Em meio às idas e vindas da carreira, Raul Seixas viveu desde as dramáticas tortura na Ditadura Militar até ter a experiência de cantar em programa infantil, o que gerou questionamentos sobre o possível fim de uma era para o roqueiro. Apesar disso, o Maluco Beleza se manteve fiel à música e ao que acreditava. O cantor ocultava filosofia, crítica social e até provocação ao sistema em suas letras, que ainda hoje surpreendem aqueles que já ouviram milhões de vezes suas canções.
Ele dizia que quando ele tava com o microfone na mão era mais poderoso que a bomba atômica. Vivian Seixas, filha de Raul
As crianças que foram atraídas pela melodia animada de "Plunct plact zuum", nem imaginavam que o "Carimbador Maluco", que dá o nome da canção de 1983, era uma referência à censura feita pela repressão militar da época.
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Muito antes disso, desde o primeiro álbum como artista solo, "Krig-ha, Bandolo!" (1973), o Maluco Beleza já mostrava a coragem e criatividade musical com versos como "eu sou a mosca que pousou na sua sopa", que também criticava o sistema.
A genialidade de Raul estava na maneira como ele falava o que queria, mesmo que de formas subliminares. “Maluco Beleza”, “Carimbador Maluco”, “Gita” e “Mosca na Sopa” são hinos de rebeldia e revolução, mas guardam mensagens escondidas, provocações filosóficas e até códigos que escaparam da censura militar nos anos 1970.

Na série que celebra os 80 anos de Raul Seixas, o Mundo GFM separou curiosidades de cinco obras do roqueiro indomável, com relatos das filhas Vivian e Scarlet Seixas e do dramaturgo e pesquisador das artes cênicas, Edvard Passos, que trabalhou diretamente com o irmão do Rei do Rock Brasileiro, Plínio Seixas.
'Mosca na sopa'
Em 1973, Raul lançou o primeiro disco solo, "Krig-ha, Bandolo!". Nele, o artista apresentou ao mundo a versão filosófica que conquistaria multidões. Entre as faixas está “Mosca na Sopa”, com letra repetitiva em tom de brincadeira falando que é "a mosca que pintou pra lhe abusar", mas a canção virou alvo da Ditadura Militar.

Um documento da Divisão de Censura de Diversões Públicas, que viralizou nas redes em 2023, mostra a avaliação feita pelos militares da época alegando que a música era simples, apresentando “estupidez e mau gosto”. E, assim, a obra foi liberada para reprodução.
O que passou aos ouvidos dos avaliadores foi o recado implícito: a sopa poderia representar a sociedade controlada pelo regime e a mosca seria Raul Seixas, aquele que incomoda e insiste em não ir embora.
'Maluco Beleza' e o reflexo da infância.
A expressão "maluco beleza" veio de uma brincadeira infantil entre Raul e o irmão Plínio. Eles classificavam as pessoas como algum tipo de característica, como "maluco brabeza", "maluco de jogar pedra", "maluco disso e daquilo".
"O maluco beleza era uma coisa da infância que era o maluco que Raul queria ser", explica Edvard Passos, diretor da peça infantojuvenil "As Aventuras do Maluco Beleza", inspirada na infância do cantor e contada através dos olhares de Plínio, irmão de Raul.
O termo virou sinônimo de Raul e um ideal de vida alternativo, fora dos padrões impostos pela sociedade.
'Gita': o hino sagrado
Meu pai não estava apenas cantando, ele estava invocando algo antigo, algo eterno Scarlet Seixas, filha de Raul.
A segunda filha do cantor, Scarlet Seixas, acredita que "Gita" é subestimada pelo público ainda hoje, não em popularidade, mas na profundidade do sentido. Inspirada no texto sagrado hindu Bhagavad Gita, essa música é uma invocação poderosa. Em vez da crítica social e política, Raul se coloca como “a luz das estrelas, a cor do luar”, em referência ao divino e à religiosidade presente em todas as coisas.
"Era nisso que ele se baseava, e acho que essa mensagem sagrada se perdeu para algumas pessoas que a ouviam apenas com a mente, e não com a alma", afirma Scarlet.
A canção revela uma versão do cantor que mergulhava na espiritualidade e filosofia, em um disco que também se conecta com a "Sociedade Alternativa", em que fazer o que quer era a única lei.
'Carimbador Maluco'

Raul vestiu uma fantasia e apareceu na programação da TV Globo nos anos 1980 cantando para crianças a música "Carimbador Maluco", conhecida como "Plunct Plact Zuum". Na época, o cantor estava a procura de oportunidades para reatar a carreira musical e o programa infantil foi a porta de entrada.
O que poucos sabem é que a música infantil se baseia no texto de um filósofo anarquista francês chamado Pierre Proudhon, que fala sobre o homem ser controlado. Deste texto, Raul escreveu na canção que o homem "tem que ser selado, registrado, carimbado".
"Meu pai era danado. Ele conseguia embutir mensagens nas letras dele. Eu acho que isso é um dos segredos dessa genialidade do meu pai. Ter que lidar com a ditadura também, eu acho que esse período deve ter mexido muito com a mente de todos eles [os artistas]", contou Vivian Seixas.
'Tente Outra Vez': o grito de esperança.
Em meio a tantas composições de protesto, Raul Seixas traz um ar de esperança e respiro com "Tente Outra Vez". A canção que fala sobre persistir e acreditar em si mesmo diante das dificuldades se tornou um dos maiores sucessos do cantor e inspira quem ouve ainda hoje, desde fãs a artistas.
A dupla Chitãozinho & Xororó, por exemplo, quase desistiu da carreira. Os irmãos passaram por um período de dificuldade financeira a ponto de só ter um Fusca para chamar de seu. Quando estavam prestes a vender o carro e deixar os palcos, ouviram tocar na rádio "Tente Outra Vez", composta por Raul Seixas e Paulo Coelho. Para os irmãos, a música foi um sinal.
"E a gente tentou. Fomos até a gravadora, pegamos um adiantamento, não vendemos o Fusca, e dois ou três anos depois, veio o nosso primeiro disco de ouro, em 1978", contou Xororó, durante participação no programa 'Os Melhores Anos das Nossas Vidas', da TV Globo.

Entre sambas, rap's, rock, valsa e baião, as canções de Raul Seixas nunca foram apenas hits. O cantor abraçava todos os estilos, sempre com uma mensagem ou crítica escondida em códigos. Hoje, redescobri-las vai além da nostalgia, é uma forma de se conectar com a arte e entender o poder dela no contexto histórico do Brasil, além de reforçar a coragem e genialidade de um artista que, mesmo vigiado, nunca se calou.
O Mundo GFM celebra 80 anos do Maluco Beleza
O Mundo GFM realiza uma série de reportagens em homenagem aos 80 anos de Raul Seixas. Na próxima reportagem, você confere como a vida e a obra do artista continuam influenciando novas gerações, seja nos palcos com artistas que prestam tributo ao cantor ou no teatro, com peças inspiradas na vida do Rei do Rock brasileiro.