quanto aquele tombo dele diante do Chelsea. Pode ser que eu esteja esquecendo de alguém (se você puder leitor, me lembre), mas ao que tudo indica, Gerrard está próximo de deixar de ser único. De deixar de caminhar sozinho.
Abraço.
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