Rosana não sabia, mas aquele ano de 1981 seria um divisor de águas na sua vida. Aos 14 anos, ela passou a olhar com outros olhos aqueles babas na quadra da sua escola, no bairro de Castelo Branco, durante as aulas de educação física. Topou o desafio e entrou em campo com o restante das suas amigas. Na linha não deu. Faltava qualidade, trato fino com a bola. Mas no gol...Surgia, aí, uma goleira de mão cheia, uma verdadeira muralha. O futebol com o viés cor de rosa não estourou (continua sem apoio ainda nos dias atuais), mas Rosana foi longe. "Comecei a treinar no time do bairro lá de Castelo Branco. Depois fui para Catuense. Só podia jogar a partir dos 16 anos e fiquei primeiro como goleira reserva. Depois que fiz 16, virei titular", explica.A partir daí, arrebatou títulos jogando pela própria Catuense, Vasco, time feminino tradicional da Ribeira, Usina e também na seleção baiana. Nas suas contas, foram mais de dez. Fora as congratulações particulares - melhor goleira e goleira menos vazada. Mas ela foi despindo a camisa 1 à medida que o tempo passava. A faculdade de Educação Física também lhe consumia tempo demais. "Era mais divertimento, por prazer. Não via futuro naquilo ali".Em 1997, Rosana Vigas da Silva trocou de uniforme: tornou-se árbitra. "Primeiro era só uma questão de currículo, para ficar mais experiente. Eu já estava formada em educação física. Na época, a Federação Bahiana passou a organizar os campeonatos femininos e resolver dar oportunidades às mulheres. Eu queria participar", diz ela, que apitou a primeira decisão do campeonato baiano de futebol feminino. "Foi entre Flamengo de Feira e Costa Verde, em 1998", orgulha-se. "O Flamengo foi campeão".Quebrando tabus e preconceitosA luta foi dura, tal qual uma final de campeonato encardida, truncada, em um dia chuvoso. Com prorrogação, penaltis e tudo. Mas Rosana, mulher guerreira e determinada, como descreve sua própria história, triunfou. "Fizeram de tudo para eu não chegar lá, mesmo tendo todas as qualificações. Fiz vários cursos, palestras, testes físicos...A resistência era muito grande porque futebol era coisa para homem. Mas eu venci o preconceito". Até 2007, Rosana apitava campeonatos femininos e, no masculino, Intermunicipal e jogos de várzea. Pelo seu desempenho acima da média, o reconhecimento seria inevitável, para o azar de alguns. "Fui a primeira mulher a apitar campeonato masculino profissional na Bahia. Em 2007 eu abri o Baiano com Vitória e Poções. Eu tive aquela sensação de dever cumprido. Fiquei muito feliz e agradecida. Depois passei a apitar uma média de sete a oito jogos por campeonato".Para atingir seu objetivo, Rosana teve que contra-atacar olhares atravessados e driblar boicotes. "Eu era qualificada, mas levei dez anos até trabalhar entre os profissionais. Eu passava em testes físicos e não era chamada. Vi colegas que não passavam, mas mesmo assim eram aprovados. Colocavam para mim assistentes inexperientes, faziam de tudo para me derrubar", reclama.Mas a competência e a força de vontade prevaleceram sobre os adversários. "Eu sempre fui forte e determinada. Sabia que minha hora ia chegar e não precisei fazer nada que abalasse minha consciência. Quando fui exigida em campo, correspondi. Entrei e saí e você não tem um lance polêmico meu, um jogo polêmico, nada. Eu ficava sempre tranquila porque já tinha experiência. Apitei infantil, intermunicipal, apitava tudo".Mágoas e desistênciaAlém de pertencer ao quadro da FBF, Rosana também integrou o quadro da CBF, com frequência escalada para jogos do Campeonato Brasileiro e Copa do Brasil. Em 2008, porém, Rosana Vigas decidiu largar a arbitragem. Ela tinha 41 anos e, segundo as normas vigentes, poderia apitar até os 45, idade limite. "Poderia ficar mais quatro anos, mas tinha a sensação de dever cumprido. Nunca sobrevivi da arbitragem, era um bico pra mim", conta.
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