Impossível esquecer. Quem teve o prazer de conviver de perto ou ter acompanhado a carreira de grande sucesso do sambista Clementino Rodrigues, o Riachão (1921-2020), terá para sempre gravados no coração e na memória o sorriso, a ginga e a baianidade que esse artista singular transpirava em todos os poros.
Uma figura que parece ter surgido a partir de um desenho, uma caricatura, onde um artista gráfico, por encomenda, tivesse tido a tarefa de criar um personagem que representasse o povo preto, de alma sambista e astral africano, que faz festa por segundo, que anda meio que pulando enviesado para os lados, com pernas arqueadas, típicas de um bom passista, roupa e boné brancos, toalhinha colorida sempre no pescoço, um gostoso sorriso estampado em uma boca cheia de dentes, parecendo um teclado de piano. Ah, e claro, uma sensibilidade de fazer rir, sempre com gestos humildes e carinhosos que levavam paz, alto astral e satisfação a todos em volta.
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O samba baiano teve e tem o seu símbolo. Esse homem simples, que vivia com orgulho no bairro do Garcia, foi perfeitamente identificado como um “cronista musical da cidade”. Por onde passava e via algo diferente e inusitado, fazia logo um samba, retratando o cotidiano da nossa Salvador.
Gostava sempre de explicar como se inspirava para fazer músicas, se referindo a si próprio, falando na terceira pessoa.
"Aí, andando na Praça da Sé, o malandro viu o caminhão com a enorme baleia. Aí olhando pro céu, viu Jesus Cristo me mandar essa: 'Olha, eu fui para a cidade despreocupado/ Quando cheguei na Sé, vi um povoado / Oi, minha gente, fiz um perguntado/ Responderam que a baleia é quem tinha chegado / Eu vi o caminhão (Da baleia) / Eu vi o cabeção (Da baleia) / Eu vi o barrigão (Da Baleia) Eu vi o umbigão / (Da baleia) / Eu vi o rabão / (Da baleia) Só não vi uma coisa, (diz...) Da baleia...'" Riachão
Sua coleção de sucessos chamou a atenção de “gente graúda” da música, como Caetano Veloso e Gilberto Gil, que gravaram “Cada macaco no seu Galho”. Essa canção caiu como uma luva para a despedida dos dois, forçados ao “exílio” em Londres, imposto pela ditadura militar nos anos 1960. E bem mais tarde, foi a vez de Cássia Eller, que se apaixonou por “Vá morar com o diabo”.
Ah, Riachão... que falta que você faz, nessa cidade da Bahia onde em cada esquina, gente de alma festeira que nem você, está sempre fazendo um samba. Mas sem muito esforço é possível vermos você sambando enviesado, todo ano, no Carnaval, ali na saída do ‘Mudança do Garcia’, em direção ao Campo Grande, na segunda-feira. E também em cada roda de samba onde um pandeiro, um cavaquinho e uma batida de mão, faz a festa de gente simples que nem você. A benção, eterno Riachão!