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Na Várzea: a morte da Fonte e o fim de uma relação futebolística

Crônica deste sábado fala sobre as diferenças entre os estádios de mesmo nome, mas que pouco se parecem na realidade

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25/05/2013 às 8:30 • Atualizada em 26/08/2022 às 18:10 - há XX semanas
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Ah, a Arena Fonte Nova. Estádio novo, confortável, bonito e caro. Um luxo não tão acessível assim. Dá pra conhecer até, mas nem todo mundo tem condições de se tornar visitante regular do gigante construído no lugar da velha Fonte. Ah, a antiga Fonte Nova. Palco de história, cenário da vida soteropolitana, local de aprendizado, um dia abandonado. Casa morta, desaparecida, nunca mais será vista. Apesar dos nomes parecidos, as Fontes não são as mesmas. Passam longe disso. Ficou só a mística do lugar. Cada um tem sua beleza, um tem sua história, o outro ainda vai construir. A nostalgia não é um sentimento ruim, exalta a humanidade, mas muitos desconhecem sua razão, a criticam e calam com mudanças feitas à mão. Seu Boré é resistente, daqueles que apreciam as tradições e desconfiam de qualquer novidade. Aos 40 anos, concorda pouco com o filho Amadeu, de 20. Se o assunto é futebol, as coisas são diferentes. Aí eles pensam igual. Mas quando o assunto é Fonte Nova... - Pai, a Fonte Nova nova tá massa. A gente tem que marcar de ir, véi. - Filho, você sabe que eu já não gosto muito de ir em estádio. Me deixe aqui com meu rádio e o som do futebol que só as AMs têm. - Mas pai, o estádio tá uma beleza só. Bora lá que você vai ver. Uma vez e pronto. Se você não gostar, é só não voltar. - Tá certo, compre os bilhetes. Só não vou dirigindo. Você leva o carro e se vira para estacionar. - Relaxe, lá tem estacionamento. É de boa pra parar. O jogo em questão era entre Ypiranga e Galícia. O "Mais Querido", time de coração de Seu Boré e Amadeu, tá de olho numa vaga na elite do Campeonato Baiano do ano que vem. Vencido pelo cansaço, o pai foi levado pelo filho. A primeira reclamação tava no valor do ingresso. - Como é que vou pagar R$ 70 pra ver um jogo desse, rapaz? Olhe, me deixe com meu rádio, viu?! Só vou entrar aí porque você está pagando. Sou Ypiranga, não sou burro. Entrando no estádio, Seu Boré gostou da recepção dos funcionários da Arena, mas logo fechou a cara ao saber que tinha que sentar no lugar marcado no ingresso. - Ô saudade do cimento. - Pô, meu pai, pare de chiar. Um estádio confortável desse e você aí com saudade daquele todo mijado e acabado - Rapaz, o mijo não era coisa do estádio, não. Era o povo mal educado mesmo. Você tá achando o que? Que a Fonte Nova era mijada assim antigamente? Isso veio depois e só piorou. A culpa não é do estádio, é do povo!
Após o rápido estresse, eles se acomodaram e o papo fluiu sem brigas. O Ypiranga chegava para o clássico como favorito e tanto Seu Boré como Amadeu estavam empolgados com a possibilidade de vitória. "Meu amarelo e preto, meu time do peito, meu velho Ypiranga, o povo foi quem te criou, consagrou, o time do nosso amor...", cantavam os torcedores aurinegros. - Filho, onde é que fica a geral aqui? Tava querendo ver meu velho camarada Bigu, que torce para o Galícia. Ele falou que vinha hoje. Vou rir muito dele, vai ser resenha lá no bar do Anísio amanhã. Já marcamos o dominó. - Nem rola, pai. Aqui é setorizado. Torcedores de times rivais com camisas de times diferentes só naquelas zonas mais caras lá do outro lado. Sabe como é, né?! É pra evitar briga, essas coisas. - Briga? Quem vai brigar aqui, rapaz? Sou torcedor, não imbecil. Tá mais fácil bater em você. Bigu é meu amigo e não posso tirar uma onda de leve? Esses estádios modernos tão que nem o futebol de hoje em dia: fuleiro, fuleiro. - Meu pai, você precisa relaxar. Quer rangar, não? - Tá bom, cadê o ambulante. Pega aí pra mim uns espetinhos de rolete de cana pra mim e um real de amendoim. - Primeiro que espeto em estádio não rola mais. Sabe, né?! É a violência. Bom, além disso, aqui não tem rolete de cana nem amendoim. Posso pegar um salgado ou um sorvete pra você. - Oxe... Sou lá homem de tomar sorvete em estádio. Ói, deixa pra lá. Na saída eu pego um churrasquinho de gato. Impaciente, Seu Boré acabou se estressando ainda mais com o zero que não saía do placar da Arena Fonte Nova. Amadeu também, mas lamentou ainda mais o fato de não ter tido um bom momento com seu pai. As épocas não batiam e parecia que nunca mais eles curtiriam juntos uma boa peleja no certame baiano. Esperançoso, perguntou ao pai se não seria possível um repeteco. - E aí, quer vir aqui no jogo contra o Camaçari, não? - Que nada... Vou é mandar uma carta para o presidente pedindo pra jogarmos o resto do campeonato na Vila Canária. Aquilo é mais estádio do que isso. Não gostei desse negócio de Arena. Também não tenho dinheiro pra ficar vindo aqui. Pode ficar com esse lugar só pra você. Aliás, nem precisam mais chamar de Fonte Nova. Tem mais a cara de Itaipava Arena mesmo, tão bom quanto a cerveja. Assim como a velha Fonte, aquele momento de pai e filho de Seu Boré e Amadeu no estádio acabou. Agora só resta o bar do Anísio e as outras coisas da vida. *Hailton Andrade é jornalista, repórter de esporte do iBahia, poeta amador e futuro músico. Escreve contos e crônicas para o portal a cada 15 dias.Leia mais Repórter do iBahia estreia "Na Várzea", espaço para contos e crônicas

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