Não, não é a imagem de um velho castelo no Outono europeu. E esse céu azul desenhado por copas de palmeiras pode até parecer, mas não é o de Beverly Hills, nos Estados Unidos. A mangueira seca que dá um tom romântico às ruínas da Fábrica São Braz assim como as palmeiras imperiais à beira-mar compõem a paisagem de acesso a Plataforma, no Subúrbio Ferroviário de Salvador.
Se impressionou? Anderson Simplício, nascido e criado em Pau da Lima, também. Até conhecer a região, onde mora hoje, ele só ouvia falar de violência por lá. Mas aí ele se enamorou de Taiane, uma suburbana que o levou à praia de Periperi, e caiu de amores. Por ela e pelo lugar. Olhos atentos, não demorou para Anderson levar esse amor para as redes sociais e criar a fanpage Belezas do Subúrbio (www.facebook.com/Belezasdosuburbio), onde posta fotografias de comidas, pessoas, lugares e cliques do pôr do sol na Baía de Todos os Santos.
“Meu desejo é compartilhar o Subúrbio, mostrar o belo que existe aqui. Tenho a mania de ver beleza em tudo”, diz, apontando para a foto de uma flor nascida entre os trilhos do trem. Tanto amor atraiu mais de 75 mil seguidores, em um ano e meio. A cada postagem, milhares de curtidas e engajamentos.
O vídeo com uma panorâmica do mar inalcançável da praia de Inema, onde se hospedam presidentes da República, obteve 1 milhão de visualizações e 18 mil compartilhamentos. Outros campeões de acessos: o camarão alho e óleo de Neinha, em São Tomé, e a moqueca da Cabana do Camarão, em Plataforma. São receitas ‘sem frescuras’, segundo a gíria local, para destacar as fartas porções.
Pesquisa
Sabores e paisagens se misturam nos passeios de fim de semana. Como trabalha de segunda a sexta na parte administrativa do Hospital São Rafael, Anderson dedica sábados e domingos a garimpar belezas entre caminhadas pelos trilhos que ligam Paripe a Calçada. Ele chega a fazer 400 imagens com seu celular para escolher 15 e postar pouco a pouco. É muito afetuoso nas legendas: “Melhor lanche da tarde: suco de acerola e pocazói lapiado na manteiga. Quem gosta?”; “Um paraíso particular entre Tubarão e São Tomé”; “Seja bem-vindo ao lado bom do Subúrbio de Salvador!”.
Numa dessas incursões, se encantou com uma cabaninha feita de palha, na praia da Bacia, descendo a Ladeira do Mocotó, em Plataforma. Postou. Em pouco tempo, 3 mil curtidas. No dia seguinte, colheu os 15 minutos de fama com a garçonete Luana. “Menino, faça isso mais vezes que encheu isso aqui”, propôs a moça do outro lado do balcão, de olho na propaganda virtual. Com um belo pôr do sol, o Bar Cia (escreve assim mesmo, separado) vende cozido às segundas-feiras, mas seu forte são frutos do mar, pescados por Bia, apelido do dono.
O olhar apurado de Anderson tem seduzido muita gente fora dos limites dos trilhos do trem. Amigos e fãs passaram a frequentar as praias, pricipalmente as de Tubarão e São Tomé de Paripe. Depois relatam, encantados, a experiência.
O fotógrafo Tiago Quirino Troccoli, que circula com sua câmera Nikon D7100, conta como foi fisgado. “Eu vivia fotografando a Barra e o Rio Vermelho, mas vi que Salvador não é só isso”, revela o dono do perfil Soterografando, no Instagram. Da troca, que inclui até aulas de fotografia, nasceu uma grande amizade. Não raro, Anderson e Tiago saem juntos em aventuras fotográficas por fábricas abandonadas ou à espera de uma lua cheia atrás do morro de casinhas que esconde o Lobato. (Veja fotos de Tiago ao lado)
Passeio
Há muitos cantos para conhecer, de fato. Numa manhã ensolarada, guiados pelo anfitrião Anderson, embarcamos no Terminal Marítimo da Ribeira (R$ 1,50, a passagem). Em 10 minutos estávamos na Estação Almeida Brandão, de Plataforma. Passeamos pela ponte São João, erguida em 1860. Rimos muito com a lembrança do dia em que o ex-prefeito João Henrique, sua comitiva e a imprensa tiveram que descer do vagão, que parou bem na hora da reinauguração. Vimos as marisquerias catarem seu sustento na lama e as mulheres dos pescadores tratarem a sardinha (R$ 2, o quilo) em São João do Cabrito.
Perto dali, apreciamos a vista da Igreja de Escada e passamos pela Praça da Revolução com seu shopping de compras no chão, em Periperi. Sentimos o frescor do Bosque de Pinheiros das monjas beneditinas, instaladas em um mosteiro de 1977, em Coutos. Visitamos também o comércio fervilhante do centro de Paripe e as praias inacreditavelmente azuis e calmas de Tubarão e São Tomé. Tudo, tudo aqui é beleza. É só destampar o olhar.