No ar desde 31 de março, “13 reasons why” tornou-se uma das séries mais comentadas da temporada. Baseada no best-seller “Os 13 porquês” (Ática), de Jay Asher, a atração da Netflix estreou cercada de elogios pela abordagem madura de temas do universo adolescente, como bullying e suicídio. Entre a crítica especializada, a produção do showrunner Brian Yorkey tem 93% de aprovação, segundo o site Rotten Tomatoes.
Quase duas semanas depois da estreia, porém, uma reviravolta ameaça a recepção positiva da série. Nas redes sociais, espectadores, críticos e psiquiatras questionam: “13 reasons why” pode servir de gatilho para quem sofre de depressão ou tem tendências suicidas? Por tratar o suicídio de forma tão metódica e explícita (sim, a cena em que Hannah, a protagonista, comete o ato é mostrada em todos os detalhes), a série pode levar outros jovens a fazer uma escolha tão trágica? Afinal, como a ficção deve abordar o assunto?
Na trama, a personagem de Katherine Langford comete suicídio após sofrer uma série de agressões físicas e psicológicas por colegas de escola. Antes de tirar a própria vida, ela grava fitas cassete em que identifica as 13 pessoas que considera responsáveis por tê-la feito se sentir sem saída. Entre os “porquês”, estão assédio sexual, estupro, bullying e violação de privacidade.
"Não é uma opinião pessoal, e sim um fato: a veiculação ou divulgação de um suicídio pode inspirar pessoas que pensam no assunto", diz Carmita Abdo, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). "Se, por um lado, estamos nos solidarizando pela Hannah e mostrando os riscos que ela pode sofrer dentro de situações cotidianas, por outro estamos, talvez sem saber, dando munição para muitos indivíduos que sofrem de desequilíbrio mental. Uma saída para a ficção é falar sobre o suicídio como algo que se pode combater, em vez de se afirmar somente que é um evento horrível",
"Trata-se de uma ficção, um produto de entretenimento, mas que aborda temas sensíveis e que necessitam de um certo cuidado. Esse cuidado existiu, a produção contou com a consultoria de profissionais de saúde durante todo o processo", defende Amanda Vidigal, gerente de comunicação da Netflix no Brasil. "Mas vale lembrar que “13 reasons why” é uma adaptação do best-seller em que a cena do suicídio já era descrita de forma detalhada. O próprio autor disse que sua intenção era criar uma passagem desconfortável", afirma.
De acordo com Carlos Correia, voluntário do CVV, desde a estreia da série o número de atendimento diários aumentou de 50 para cerca de 300 e, muitas vezes, “13 reasons why” é mencionada. "Essa é uma situação comum na ficção, já aconteceu com outras séries, filmes, livros. Vimos como positiva a oportunidade de ajudar os espectadores da série, que podem nunca ter ouvido falar no CVV", explica Correia. "Entre meus colegas voluntários, cada um tem uma opinião diferente: uns acham válido abordar o assunto dessa forma tão explícita, outros acham que a série pode, sim, induzir ao suicídio. É uma questão bastante subjetiva, e não é do escopo do trabalho do CVV avaliar se isso é bom ou ruim", conta.
Uma outra crítica recorrente a “13 reasons why” questiona o estado racional em que Hannah se encontra prestes a se suicidar. Apesar de mergulhada em depressão e apatia, ela planeja minuciosamente o ato e as suas consequências para as 13 pessoas que julga responsáveis pela sua morte.
"Pessoas se matam por razões variadas. Não é apenas um ato de loucura. Historicamente, parte dos suicídios é cometida por pessoas que pensaram minuciosamente e não viram outra solução. Não vejo incompatibilidade no ato da Hannah", argumenta o jornalista Arthur Dapieve, colunista do GLOBO e autor de “Morreu na contramão” (editora Zahar), que discute o “efeito Werther” (tese de que o suicídio, quando amplamente noticiado, torna-se “contagioso”) e identifica o suicídio como fenômeno racional.
"Um exemplo é a carta de Getúlio Vargas, uma “obra-prima” da nossa literatura e ainda um gesto político. Estabelecer uma regra sobre como alguém se comporta não é coerente com a literatura sobre o assunto. A OMS aconselha abordar o tema, mas sem demonizar ou santificar o suicida. É aí que pode estar a falha da série", afirma.
Para a roteirista Renata Corrêa, tabus são o motor da ficção. "A série é um recado para as pessoas vivas e o que elas podem fazer quando alguém sofre. Qualquer assunto tabu deve ser trazido para a luz. O silêncio e o mistério podem ser muito mais nocivos", diz.
Veja também:
Leia também:
Redação iBahia
Redação iBahia
Participe do canal
no Whatsapp e receba notícias em primeira mão!