Todos os dias, a primeira coisa que Laurana Franco faz, antes mesmo de sair da cama, é colocar um termômetro na boca. É parte do método contraceptivo que a analista de marketing adotou há um ano e meio, quando trocou a pílula por um aplicativo. O algoritmo calcula os dias do mês em que a mulher provavelmente está fértil com base nas leituras diárias da temperatura corporal e nas informações do ciclo menstrual, conhecido também como método sintotermal.
Em agosto, o Natural Cycles foi o primeiro aplicativo reconhecido como contraceptivo pelo órgão que regula os medicamentos nos Estados Unidos, a FDA (Food and Drug Administration), uma decisão que gerou controvérsia. Em 2017 o ministério da saúde alemão já havia emitido certificado similar. O fabricante estima que 900 mil mulheres utilizem esse método no mundo todo.
O uso diário do termômetro basal que acompanha o aplicativo e que tem dois dígitos decimais permite estimar os dias férteis de uma mulher, quando o corpo feminino tem alterações leves de temperatura. Nesse período, um sinal vermelho aparece na tela indicando que o uso preservativos ou a abstinência são necessários. Há mais regras: nos dias que a mulher está doente, a temperatura deve ser desprezada, o mesmo vale para quando tiver bebido muito na noite anterior ou quando dormiu menos que o normal. O indicado, na realidade, é evitar esses comportamentos.
Para Laurana, isso não foi problema, ela já tinha uma vida regrada e não costuma passar de uma dose de bebida quando sai. Conta que abandonou a pílula por indicação de um hepatologista, após ser diagnosticada com nódulos no fígado pelo uso contínuo dos hormônios. Desde então, sente-se com maior disposição física e mental. Conta que antes se sentia mais cansada e até mesmo mais triste. Mas alerta que é preciso disciplina.
— Não é para todo mundo. Demanda uma rotina de sono, uma responsabilidade grande. Precisa realmente se dedicar e estudar o método sintotermal e a fertilidade.
A analista de marketing também afirma que o aplicativo não é a melhor indicação para pessoas que não querem ter filhos “de jeito nenhum” e conta que já viu casos de mulheres que engravidaram durante seu uso.
O presidente da comissão de anticoncepção da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Rogério Bonassi, acredita que o método mais indicado para mulheres que não querem ter filhos de forma alguma é o DIU de hormônio.
— Tudo depende da seguinte pergunta: o quanto você está disposta a aceitar uma falha? Assim como na tabelinha, o aplicativo usa o histórico de ciclos para estimar o período fértil. Por mais regular que seja o ciclo da mulher, há variações até por estresse. Não é um método reprovado ou condenável, é uma alternativa, como existem inúmeras.
A chef de cozinha Alice Tavares confessa que, depois de cinco meses de uso perfeito, tem enfrentado dificuldades em manter seu sono sob controle por conta da profissão.
— Trabalhando em cozinhas há oito meses, não tenho mais uma vida regrada. Às vezes acordo às 4h, às vezes às 10h. Então uso camisinha sempre. Tornou-se mais uma forma de conhecer meu corpo do que um contraceptivo.
Eficácia questionada
O Natural Cycles é apenas um no meio de um vasto grupo conhecido como femtech, um termo para a chamada “tecnologia de saúde feminina". Neste mercado bilionário, todos os aplicativos usam algoritmos para unir informações variadas: alguns usam apenas o calendário menstrual, outros pedem dados como testes de fertilidade, frequência sexual e observação do muco cervical, secreção produzida pela mulher que muda durante a ovulação. Entre as adeptas, há desde mulheres que querem abandonar os hormônios sintéticos até as que têm como objetivo encontrar seus dias férteis na tentativa de engravidar.
A certificação do aplicativo pela FDA abriu um debate sobre sua eficácia: segundo uma pesquisa feita pelo próprio fabricante, as chances de se engravidar em um padrão de uso típico, aquele que conta com possíveis erros da consumidora, chegam a quase 7%. A taxa de erro estimada no uso típico de pílulas anticoncepcionais gira em torno de 9%. Já a taxa de “uso perfeito” do app, quando não há erro, reduz o risco para 1%, enquanto a da pílula cai para menos de 0,3%.
— Esse percentual é bastante questionável — afirma Márcio Coslovsky, ginecologista membro da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida e da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia.
Ele ressalta o fato de que esta taxa foi estabelecida por uma pesquisa feita pela própria empresa e lembra que, no início do ano, foram revelados 37 casos de usuárias que engravidaram na Suécia, país da empresa responsável.
— Lá a mulher pode dizer que errou o uso do aplicativo e resolver isso de um dia para o outro. Aqui, não.
Ao aprovar o Natural Cycles para uso como contraceptivo, Terri Cornelison, diretor assistente de saúde da mulher no Centro de Dispositivos e Saúde Radiológica da FDA, lembrou que “nenhuma forma de contracepção funciona perfeitamente”.
— Este novo aplicativo pode fornecer um método eficaz de contracepção se usado com cuidado e corretamente — disse. — Mas as pessoas devem saber que nenhuma forma de contracepção funciona perfeitamente, então uma gravidez não planejada ainda pode resultar do uso correto deste dispositivo.
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Redação iBahia
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