A Operação 'El Patron', que cumpriu 33 mandados de busca e apreensão e prendeu seis pessoas investigadas por envolvimento em um grupo miliciano com atuação em Feira de Santana, na Bahia, chamou atenção para o jogo do bicho no estado. A lavagem de dinheiro da contravenção é uma das ações praticadas pelo grupo, segundo a Polícia Federal.
O deputado estadual pela Bahia, Binho Galinha, filiado ao Patriota, é apontado como chefe do grupo que atuava há pelo menos 20 anos, e chegou a movimentar cerca de R$ 100 milhões na última década.
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Recentemente, o lançamento da série “Vale o Escrito”, que remonta a história da contravenção do Rio de Janeiro, produzida e lançada pela Globoplay, também colocou o tema em evidência. Mas afinal, como surgiu e como funciona o jogo do bicho?
Para quem já gastou minutos de trabalho mental tentando entender o nome da modalidade de apostas, a resposta é muito simples. O jogo é do bicho justamente por ter nascido como forma de viabilizar a manutenção de um zoológico localizado no Rio de Janeiro. É na capital daquele estado, no ano de 1893, que nasce o esquema de apostas que viria a se espalhar por todo o Brasil.
Ao adquirir um ingresso de mil réis para o zoológico, o comprador concorreria ao prêmio de vinte mil réis, sobre o qual passaria a ter direito se o animal impresso em seu bilhete fosse o mesmo exibido em um quadro horas depois. Para efetivar a proposta, o Barão Drummond, dono do zoológico, mandou desenhar 25 animais diferentes. O jogo fez sucesso e logo se espalhou pela cidade e Brasil afora.
Cada bicho era representado por quatro números consecutivos compreendidos entre 00 e 99. Havia 25 bichos numerados de 1 até 25 por ordem alfabética. Os números de 00 a 99 correspondiam aos 25 bichos conforme uma progressão aritmética, calculando o próximo múltiplo de quatro.
Por exemplo, o camelo (8) é 29-32, e a vaca (25), 97-00. Ao final do dia, os organizadores do jogo revelavam o nome do bicho vencedor e afixavam o resultado em um poste.
Atualmente, o bicho correspondendo a um número entre 0000 e 9999 é indicado pelos dois dígitos finais. O jogador pode apostar qualquer valor. Quanto maior o valor apostado em uma sequência numérica (milhar, centena, dezena, etc.), maior será o prêmio em caso de acerto.
A organização do jogo do bicho na Bahia
Na Bahia, a tentativa de organização do jogo do bicho para enfrentar as repressões data de 1986, quando banqueiros que operavam as apostas criaram a União de Banqueiros da Bahia (UBB).
A associação tinha como finalidade evitar disputas para abertura de pontos e evitar a cobrança de valores excessivos nas que já existiam. Previa ainda a organização geral do jogo na capital, uniformizando os resultados e pagamentos.
Em junho de 1990, segundo pesquisa de Jair Nascimento Santos, do ano de 1996, nasceu a Paratodos Bahia, uma empresa sem registro legal para gerenciar o jogo do bicho no estado. A organização foi criada tendo como exemplo outra semelhante que já atuava em Fortaleza, capital do Ceará.
Segundo a pesquisa, a cúpula da empresa funciona da seguinte forma: 43 sócios-cotistas reúnem-se e elegem o presidente e o conselho fiscal, o qual tem mandato de dois anos, com início sempre no primeiro dia do ano. O presidente eleito escolhe entre os cotistas três nomes para as diretorias administrativa, financeira e de apuração.
Em 2007, a Operação Aposta, deflagrada em Salvador (BA), teve como alvo 20 integrantes de uma organização criminosa voltada para a exploração ilícita de jogos de azar por meio de máquinas caça-níqueis, com ramificações fora do Brasil.
A ação resultou no fechamento de dezenas de casas de bingos e na apreensão de mais de mil máquinas eletrônicas programáveis (MEPs), conhecidas como caça-níqueis, videobingos e videopôquer.
A denúncia do Ministério Público Federal na Bahia listou crimes como contrabando; formação de quadrilha; lavagem de capitais; manutenção de depósitos não declarados no exterior; obtenção de ganhos ilícitos em detrimento de número indeterminado de pessoas mediante processos fraudulentos por meio de MEPs; porte, detenção e fornecimento de arma de fogo sem autorização legal e guarda de cédulas falsas.
O fundador e líder maior da Paratodos na Bahia, além do próprio filho e outros diretores da organização estiveram entre os denunciados.
Já em 2011, a operação “Efeito Dominó” cumpriu mandados de prisões preventivas e temporárias nos Pará, Rio de Janeiro e Bahia. O objetivo era desarticular organizações criminosas envolvidas com a exploração ilegal de jogos de azar, como o jogo do bicho. Em Salvador, a polícia prendeu um empresário e um contador, além de cumprir mandados de busca e apreensão. À época, cerca de R$ 350 mil em dinheiro, contratos e registros de movimentação bancária do esquema foram encontrados.
Em investida mais recente, ocorrida em agosto deste ano, oito mandados de busca e apreensão foram cumpridos em Salvador na 5ª fase da “Operação Lavanderia dos Sonhos”. Foram apreendidos dinheiro em espécie, celulares e além de documentos em endereços comerciais e em uma residência no condomínio Costa Verde, pertencentes aos empresários suspeitos.
Realizada em conjunto pelos Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado e às Organizações Criminosas (Gaecos) da Bahia, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, a operação visou combater uma organização criminosa envolvida com a prática de infrações penais graves na cidade de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, como a lavagem de dinheiro decorrente da exploração de jogos de azar, dentre os quais o jogo do bicho.
A prática do jogo do bicho é crime?
No Brasil, o jogo do bicho não é considerado crime. Trata-se de uma contravenção penal, prevista no art. 58 do Decreto Lei nº 3688/41. A legislação prevê pena de prisão e pagamento de multa.
Para as leis brasileiras, a principal diferença entre crime e contravenção é o nível de gravidade da ação.
Mari Leal
Mari Leal
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