Você consegue imaginar um Carnaval sem ouvir a voz de Margareth Menezes ecoar na Avenida ao som de "Faraó - Divindade do Egito"? O cenário pode parecer utópico para uma das canções mais marcantes da história da música baiana no Brasil e no mundo, mas por pouco a faixa não teve a filha de dona Diva Menezes como narradora do hit que conta, ou melhor, canta a história da mitologia egípcia.
Em entrevista ao iBahia, a artista voltou no tempo para relembrar quando a música, uma composição de Luciano Gomes de 1987, considerada o primeiro samba-reggae gravado no Brasil, chegou em suas mãos.
Leia também:
Margareth conta que ainda era desconhecida para a realidade dela atualmente quando foi procurada por Djalma Oliveira para dar voz ao hit. A artista se dividia na música com os trabalhos feitos no teatro e já morava fora de casa justamente para se dedicar à profissão na vida artística.
"Na época eu cantava na noite, fazia teatro e eu era envolvida com um outro aspecto das coisas. Quando eu recebi o convite do Djalma Oliveira, eu na verdade não estava nem em casa. Naquela época eu tinha saído de casa, eu e cinco pessoas do grupo de teatro. Atingimos a maioridade e resolvemos sair e batalhar pelas nossas coisas. Morávamos todos juntos em uma pensão no Pelourinho. Eu já tinha ganhado o primeiro Troféu Caymmi como Melhor Intérprete, mas ainda não estava com a carreira consolidada."
Margareth Menezes
Segundo Maga, o primeiro pensamento que veio à cabeça quando foi procurada para gravar a faixa foi o de recusar a proposta. Ao iBahia, a artista contou que quando ouviu o refrão na música tinha achado algo estranho e estava certa de que iria passar o convite, até conseguir parar para ler a composição de Luciano.
"Quando recebi o convite do Djalma, eu não sabia nada de Faraó. Já tinha ouvido 'faraó', aquele negócio que rodava, um negócio estranho. Eu procurei saber quem era Djalma Oliveira, não queria fazer. Não sabia nada da música, aí eu recebi um conselho: 'Se você não vai fazer, então você vai lá. Diga a ele', porque ele era o cara responsável pela compra de disco do Paes Mendonça [grande empresário da época]", relata.
A artista lembrou ainda que descobriu a paixão de Djalma pela mitologia egípcia e ele foi quem a convenceu a gravar o hit ao pedir para que ela parasse um tempo para conhecer a música.
"Ele era muito ligado nesse negócio de Faraó, na vida dele. Aí quando ele ouviu a música, ele ficou maluco para gravar. Procurou Luciano Gomes, recebeu dele a autorização e ele queria uma voz de uma mulher negra para cantar. E aí me identificaram. Eu fui lá para gravar, e disse: 'Olha, eu não estou muito afim de gravar essa música. Acho ela um negócio estranho'. Aí ele virou: 'Você já leu a letra da música?'."
Margareth Menezes
Maga esotérica
Apaixonada pelo mundo esotérico e místico, Margareth se encantou pela história contada por Luciano e aceitou gravar a música faltando apenas um dia para entregar a fita.
"Quando eu comecei a ler 'Deuses divindade infinita do universo, predominante esquema mitológico'… Naquela época eu lia muito dessa coisa mística, esotérica. Desde pequena eu sempre gostei muito desse universo, meu apelido é Maga. Eu nasci dia 13 de outubro, minha mãe casou dia 13 de janeiro. Sempre muita curiosidade nisso, e comecei a entender também sobre filosofia, do panteão dos Deuses do Egito, da Grécia. Aí eu terminei de ler e disse 'vou gravar'", disse aos risos.
Gravar uma música já é um grande passo para um artista em início de carreira, mas ouvir a própria voz tocando no rádio é uma emoção indescritível. Ao iBahia, a artista relembrou o momento em que ouviu o "Deuses e divindade infinita do universo", trecho da música que um dia chegou a achar estranho, pela primeira vez em um transmissor.
"A primeira vez que eu ouvi eu estava em um táxi e foi uma coisa incrível. Aí eu vi e pensei: 'agora eu sou artista, agora eu vi que o negócio foi'. Foi um marco para a minha carreira e eu tenho como o pontapé inicial da minha carreira como artista, na música".
A canção teve três gravações contando com a de Margareth, a da Banda Mel e a do Olodum. Com Maga, a faixa vendeu 100 mil cópias e, apesar de não ter tido retorno financeiro para a artista, fez com que a cantora assinasse seu primeiro contrato com uma gravadora, dando início à história na música com o pé direito. "A música teve três gravações em 87. Vendeu 100 mil cópias e eu nem sabia. Eu não ganhei nenhum dinheiro disso. No ano seguinte, eu fui contratada pela Polygram".
História de Faraó
Ao iBahia, o compositor Luciano Gomes contou como surgiu a canção que ganhou ainda mais fama na voz de Margareth. O baiano relatou ao site que foi procurado por João Jorge, do Olodum, entre os meses de agosto e setembro, quando costuma ser produzida a música tema do Carnaval, para compor o hit.
"Quando João Jorge pesquisou a respeito desse tema de Faraó, ele me procurou porque sabia que eu gostava de escrever e pesquisar sobre o tema. E me procurou dizendo 'Luciano, tem um tema aí que você vai gostar de pesquisar. É um grande desafio, você fazer uma canção sobre Divinidade do Egito'. Ele me deu a apostila como ele deu para todos os outros compositores", relembra.
O hit levou uma semana para ser escrito e Luciano poucos meses para conquistar o público dos ensaios do Olodum, da periferia da capital baiana e de Djalma Oliveira, fazendo com que a versão com Margareth surgisse.
"Essa canção tornou-se a mais divulgada entre a população da periferia, começaram a tocar nas praias, nos pontos de ônibus, nas festas de bairro. Foi a música que deu mais troféus ao Olodum. Participei do FEMADUM (Festival de Música e Artes Olodum) e ganhei o concurso com ela", disse.
Como dito por Margareth, ela chegou a pensar em recusar a proposta. "Ela não queria gravar essa canção porquê era muito difícil e muito grande. Tinha o fato de que a música também era muito grande e as emissoras de rádio não queriam tocar. Mas assim que eles perceberam o grande sucesso na época que era Faraó, não tinha como essa música ficar fora do repertório".
Ao site, Luciano ainda brincou com um fato curioso. Devido a letra complexa da canção, muitos artistas ainda erram a forma de cantar o hit. "Até hoje muitas pessoas cantam Faraó errado. Eu, de vez em quando, estou olhando alguns vídeos, e alguns sites de música tem a letra errada. Frases que foram escritas erradas", disse aos risos.
Para o compositor, fazer parte da história, não só do Olodum, como também da cultura baiana e brasileira é uma honra. Luciano ainda reforçou o talento de tantos outros compositores baianos que fizeram grandes sucessos para a música local.
"Me sinto honrado de ter sido o escolhido para compor Faraó, mas também eu não posso deixar de falar que na época de Faraó todos os outros compositores que participaram também poderiam ter feito essa música, eram muitos talentos".
Leia mais sobre Margareth 60 anos no iBahia.com e siga o portal no Google Notícias.
Veja também:
Bianca Andrade
Bianca Andrade
Participe do canal
no Whatsapp e receba notícias em primeira mão!