As novas regras do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), que entram em vigor neste ano, deixariam de fora 10% dos estudantes inscritos para o benefício no primeiro semestre de 2019, se já estivessem valendo à época.
De acordo com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), 90% candidatos da primeira leva do programa no ano passado obtiveram nota acima de 400 pontos na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), como preveem as novas diretrizes anunciadas pelo Ministério da Educação (MEC) em dezembro.
Em relação ao índice de pré-selecionados pelo Fundo, a taxa é de 9,2% que não alcançaram o novo desempenho mínimo. O FNDE não forneceu dados sobre o quanto isso representa em números absolutos até o fechamento desta edição.
Segundo especialistas, as mudanças podem aprofundar o vácuo deixado pela desidratação do programa ao longo dos últimos anos e intensificar problemas para o educação superior brasileira, como a proliferação de instituições de ensino de baixa qualidade.
Eles afirmam ainda que a alteração contribui para deixar o campo ainda mais aberto a iniciativas particulares de financiamento (como bancos ou créditos privados) que, segundo Censo da Educação Superior, desde 2017 já são responsáveis por financiar a maioria dos estudantes matriculados em universidades particulares.
Em 2018, enquanto 1.627.488 matrículas tinham como fonte outro tipo de financiamento que não os do governo, somente 821.122 eram mantidas pelo Fies e 575.099 pelo ProUni.
Regras mais restritivas
As normas publicadas no Diário Oficial no dia 27 estabelecem que o estudante deve alcançar 400 pontos na prova de Redação do Enem para ter direito ao Fies, além de nota superior a 450 pontos na questões de múltipla escolha.
Antes, fora a pontuação na parte alternativa, era necessário apenas que o estudante não zerasse a redação.
A medida se soma a um conjunto de regras de endurecimento na concessão do benefício que começaram ainda na gestão do presidente Michel Temer.
Após atingir o auge em 2014, com 732,6 mil contratos firmados, com a crise econômica e as mudanças nas regras iniciadas no governo Temer, o programa foi sendo reduzido ao longo dos anos registrando apenas 84,9 mil contratos em 2019.
— A situação hoje é tal que, se alguém pesquisa "Fies" no Google, aparecem três ou quatro alternativas privadas. O financiamento já estava desidratado mesmo antes dessa mudança — analisa Leandro Tessler, professor da Unicamp e especialista em ensino superior.
— O setor privado está sufocado devido à diminuição da capacidade de pagamento da classe média e aí vão proliferar universidades de massa que cobram de R$ 300 a R$ 400 de mensalidade e que oferecem uma educação condizente com esse valor.
Um dos agentes mais beneficiados pela antigas das regras do Fies, as instituições privadas de ensino são as que mais criticam o endurecimento das normas de financiamento, que foram reformuladas para, segundo a gestão Temer, tornar o fundo "sustentável".
Na época, houve redução do teto de financiamento, desconto direto da fonte para pagamento da dívida, redução do período de carência para começar a quitar a dívida, taxa de juros variável em algumas modalidades, entre outros pontos.
Inadimplência recorde levou a novas regras
O novo cálculo de rota para o programa foi feito após o rombo gerado nos cofres públicos pela inadimplência — em abril passado, a dívida acumulada no Fies chegou a R$ 13 bilhões.
Celso Niskier, presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), nega que as instituições privadas queiram regras frouxas no Fies, mas diz que o governo tem reduzido drasticamente o alcance do programa:
— Somos a favor da meritocracia, mas o Brasil tem uma situação injusta. Os alunos de faixa mais baixa de renda são justamente aqueles que não conseguem alcançar o patamar dos 400 pontos na redação, porque tiveram uma educação básica ruim. Não é falta de esforço, é falta de base. Ao estabelecer esse critério, na prática o governo torna mais distante o sonho da universidade para jovens carentes. Com a reestruturação do Fies dentro de critérios que atendem mais ao financeiro do que ao social, o programa ganha sustentabilidade, mas perde alcance.
Junto com as novas regras para obtenção do financiamento, o MEC anunciou que poderá cobrar judicialmente contratos firmados até o segundo semestre de 2017 com dívida acima de R$ 10 mil e com 360 dias de inadimplência.
De acordo com o FNDE, cerca de 580 mil contratos do Fies estão em amortização e com atraso superior a um ano no pagamento das prestações. Mas o órgão esclarece que " nem todas as situações se enquadram na regra da cobrança judicial. Cada caso está sendo analisado pela equipe técnica do FNDE".
— Nunca o governo vai receber de volta o empréstimo que colocou no Fies e essa gestão de agora está tentando moralizar isso. Estão dando um tiro ideológico, jogando para a torcida, com essa mudança nas regras, porque o Fies já não é uma coisa muito importante no financiamento do ensino superior desde o governo Temer - opina Tessler.
Quais foram as mudanças
Aumento na nota: antes os estudantes tinham que obter 450 pontos na prova de múltipla escolha do Enem e não zerar a redação. Agora, além dos 450 pontos da prova alternativa, precisam alcançar 400 pontos na redação.
Transferência de curso: As novas regras limitam também a transferência de curso. Para mudar de curso, o estudante deve ter obtido nota igual ou superior à nota de corte do curso para o qual pretende se transferir.
Cobrança judicial: a partir de agora, o MEC poderá cobrar judicialmente contratos firmados até o segundo semestre de 2017 com dívida acima de R$10 mil e com 360 dias de inadimplência. Antes, a cobrança era apenas administrativa.
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Redação iBahia
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