"Eu nasci para compartilhar a minha cultura". Essa foi uma das frases utilizadas por Ingride Banzo, soteropolitana, de 30 anos, que comanda a primeira escola de samba criada em Atlanta, na Georgia, Estados Unidos. Em conversa com o Preta Bahia da semana, ela divide uma história de dedicação, talento, volta por cima e inspiração.
A Bahia é celeiro de artistas completos. Artistas esses que tocam, dançam, cantam e levam o público ao estado de euforia. Ingride faz parte da lista. Dominadora de muitas funções, a soteropolitana concilia o cargo de professora de dança e capoeira com o de personal trainer, empresária de uma linha fitness, passista da escola de samba do Salgueiro e musa da também escola, União da Ilha do Governador.
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Nem sempre foram flores na caminhada da baiana. Após um episódio traumático de violência doméstica cometida pelo pai, Ingride se redescobriu depois de ter o primeiro contato com uma roda de capoeira. A partir daquele momento ela passa a integrar o Cria - Centro de Referência Integral de Adolescentes -, e posteriormente amadurece o universo da dança na Funceb - Fundação Cultural do Estado da Bahia.
"Eu tive uma infância sofrida, não sabia o que gostaria de ser quando adulta, um certo dia vi a roda de samba e uma amiga me puxou [...] antigamente eu dizia que queria ser feliz, que não gostaria de viver aquela pressão psicológica, e a capoeira me salvou. A dança e a capoeira me escolheram. Em um ano de Cria e Funceb eu já estava fazendo pequenos shows, depois de um tempo eu ganhei concurso do Malê Debalê e fiquei em segundo lugar".
O mundo conheceu a arte e carisma de Ingride em 2014. Ela fez um teste para um grupo de dança e passou diversas temporadas embarcando para diferentes países. Foi em meio a essa viagem que ela resolveu se desafiar e tomar como posse os passos do samba de passista, tradicional no Rio de Janeiro.
"Engraçado que fui acompanhar um amigo em uma audição [para um grupo de dança] e eu passei. Mas eu não sabia nem sambar de salto. Foi desafiador. Me dediquei e aprendi a sambar as duas coisas, tanto o samba de roda quanto o samba de passista [o que nasceu no Rio de Janeiro]. A gente é diferenciado, temos [os baianos] energia e em 2013 me familiarizei, 2014 já estava sambando, 2016 um menino se machucou e aí eu agarrei a oportunidade e fiz a minha parte e a dele".
Mal ela sabia, mas uma mudança significativa esperava também em 2016. A artista, que já integrou balés de Guig Guetto, Terra Samba, Patrulha do Samba, e fez participações com Leo Santana e Psirico, ficou noiva de um estadunidense e bateu asas para o outro lado do mundo. Mas, nem tudo foram flores.
"Quando vim para cá deixei a minha arte de lado. O meu ex-marido dizia que aqui eu não podia dançar e que tinha que buscar um trabalho regular. E eu comecei a viver um inferno. Entrei em depressão [...] a adaptação [nos e é muito difícil e eu já não falava o idioma. Eu não tinha amigos, precisava de carro.... aqui é tudo longe".
Eu odiava este lugar, cheguei a ir para o aeroporto três vezes. Meu relacionamento não deu certo, tentei o suicídio [...] tudo muito difícil. Eu sempre fui independente, livre, gostava de viver da minha arte, e um dia eu acordei, fiz um cartaz e fui dar aula de dança. Na minha primeira aula eu tive 20 pessoas, na segunda 40, e após um show de Daniela Mercury eu me divorciei Ingride Banzo
A separação foi um divisor de águas e logo após passar toda a turbulência, a baiana teve de agarrar a fé e o amor pelos familiares para seguir desbravando o mundo. Fora do país, Ingride já trabalhou como nos correios, já foi babá, auxiliar de limpeza, entre outras funções. Mile.
"Me separar foi a melhor da vida. Eu estava dependente daquela relação, presa, e isso [a separação] me fez descobrir o quanto sou forte. Eu nasci para voar, de onde eu vim não existe um não como resposta".
"Estudei, tirei meu certificado de personal trainer, fui comprando equipamentos e oferendo meus serviços para mulheres. Só queria treinar mulheres porque tem um significado maior".
"Eu nasci para compartilhar a minha cultura. É o que me mantêm vida, aqui fora os gringos fazem questão da nossa cultura. 80% dos eventos nossos são marcados por gringos. É até vergonhoso, mas estou no caminho certo para mudar esse pensamento da galera". Ingride Banzo
O Dia do Capoeirista foi celebrado na última quinta-feira (3). A data foi instituída através da Lei nº 4.649, de 1985, pelo governo de São Paulo e que diversas regiões aderiram.
Patrimônio Imaterial da Humanidade desde 2014, a modalidade surgiu na Bahia pelas mãos dos primeiros negros que foram trazidos do continente africano, como forma de resistência e combate contra a escravidão. A capoeira é uma arte marcial que consegue unir não só o esporte, mas também a dança e música.
O som do famoso berimbau baiano, a sonora dos atabaques, músicas do cancioneiro popular, barulho das palmas das mãos e uma grande roda formada por homens e mulheres foi o que chamou a atenção de Ingride quando ela tinha somente 11 aninhos.
"No meu Instagram, eu vejo crianças, adolescentes, mulheres, escrevendo que eu sou a inspiração delas. Quero mostrar para os meus que é possível. A gente cresce com a mentalidade de que não somos suficientes e isso está errado. O céu é o limite", finalizou a profissional.
No 23 de agosto, a dançarina estará na terra natal para cumprir uma série de agendas. Uma delas é a aula gratuita de dança na Funceb. Os interessados devem levar um quilo de alimento não perecível. Ainda no fim do mês, Ingride se tornará professora de capoeirista caso avance de fase. Mais informações do evento podem ser encontrados no pinos.
Lucas Sales
Lucas Sales
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