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Baiacu, um monossílabo e o símbolo do cobre

Baiacu é um peixe desaforado que resiste muito tempo fora da água e ao ser incomodado incha a parte abaixo dos dentes

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01/12/2013 às 19:47 • Atualizada em 28/08/2022 às 11:18 - há XX semanas
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Chega a ser hilário como algumas coisas são levadas para uma conexão com famosos orifícios do corpo. Apesar de existirem outros orifícios sugestivos e atraentes, este tem sido o campeão de referências. Às vezes por um detalhe ou até por uma rima que poderia ser outra constroem uma confusão tão grande que nem saberíamos como consertar. Será que há conserto para as verdades criadas e repetidas? Na ilha de Itaparica, cidade de Vera Cruz, tem uma localidade chamada Baiacu.

Baiacu é um peixe desaforado que resiste muito tempo fora da água e ao ser incomodado incha a parte abaixo dos dentes. Quando alguém fica chateado e resolve demonstrar a sua insatisfação, fazendo o pescoço parecer menor, diz-se que essa pessoa está como um baiacu. Nestes casos não se propõe a mudança da sílaba tônica da última para a penúltima sílaba, especificamente para a letra “a”, como forma de tentar esconder a existência da expressão que também nomeia a porção final do intestino grosso e é o símbolo do cobre. Não peçam que eu escreva esta palavra tão conhecida. Sobre este monossílabo posso afirmar que todo mundo tem um ou todo mundo tem o seu. Melhor, todo mundo tem um dado por Deus. Pronto, acho que resolvi a confusão e extirpei possibilidades libidinosas que poderiam ser compreendidas como tentadoras da moral e dos bons costumes. Que pena! Tem gente que deve está endoidecido para eu perder a compostura e apimentar a língua. Consultem a tabela periódica, e vejam a sigla do 29° elemento.

A verdade é que quando ainda lecionava em Vera Cruz, os meninos e as meninas temiam e amavam a pronuncia original, portanto oxítona, do nome da sede da festa do Senhor da Vera Cruz só por conta da possibilidade da associação ao órgão. Nem sei se eles ficavam preocupados com estas atrapalhações que fiz agora, possibilidades de uso da língua todo mundo tem, basta um pouco de criatividade. Com certeza tudo isso pode contribuir para a riqueza vocabular. Esperem aí, já sei, as pessoas vão me cutucar, só porque falei de uso da língua. Parece que temos que medir muito bem tudo aquilo que escrevemos. O problema é que adoramos colocar uma ou mais interpretações em quase tudo que escrevemos ou dizemos.

Pode ser uma questão de química. Eles, os químicos utilizam o símbolo do cobre sem a menor preocupação que assola a nós outros seres humanos. Uma famosa professora jurou de pé juntos que seu texto guardado no armário é todo possuído por essas duas letrinhas, pelo cobre. Fico imaginando a leitura abreviada do nome deste elemento por senhora tão recatada em conceituadíssimo congresso de química lá para as bandas do Baiacu. A reação da comunidade roubaria a cena.

Não vejo necessidade alguma de mudar a pronuncia da palavra Baiacu. Novos visitantes e veranistas da ilha já pronunciam da forma preconceituosa, eles ouvem assim. Acho uma pena que por conta da referencia ao edi, palavra ioruba que pode ser traduzida pela sigla do elemento químico, deixem de lado a primordial pronuncia da palavra. Puro veneno, não o veneno do peixe, mas das pessoas. Todos os órgãos do corpo são importantes.

Baiacu, oxítona, é uma das localidades mais atrativas da ilha. Quem for por lá, não esqueça de perguntar sobre os segredos e Axés das pedras de um velho terreiro de Xangô e da gameleira que segura as ruínas da velha igreja. Agora, por favor, não desafiem os mistérios do poço que guarda baús de ouro, prata e diamantes. Quem ousou invadir a privacidade da árvore e do poço sagrados ou as sombras da velha igreja não voltou. Os ousados provaram da força do veneno das vísceras do baiacu e entraram para uma triste e fantasmagórica estatística de sumidos e de desaparecidos. Bom seria se desaparecessem essas tentativas de mudar o nome da localidade por receio do riso. É melhor ri do que chorar e além do mais o peixe baiacu não vai mudar de nome e nem de mares por incômodos alheios. Apesar de inchado, ele vive feliz com o seu nome e quem disser o contrário pode ser acometido pela química do cobre grosso com direito a sigla e tudo o mais.


*Gildeci de Oliveira Leite é professor de Literatura da UNEB, Doutorando em Difusão do Conhecimento pela UFBA e Mestre em Literatura pela mesma instituição. Escritor com publicações de crítica literária além de Crônicas e outras narrativas. Dentre os principais aspectos de sua pesquisa destaca-se o estudo da obra de Jorge Amado.

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